18 de maio de 2009

Aventuras no berço do Ocidente - parte 5

Na postagem de hoje contarei algo sobre minhas andanças, que não foram poucas. Fui de trem até Paris, onde passei meu último fim de semana na França, e esse evento merece um post apenas para si. Andei de barco em duas oportunidades, sendo que a primeira foi no dia seguinte ao de minha chegada, até a ilha de Porquerolles, perto da cidade vizinha Hyères; trata-se de uma ilha turística, mas fui até lá a trabalho, com o pessoal do laboratório, para coletar amostras de solo e fazer algumas outras coisinhas. A segunda foi num passeio à pequena cidade de Saint-Mandrier, do outro lado da Baía de Toulon. Andei de carro oito vezes, com destaque para a viagem - também a trabalho, para encontrar o professor Michel - até Saint-Raphael, a nordeste de Toulon, onde a água do mar é barrenta. (Mas o professor Stéphane me garantiu que isso era apenas um efeito temporário das chuvas constantes dos dias anteriores.) Ali participei de um almoço inesquecível num belo restaurante à beira da praia; inesquecível por duas razões: diverti-me muito com a seção de piadas contadas pelas pessoas que estavam comigo, embora eu tenha achado a situação tão cômica justamente por não ser capaz de entender nenhuma delas; e, além disso, porque paguei uns doze euros na pior pizza que já comi. Andei ainda uma vez de teleférico, e dezenas de vezes de ônibus, pois este era meu meio de transporte usual para a universidade e de volta para casa. Em todas as demais oportunidades andei a pé mesmo, e hoje pretendo contar algo sobre meu primeiro passeio longo feito dessa forma. Ele ilustra bem os elementos mais importantes de meus passeios a pé, o que me dispensará de narrar todos.

Na sexta-feira, meu quarto dia na França, tive o prazer de reencontrar a Marie, que estivera no Brasil no começo do ano e trabalhara três meses em nosso laboratório. Desde então ela concluiu o mestrado e arrumou emprego em Lyon, bem mais ao norte, mas estava em Toulon naqueles dias para rever os amigos, e aproveitou para me ver também. Decidimos nos encontrar para tomar um lanche e conversar melhor no sábado às quatro da tarde, em frente ao laboratório. O problema é que eu estava hospedado em outra cidade - lembremo-nos de que o campus fica, na verdade, em La Garde - e não sabia o caminho, pois ainda não havia andado de ônibus. (Nos três dias anteriores eu havia ido e voltado de carro com o professor Yves, que morava ali perto, e meu senso de direção não funciona muito bem quando estou entro de um veículo, e menos ainda num veículo que roda pelas ruas tortuosas da França.) Além do mais, eu não queria andar de ônibus; afinal, não é assim que se explora um novo mundo. O jeito, então, era ir a pé. Eu havia sido informado pelo professor Yves de que o trajeto de casa até a universidade levaria cerca de uma hora e meia, para alguém que andasse rápido. Calculei, então, que um turista estrangeiro que não estivesse com pressa, não conhecesse o caminho e não pudesse pedir informações a ninguém, tendo como únicas referências os mapinhas disponíveis nos pontos de ônibus (o que com certeza o levaria a se perder duas ou três vezes), provavelmente gastaria o dobro desse tempo para chegar ao destino. Portanto, saí de casa cheio de ânimo às treze horas, no início de uma bela e ensolarada tarde.

Visto no mapa, o caminho parecia quase retilíneo, uma vez atingida uma avenida que passava perto de casa. Ao chegar lá, porém, vi que não era uma avenida, e sim uma rodovia que não oferecia passagem para pedestres. (Creio já ter mencionado que os pedestres não parecem ser uma das preocupações primárias dos engenheiros de trânsito franceses.) Tive de pegar um caminho mais longo por uma outra avenida - esta, sim, uma avenida de verdade - para depois tomar outra, e logo após mais outra. Eu caminhava devagar, observando atentamente não só os mapas dos pontos de ônibus, mas também as belas paisagens oferecidas pelas ruas comuns do sul da França. Agindo assim, venci sem dificuldades, embora com lentidão, cerca de três quartos do caminho. Então entrei numa rua errada e, ao me dar conta disso, cerca de quinhentos metros e três curvas depois, tentei retornar e me perdi mais ainda. Cheguei enfim a uma rua que julguei ser a que procurava e entrei por ela, passando à beira de uma pequena praça onde uma senhora estava calmamente sentada. Cinqüenta metros depois descobri que aquela rua era sem saída, de modo que só me restava fazer meia-volta. Passei outra vez pela pracinha e, sabendo que a universidade não poderia estar longe, decidi tentar obter daquela senhora alguma indicação de como chegar até lá.

A mulher era baixa, magra e frágil, e me olhava fixamente com uma expressão que transmitia simpatia e curiosidade. Quando viu que eu ia em sua direção, começou a falar sem parar, estando eu ainda a uns dez metros de distância. Não compreendi tudo o que ela disse, mas o essencial era algo assim: "Você está perdido, não é? Eu sei, porque vi você passar pra lá, e agora pra cá, olhando para todos os lados." Sorri, cumprimentei-a, adverti-a sobre meu péssimo francês e disse o que estava procurando. Ela prontamente apontou numa certa direção e recomendou que eu fosse por ali e depois virasse à direita. Não consegui compreender em que ponto da rua eu deveria fazer a curva, e não havia meios de obter essa informação. Agradeci, portanto, e saí andando na direção indicada, pensando em repetir a pergunta a outra pessoa mais adiante. Andei, assim, uns quinhentos metros e parei numa esquina, ponderando se já teria chegado o momento de virar à direita. Segundos depois, alguém me cutucou. Era a mesma senhora, que havia me seguido porque se esquecera de me dizer que havia dois portões de acesso à universidade, e precisava saber se eu entraria pelo portão do norte ou pelo do sul. Visto que eu ignorava a resposta, pois sequer sabia da existência de mais de um portão, ela explicou prolongadamente os dois caminhos. Dessa explicação, como não poderia deixar de ser, eu entendi pouquíssimo. Mas, a julgar pelos gestos e pelas poucas palavras compreensíveis, tive a impressão de que um deles era mais curto e mais fácil, de modo que optei por ele. Assim, ajudado por aquela senhora falante e prestativa, cheguei à universidade poucos minutos mais tarde e, depois de me perder e pedir informações mais duas vezes dentro do próprio campus (pois aquele portão não era o mesmo que eu conhecia), cheguei, enfim, ao prédio do laboratório, às quatro horas em ponto. Marie e seu simpático cãozinho, que atende pelo nome de Gribouille, chegaram minutos mais tarde e, depois de agradáveis momentos nos quais narrei minhas aventuras e fui chamado de maluco por ter andado três horas seguidas (se isso já seria algo extraordinário no Brasil, imagine na França), voltei para casa de ônibus, depois que minha colega se informou sobre qual linha eu deveria tomar e onde deveria descer. (Lá cada ponto de ônibus tem um nome, de modo que não é muito difícil descer no lugar certo, mesmo sem referências exatas.)

Não conto esse episódio por ter ele algo especial, e sim, ao contrário, por ser absolutamente típico. Andar sem saber direito por onde ir, pedir informações na certeza de não entender mais de 20% da resposta, para então andar mais algumas dezenas de metros na direção indicada e parar outra vez para repetir a mesma pergunta a um outro transeunte, estudar com atenção os mapas em cada ponto de ônibus, desviar-se lamentavelmente da rota pretendida - todos esses eventos tornaram-se logo demasiado banais, embora, com o tempo, eu tenha me tornado cada vez mais habilidoso na arte de andar pelas ruas francesas, e também melhorado um pouco na tarefa, muito mais árdua, de entender o que me diziam. (Em meus últimos dias consegui proezas como comprar selos para cartões postais sem saber qual era a palavra francesa para "selo" e sem ter nenhum deles à vista). Isso basta para dar uma amostra de meus passeios cotidianos naquela região. Se houve algo extraordinário naquele dia, foi apenas a surpreendente descoberta de que três horas de caminhada sob o sol da Europa não bastam para me deixar suado, o que geralmente acontece depois que ando apenas meia hora em São Carlos. Aquele sol é fraco o suficiente para sequer incomodar, sem, no entanto, deixar de ser brilhante. Isso talvez explique em parte a reputação que os europeus possuem como inimigos do banho. Não é uma fama de todo justa, devo esclarecer; estou certo de que não poucos dos franceses que conheci tomam banho todos os dias. Mas talvez possa ser dito em favor dos que não o fazem que não é tão fácil feder naquele país. O que, entretanto, não impede que alguns consigam.