tag:blogger.com,1999:blog-384455512024-03-13T17:41:43.857-03:00Retratos por escritoA realidade segundo o sujeito da fotoAndréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.comBlogger177125tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-13317866410944151522017-05-12T15:43:00.001-03:002017-05-12T15:50:00.334-03:00Comentários aos comentários ao apêndice<div class="p1" style="text-align: justify;">
Há poucos dias, Felipe Sabino publicou no <a href="http://www.goodreads.com/book/show/35105187-fa-a-disc-pulos-ou-morra-tentando">GoodReads</a> um comentário fortemente negativo com cerca de duas páginas de extensão sobre o livro “Faça discípulos ou morra tentando”, do pr. Yago Martins. Injustiças contra livros e autores são cometidas na internet diariamente e aos montes. O que me move a comentar esse episódio em especial é o fato de que sou o editor do livro. Isso não me obriga a concordar com todas as ideias e argumentos nele apresentados, mas me dá o direito de defendê-lo contra críticas que me parecem descabidas, especialmente quando vindas de um irmão que ocupa um lugar importante no mercado editorial reformado brasileiro (muito mais importante que o meu, sem dúvida alguma). O comentarista atribuiu apenas uma estrela ao livro, e os argumentos que embasam esse juízo serão resumidos e comentados abaixo.<br />
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Não se trata de uma resenha, pois quase todo o conteúdo do comentário trata apenas de uma parte do apêndice do livro, que totaliza 13 páginas. Esse apêndice se chama “Discipulando o seu país”, e é especificamente sua primeira (e menor) seção que constitui o alvo da crítica. O subtítulo é “Teonomia, discipulado nacional e o ensino de todas as coisas”. O autor critica a visão delineada em um livro de Stephen Perks sobre a Grande Comissão, em particular seu entendimento de que ela ordena discipular nações, e não indivíduos. A tese principal do comentarista diz que “a interpretação de Perks não é oriunda do seu teonomismo, mas de uma visão escatológica particular, a saber, o pós-milenismo”. Os argumentos que ele apresenta são os seguintes. A divisão em tópicos é de minha responsabilidade.<br />
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1. Depois de transcrever as palavras de Perks, o autor diz: “Muitos outros seguem esta visão. Segundo Matthew Henry, […]” (p. 231). Contudo, o comentarista informa que Henry não era teonomista, e infere dessa referência a ele que o autor não entende a distinção entre um posicionamento sobre teonomia e um posicionamento sobre escatologia.<br />
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Essa inferência da ignorância do autor, sobretudo quanto a uma questão tão básica, parece-me apressada demais. O apêndice não afirma que Henry era teonomista, e é mais natural entender as palavras “Muitos outros seguem esta visão” como se referindo especificamente ao que Perks acabou de afirmar na citação da página anterior, e não à teonomia em geral. Na verdade, as citações desse novo parágrafo, que além de Henry incluem John Peter Lange e David Chilton, são claramente menos ousadas que a de Perks, e se limitam a constatar que os Estados nacionais devem se submeter a Cristo. Nenhuma delas vai tão longe quanto Perks ao dizer que “A Grande Comissão não nos comanda sair e discipular indivíduos”. Parece mais natural inferir que o autor está aqui empenhado em demonstrar apenas que o foco em nações não é uma excentricidade isolada de Perks, conquanto ele possa ter disso uma visão particularmente radical.<br />
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Em suma, seria compreensível se o comentarista acusasse o autor de não saber que Henry não é teonomista, embora eu pense que o texto não permite essa inferência. Seria mais justo que o autor fosse acusado de cometer um pequeno deslize ao incluir sem aviso prévio um autor não teonomista por causa de certa afinidade com o pensamento de Perks. Mas nada no texto permite inferir que o autor desconhece a distinção entre teonomia e escatologia. Esse é um passo muitíssimo maior que o permitido pela evidência disponível, e seu único efeito é a interrupção da discussão séria mediante o expediente de denegrir, pela hipérbole, a imagem do criticado.<br />
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2. O comentarista argumenta que, dada uma adesão prévia ao pós-milenismo, “é natural ele acreditar que não somente uns poucos indivíduos de cada nação serão alcançados, mas um número tão grande que podemos dizer que toda uma nação foi convertida”. Suponho que sua intenção é sugerir que foi tão somente isso o que Perks quis dizer ao falar em “discipular as nações”. Resultaria daí que o autor do apêndice o entendeu mal e está argumentando contra um espantalho. Na verdade, o comentarista censura o autor por “sugerir que Perks nega a ideia de se discipular os indivíduos como MEIO de discipular uma nação como um todo, o que é absurdo completo. Trata-se de representação caluniosa, ou analfabetismo funcional.”<br />
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Se entender do mesmo modo que o autor revela analfabetismo funcional, também sou um analfabeto funcional. Contudo, não me parece que o comentarista o tenha interpretado corretamente. Em parte alguma o autor afirma que Perks é contra a evangelização individual. No entanto, a citação de Perks transcrita no apêndice diz claramente que “A Grande Comissão não nos comanda a sair para discipular indivíduos. […] Ela nos comanda discipular as nações” (p. 230). Se estivesse correta a interpretação do comentarista, não faria sentido algum contrapor as duas coisas, e essa contraposição é exatamente o que Perks faz. Pelo que está escrito aí, eu não cumpro a Grande Comissão ao evangelizar meu vizinho. Até onde posso ver, a interpretação do autor está correta, e o comentarista tenta em vão diluir a força das afirmações de Perks em um lugar-comum pós-milenista. Mas se for verdade que Perks, embora dê a entender o contrário, considera a evangelização individual um meio para o cumprimento da Grande Comissão, ele continua deslocando indevidamente o foco do texto dos indivíduos para as nações, e com isso o essencial das críticas do apêndice continua sendo pertinente.<br />
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É possível, naturalmente, que Perks tenha se expressado mal, que ele tenha se deixado levar pelo excesso de retórica. Nesse caso, porém, o comentarista podia não só ter expressado seu desacordo interpretativo com maior polidez, mas também ter resolvido a questão apresentando evidências de que sua interpretação é preferível. Se, ao contrário do que aquela citação isolada dá a entender, Perks crê que quem evangeliza indivíduos está de fato atuando no discipulado das nações, não deve ser difícil documentar isso com base em outras obras, ou mesmo de outras partes da mesma obra. Apresentar essa evidência elevaria o nível do debate e, na verdade, eliminaria qualquer dúvida sobre o problema. Acusar de calúnia e analfabetismo funcional não faz nenhuma das duas coisas.<br />
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3. O comentarista acusa o autor de arbitrariedade por chamar de “teonomista” a interpretação que Perks e Gentry dão ao texto da Grande Comissão. Ele qualifica essa associação como “absurda" e diz que isso “é o mesmo que chamar a interpretação de Perks sobre João 1.1 de 'interpretação teonomista'. Ora, se o tema de Mateus 28 não é o papel da lei de Deus no mundo moderno, não podemos chamar a interpretação de interpretação teonomista ou não teonomista.”<br />
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O argumento me parece falho por duas razões. A primeira é que, embora eu esteja longe de me considerar um conhecedor profundo do pensamento teonomista, estou informado de que uma de suas ênfases é precisamente a validade perene da lei de Deus. E, justamente por ser perene, essa validade nada tem de particularmente moderno. Se os teonomistas enfatizam o mundo moderno em suas discussões, é tão somente porque vivem nele, e não porque o mundo moderno esgote o interesse da teonomia. Daqui a mil anos poderemos estar no mundo pós-pós-(…)-pós-moderno, e os teonomistas de então ainda estarão dissertando sobre o papel da lei de Deus naquele contexto. Tanto a lei de Deus (segundo o entendimento teonomista) quanto a Grande Comissão estão em vigor, de modo que não há nada, em princípio, que impeça um teonomista de ver conexões entre as duas coisas. Ou, se há, essa razão não foi bem expressa no argumento do comentarista.<br />
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A segunda razão pela qual considero esse argumento fraco é justamente o fato de que Perks parece ver uma conexão entre as duas coisas. Embora o comentarista se esforce para nos convencer do contrário, não é nem um pouco despropositado que um teonomista enxergue afinidade entre a ideia de “discipular as nações” e a adoção da lei de Deus pelos Estados nacionais, interpretando dessa maneira o texto da Grande Comissão. Isso não é arbitrário nem absurdo, sobretudo porque Perks, em sua exegese, enfatiza o alvo institucional em contraposição ao individual.<br />
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A expressão “interpretação teonomista” talvez pudesse ser desrecomendada em outras bases. Por exemplo, se fosse demonstrado que o entendimento que Perks apresenta do texto da Grande Comissão é contradito pelo de outros teonomistas, que é minoritário nesse meio ou que há opções hermenêuticas igualmente (ou ainda mais) compatíveis com a teonomia. Mas não há a mínima sugestão de nada disso no comentário.<br />
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4. Sobre os problemas que o autor aponta na visão de Perks, o comentarista declara que “são tão ilógicos e sem relação com a posição do autor, que não merecem ser comentados”. Apesar disso, ele graciosamente comenta dois itens. O primeiro é que, segundo o autor, a visão de Perks “faz com que acreditemos que o foco principal de Deus é em países e estados cristãos, e não em convertidos de todas as nações” (p. 232). O comentarista pergunta: “Mas como os estados se tornariam cristãos sem que houvesse um número de convertidos majoritário nesta nação?” A implicação pretendida parece ser a de que isso é contraditório e demonstra que o autor do apêndice não entendeu bem a posição de Perks. Como demonstrei no item 2, o comentarista já tentou provar isso, mas sem sucesso. Se o comentarista estiver correto em ver aí uma contradição, nada em seu argumento nos obriga a pensar que o responsável por ela seja o autor do apêndice. Pode muito bem ser uma contradição de Perks. Na verdade, talvez nem seja uma contradição (pessoalmente, não estou convencido de que seja). Mas essa pressa do comentarista em atribuir contradição ao autor, quando há outras opções claramente disponíveis e não refutadas por argumentação consistente, é indício de certa má vontade de sua parte, e isso é tudo o que julgo dever observar.<br />
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5. O segundo item comentado pelo comentarista é a comparação com o islamismo. O autor afirma que, adotando-se as ênfases de Perks, “nossa visão teológica da Missão será mais parecida com a visão islâmica” (p. 232). O comentarista objeta a essa comparação dizendo que os principais teonomistas defendem um Estado mínimo constituído exclusivamente para punição de malfeitores. Ele objeta também que o Estado teonomista, ao contrário do islâmico, “não deve ser alcançado mediante revolução, mas por meio de regeneração” (essa afirmação do comentarista constitui uma trapalhada transcultural, mas não convém tratar disso aqui). E alfineta novamente, com frases como “qualquer pessoa que estude minimamente a posição teonomista sabe que […]” e “Eu esperaria que um comentário 'um pouco mais técnico' considerasse isso”.<br />
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Essa objeção desconsidera o contexto da afirmação do autor. A semelhança que ele vê entre a visão teonomista da Grande Comissão e a visão islâmica está explicada no mesmo parágrafo: não reside no tamanho ou função do Estado, e sim na convicção de que “o foco principal de Deus é em países e estados cristãos, e não em convertidos de todas as nações” (p. 232). O texto do apêndice não autoriza a suposição de que o autor enxerga qualquer outra semelhança além dessa. Sem perceber, o comentarista mudou de assunto e desperdiçou alfinetes.<br />
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6. Vem em seguida uma série de recriminações que repetem a falácia do item 4. O autor é reprovado por desconsiderar que “no teonomismo […] o foco do ensino está obviamente no indivíduo, e não nas instituições” e que “para qualquer um que conheça a posição teonomista, esse Estado ideal não deve ser alcançado mediante revolução, mas por meio de regeneração”. Ainda que tudo isso seja verdade, resta o fato de que Perks afirmou que a Grande Comissão trata de discipular nações, e não indivíduos. Se ele disse isso sendo inconsistente com sua posição teonomista, devem existir dezenas de obras teonomistas reprovando-o explicitamente por isso, e o comentarista poderia fortalecer seu argumento apresentando algumas citações nesse sentido. Se, ao contrário, outros teonomistas leram as afirmações de Perks e não viram nada de errado, isso indica que as coisas talvez não sejam bem como o comentarista as apresenta. Talvez haja alguma tensão interna a ser resolvida no pensamento de Perks, ou dos teonomistas em geral. Ou talvez, como já sugeri antes, Perks tenha se expressado mal. Em meio a todas essas possibilidades, que poderiam ser corroboradas com argumentos e citações adicionais, o comentarista optou por simplesmente acusar de ignorância o autor do apêndice sem fornecer evidência alguma, seja da ignorância, seja das verdades ignoradas. Não me parece justo que o autor do livro, que não é teonomista, tenha a obrigação de apresentar a teonomia sob uma luz positiva enquanto os teonomistas que o criticam desperdiçam tão grande oportunidade de demonstrar seus erros com argumentos melhores.<br />
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7. O comentarista diz que, segundo o teonomismo, “o foco do ensino está obviamente no indivíduo, e não nas instituições, como ele sugere. Aliás, mesmo que o foco fosse nas instituições, estas são constituídas de indivíduos, ora bolas.”<br />
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O argumento é claramente falacioso. Nações são constituídas de indivíduos, e indivíduos constituem nações. Não é aí que Perks e o autor do apêndice divergem. Eles divergem especificamente sobre qual dos dois grupos de entidades constitui o foco do texto da Grande Comissão. E podem divergir justamente porque não é indiferente que o texto se refira a uns ou outras. Se fosse o caso, o próprio Perks não teria colocado tanta ênfase na importância de se entender que o texto se refere a nações, e não a indivíduos. E ele escreveu de modo a lançar dúvidas sobre se isso é mesmo tão óbvio quanto o comentarista afirma.<br />
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8. O comentarista volta a criticar o autor por associar teonomia e pós-milenismo e se põe a dissertar sobre as diferenças. Nenhuma evidência de que essa confusão de fato ocorreu é apresentada. Parece-me que o comentarista confia demais naquela menção a Henry, já discutida no item 1.<br />
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Para estabelecer a associação entre a interpretação de Perks e o pós-milenismo, seria relevante que o comentarista apresentasse evidências de que o pós-milenismo leva necessariamente (ou, pelo menos, com naturalidade) à visão que Perks apresenta na citação da página 230. A pergunta relevante é: por que o otimismo escatológico leva a privilegiar nações em detrimento de indivíduos na exegese de Mt 28.-18-20? Não vejo nenhuma razão para isso, e procurei delinear na seção 3 as razões pelas quais vejo alguma afinidade entre essa exegese e o espírito da teonomia. Esse seria um dos pontos mais importantes a demonstrar em uma defesa rigorosa da tese principal desse comentário. Especificamente, ficou faltando a fundamentação desta sentença: "os incautos, sem perceber, leem um trecho de Perks, atacam-no como se fosse um exemplo de heresia do teonomismo, quando na verdade é apenas o reflexo de uma visão pós-milenista”. Claro, faltou também demonstrar que o autor do livro é um incauto.<br />
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9. Na exposição do argumento final para dar só uma estrela ao livro, o comentarista declara: “Se este é o nível do conteúdo 'um pouco mais técnico' do livro, não me aventuro a ler o restante do livro.” Portanto, a nota foi dada com base apenas no apêndice. Ou talvez em parte dele, pois não há comentário algum sobre a maior parte do mesmo apêndice, que trata da teologia da missão integral. Ao todo, o comentarista parece ter lido menos de 5% do livro. Mas a estrela única foi para o livro todo. O comentarista está claramente confiante de que sua avaliação foi justa, e a razão para isso pode ser discernida nas palavras acima. Seu argumento é este: se a parte que o autor aponta como “mais técnica” é tão ruim, a parte menos técnica deve ser igualmente ruim, ou pior. Mas esse raciocínio é falacioso. Já li muitos livros que são ruins na parte mais técnica e excelentes nas outras partes. Já li também muitos livros na situação oposta. O fato é que cada autor tem seus pontos fortes e fracos. Ainda que suas opiniões sobre o apêndice fossem manifestamente confiáveis, o comentarista não possuiria meios legítimos de fazer a inferência que fez. Não sem ler o livro.<br />
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10. Omiti vários ataques ad hominem contidos no comentário, limitando-me a apresentar apenas o suficiente para mostrar que houve má vontade na leitura, sobretudo na desproporção entre os defeitos (bem ou mal) verificados e os comentários depreciativos resultantes sobre a pessoa do autor. Apresento apenas mais um exemplo: “poderíamos resumir esse apêndice da seguinte forma, pelo menos no que concerne à teonomia: Yago não sabe o que está falando. Perdão por não vos apresentar uma novidade”. Essa última frase tem o efeito de reforçar eventuais predisposições contra o autor, mesmo que essa não tenha sido a intenção do comentarista.<br />
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11. Dentro desse mesmo espírito, era necessário ao propósito do comentário que algo fosse dito para neutralizar o efeito do prefácio do pr. Franklin Ferreira, que é reconhecidamente um dos maiores teólogos do Brasil. A questão que subjaz é: como um teólogo desse gabarito pôde prefaciar uma obra tão ruim? O comentário busca contornar esse problema ressaltando que no prefácio “quase não há interação com o texto” do livro. O post scriptum esclarece que não era sua intenção sugerir que o prefaciador não leu o livro, e sim “que talvez não haja nada digno de ser citado”. A sugestão implícita é a de que o pr. Franklin não vê problema em prefaciar livros nos quais não vê nada digno de ser citado. Basta pensar um pouquinho para ver que o argumento é fraco e, na verdade, está à beira do desespero.<br />
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Creio que devo concluir com alguns esclarecimentos sobre o que não tive intenção de fazer no presente texto. Primeiro, não é meu propósito incentivar qualquer desprezo pelo comentarista. Felipe Sabino não é exatamente um amigo próximo, mas mantenho por ele profundo respeito e gratidão, e essa invectiva lamentável não diminui meu apreço por ele. Também não pretendo fazer nenhum diagnóstico de suas motivações, pois isso é algo que ele mesmo pode fazer em seu autoexame diante de Deus. Da mesma forma, embora eu não seja teonomista, não vejo meu texto ou o apêndice do livro como condenações integrais da proposta teonomista. O movimento e o próprio Perks têm momentos melhores que essa interpretação específica da Grande Comissão, como o próprio apêndice sugere (p. 239 e 241). Se não foram abordados no livro, é porque o livro é sobre a Grande Comissão, e não sobre teonomia.<br />
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O que pretendo e espero ter feito neste texto é apenas favorecer um tratamento mais justo a um livro que não editei por acaso, nem por simples amizade com o autor, e sim porque sua leitura me abençoou muitíssimo. Seria uma pena e um desserviço ao Reino de Deus que alguém desistisse de ler o livro do pr. Yago Martins por causa do comentário que acabo de discutir. Se me dei ao trabalho de escrever uma refutação, foi apenas na esperança de soar mais convincente ao recomendar isto: que você ignore (ou melhor, suspenda o juízo sobre) o comentário de Felipe Sabino até ter lido o livro; mas, acima de tudo, que leia o livro. Vale a pena.</div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-710422883645261422016-12-17T14:40:00.000-02:002016-12-29T18:36:40.640-02:00Profecia e divindade - parte 8<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>2.5. Deus como Pai</b></span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Um último ponto que precisa ser mencionado, por estar diretamente ligado à interpretação islâmica de Jesus e à negação de sua divindade, é a questão básica do que a Bíblia quer dizer quando atribui a Jesus o título de Filho de Deus e outros semelhantes. Já toquei nesse ponto no item 2.2, onde procurei mostrar que, segundo o Novo Testamento, Jesus é o Filho de Deus em um sentido que o distingue de qualquer outro ser humano. Ele é o Deus Unigênito, o único filho legítimo, ao passo que todos nós, quando chegamos a nos tornar filhos de Deus, o fazemos através de Cristo, por meio da adoção. É importante ter em mente mais uma vez que a expressão "filho de Deus" não era banal para os antigos judeus como é para a nossa cultura semicristianizada de hoje. Sem essa perspectiva, não entenderemos passagens como esta (João 5.17-18):</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">"Disse-lhes Jesus: 'Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando'. Por essa razão, os judeus mais ainda queriam matá-lo, pois não somente estava violando o sábado, mas também estava até mesmo dizendo que Deus era seu próprio Pai, igualando-se a Deus."</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Esse trecho mostra que, mesmo quando Jesus não usava a expressão "Filho de Deus", as pessoas entendiam que ele estava atribuindo divindade a si mesmo ao se referir a Deus como "meu Pai". Esse pode parecer estranho à primeira vista, porque a metáfora de Deus como pai do povo de Israel é antiga, e inclusive está presente no Antigo Testamento. Mas o escândalo consistia justamente no fato de Jesus usar a primeira pessoa do singular: "meu Pai", e não "nosso Pai". Jesus nunca colocou sua filiação em pé de igualdade com a de nenhuma outra pessoa. Por exemplo, Jesus disse: "Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém sabe quem é o Filho, a não ser o Pai; e ninguém sabe quem é o Pai, a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar" (Lucas 10.22). Quando Jesus dizia que Deus é Pai dele, estava indo além da mera paternidade metafórica de Deus, e além também da simples ideia de Deus como Criador de todas as coisas. Ter um filho significa comunicar uma natureza. Quando geramos um filho, comunicamos nesse ato a natureza humana a esse filho, coisa que não acontece quando fazemos algo com nossas mãos - digamos, uma obra de arte. A obra de arte não é um ser humano; um filho, sim. Da mesma forma, quando Deus Pai criou o mundo, não transmitiu ao mundo sua natureza divina; o máximo que a Bíblia diz é que nós, seres humanos, fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1.26). Mas não somos Deus, ao contrário de Jesus; por isso a Bíblia diz que ele é Filho, e não criatura.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Essas considerações são importantes para o nosso propósito porque o Alcorão nega enfaticamente que seja apropriado se referir a Jesus como Filho de Deus. Em algumas passagens parece que a queixa decorre de uma compreensão simplista e equivocada, pela qual Jesus seria filho de Deus por ter Deus mantido relações sexuais com Maria. Talvez essa compreensão grosseiramente materialista seja, de fato, a ideia que ocorre a muitos muçulmanos, em especial os menos cultos, quando ouvem que os cristãos consideram Jesus o Filho de Deus. E alguns dos que defendem a doutrina cristã contra as críticas islâmicas têm se limitado a desfazer esse entendimento equivocado. Porém, acredito que a objeção que o Alcorão levanta não é tão banal assim. Isso está claro em 19.34-35, em que as seguintes palavras são atribuídas a Jesus: "É inadmissível que Deus tenha tido um filho. Glorificado seja! Quando decide uma coisa, basta-lhe dizer: Seja!, e é. E Deus é o meu Senhor e vosso. Adorai-O, pois! Esta é a senda reta." Note que a questão fundamental é que, segundo o Alcorão, Deus só pode criar, mas não gerar; "basta-lhe dizer: Seja!, e é" é uma clara alusão ao poder criador de Deus, a criação a partir do nada, "creatio ex nihilo". O muçulmano não pode aceitar que Jesus seja chamado legitimamente de Filho de Deus, porque isso sugere justamente essa comunicação da natureza divina, o que faz com que Jesus não seja mais ontologicamente um homem como outro qualquer ("Deus é o meu Senhor e vosso"). Se isso fosse admitido, ficaria destruída a concepção islâmica do monoteísmo, pois estaríamos "associando" outras pessoas a Deus; como vimos no parágrafo anterior, os judeus contemporâneos de Jesus tinham exatamente essa mesma sensibilidade. Mas para o muçulmano a questão é ainda mais grave que para o judeu contemporâneo de Jesus, pois, como mostrei na parte 1, o primeiro está comprometido com uma revelação posterior e superior à de Cristo.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Por tudo isso, o preletor muçulmano fica muito aquém de fazer justiça à questão quando cita diversas passagens bíblicas que tratam da paternidade de Deus e conclui daí que Jesus ensinou uma posição essencialmente islâmica sobre esse tema. Ele chegou a dizer, referindo-se a certa declaração de Jesus, que "qualquer pessoa que disser que não busca sua vontade, mas sim a vontade do Pai, é um muçulmano". Mas essa conclusão não é verdadeira porque, a rigor, não há lugar para a paternidade divina no islã. O simples fato de Jesus ter se expressado nesses termos já revela uma incompatibilidade tremenda entre as visões cristã e muçulmana de Deus e sua relação com a humanidade e com o próprio Jesus. O Alcorão em parte alguma se refere a Deus como Pai, e tampouco essa ideia existe na intuição religiosa do muçulmano comum.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>3. Outras questões</b></span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Com isso, chego ao fim da minha análise sobre a resposta do preletor muçulmano. Não quero encerrar, contudo, sem fazer dois breves esclarecimentos sobre duas questões que não foram abordadas diretamente, mas que estão de algum modo ligadas ao conteúdo do vídeo. Ambas brotam do fato de que a moça que faz a pergunta ao preletor no início do vídeo se identifica como católica. Sendo eu um cristão protestante, acredito que os comentários a seguir devem ser feitos, ainda que de modo breve, pois tocam em questões pertinentes às dissensões internas da cristandade.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O primeiro comentário é a questão da autoridade. Um dos objetivos do preletor muçulmano em sua resposta é mostrar que a Igreja não se manteve fiel à mensagem de Jesus e ao conteúdo da Bíblia em geral. Como expliquei antes, muitos muçulmanos acreditam que a própria Bíblia foi corrompida, mas o fato é que esse preletor não recorre a essa possibilidade. O importante é notar que, logo no início de sua resposta, o preletor explicitamente coloca em dúvida o ensino da Igreja e chama a um exame do próprio texto bíblico como árbitro supremo da questão. Já forneci longamente os motivos pelos quais não concordo com as interpretações bíblicas dele. Não obstante, sendo eu um protestante teologicamente conservador, concordo com ele que o caminho a ser seguido é esse mesmo. Uma das divergências fundamentais dos reformadores, que os levou para fora da Igreja Católica, era justamente sobre o problema de onde se situaria a autoridade máxima, onde está o referencial infalível. Os reformadores defendiam que conhecemos a vontade de Deus lendo a Bíblia e sendo instruídos pelo Espírito Santo a entendê-la cada vez melhor, de modo que a própria Igreja deveria ser julgada à luz da Bíblia. A doutrina católica, porém, sustentava e continua sustentando que a Bíblia só pode ser interpretada corretamente pela Igreja, e que o Espírito Santo não age à parte dela nesse sentido; nesse sentido, a Igreja não pode e não deve se submeter à Bíblia. Acho importante enfatizar essa diferença para deixar claro que, para um protestante como eu, criticar e rejeitar essa instituição chamada Igreja (ou alguma outra igreja) não equivale de modo algum a criticar ou rejeitar o cristianismo. Não considero nenhuma igreja infalível, incluindo aquela a que pertenço. Minha lealdade, no caso, à Igreja Presbiteriana do Brasil se dá na medida em que ela é fiel à Bíblia; essa fidelidade é imperfeita, é claro, mas considero-a substancial; se no futuro isso mudar, não hesitarei em ir para outro lugar. Dessa forma, protestantes e católicos se relacionam de modo muito distinto com a instituição eclesiástica. É exatamente por isso que grande parte da minha crítica ao preletor muçulmano se deu no terreno da interpretação bíblica, e não em considerações sobre a instituição ou a tradição - embora, é claro, estas tenham seu lugar e papel legítimos. Quando ele ataca a autoridade da Igreja, está tocando em um ponto central para a sua ouvinte católica, mas não tão central para mim.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">A segunda questão que não pode ser desconsiderada é o próprio pressuposto embutido na pergunta da moça: ela quer saber por que o fato de ela não ser muçulmana é tão relevante para o seu destino eterno; ela quer saber se o fato de ela ser uma pessoa tão boa não deveria tornar menos importantes essas divergências doutrinárias sobre a identidade de Jesus e coisas do tipo. O preletor muçulmano, na verdade, não respondeu a essa parte da pergunta. E essa resposta também remete, de certa forma, à divergência fundamental que provocou a Reforma. No meu entendimento, os reformadores estavam corretos em sua interpretação da resposta bíblica a essa questão. E a resposta bíblica é simplesmente que a premissa da moça católica está errada: ela não é uma boa pessoa. Não há boas pessoas; os que se consideram fundamentalmente bons estão cegos e iludidos. Sem isso, a mensagem bíblica sobre Jesus não tem a menor importância, pois não há sentido em buscar um Salvador se não sabemos do que é que devemos ser salvos: de nossa própria maldade, que nos torna merecedores de uma justa punição da parte de um Deus santo que necessariamente odeia toda forma de mal. É por isso que Jesus disse: "Não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento" (Lucas 5.32). O preletor muçulmano não pôde entender essa parte da pergunta porque a concepção islâmica da natureza humana é fundamentalmente falha. Para o islã, tudo se resume a receber de Deus a orientação sobre como agir, e então agir de acordo com ela. Ele não oferece a solução para o mal humano, porque não reconhece a existência do problema. O catolicismo vai na mesma direção até certo ponto, embora não de modo tão consistente. Apenas o Jesus da Bíblia é capaz não só de diagnosticar de modo correto o problema do homem, mas também de resolvê-lo, oferecendo aquela regeneração verdadeira de nossa natureza que não somos capazes de produzir em nós mesmos. E é por isso que depositar nele toda a nossa esperança é necessário. "Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia" (João 6.40).</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-91848445683481939392016-12-09T23:11:00.000-02:002016-12-09T23:11:49.943-02:00Profecia e divindade - parte 7<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-size: small;"><b>2.3. Filipenses 2.5-11</b><br /><br />Nesse trecho clássico de uma de suas cartas, Paulo faz uma bela exposição de uma doutrina bíblica importante, relacionada ao que aconteceu com Jesus quando se encarnou, morreu e ressuscitou. Farei alguns comentários em seguida.<br /><br />"Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai."<br /><br />Essa passagem afirma claramente a divindade de Jesus e sua igualdade de natureza com o Pai, mas sua importância vai além disso: ela expõe as doutrinas gêmeas de que a teologia sistemática trata sob os nomes de "doutrina da humilhação de Cristo" e "doutrina da exaltação de Cristo". A encarnação foi um ato de humildade e humilhação pelo qual Jesus voluntariamente abriu mão, em certo sentido, de sua dignidade como igual ao Pai. Mas, após sua morte, tendo cumprido com perfeição a obra que lhe fora confiada, Jesus foi novamente exaltado pelo Pai, não apenas por sua ressurreição, nem apenas por ter se tornado Senhor sobre tudo ("Toda autoridade me foi dada nos céus e na terra" foi uma das últimas palavras do Cristo ressurreto no evangelho segundo Mateus, como já mencionei), mas também porque seu nome seria proclamado como tal e assim reconhecido em todas as partes do mundo. A doutrina da humilhação, declarada nesse texto, também esclarece as várias passagens em que Jesus, durante sua vida terrena, se expressou de modo a sugerir algum tipo de inferioridade sua em relação ao Pai, e explica como isso pode ser conciliado com as claras afirmações da plena divindade de Cristo e sua igualdade com o Pai.<br /><br /><b>2.4. De volta ao vídeo</b><br /><br />Depois de ter examinado brevemente esses três textos bíblicos, e outros relacionados que foram citados de passagem, podemos voltar aos argumentos que o preletor muçulmano levantou contra a ideia de que a Bíblia ensina a divindade de Jesus. Eu havia mencionado que os argumentos eram três, dos quais o segundo já havia sido refutado por pressupor equivocadamente que afirmar a divindade equivaleria a negar a humanidade de Cristo. Chamei também a atenção para o fato de que as três partes do primeiro argumento pressupõem que não pode haver subordinação de Cristo em relação ao Pai. Portanto, todas as três partes são refutadas pelo esclarecimento da doutrina da humilhação de Cristo, que acabo de expor e discutir brevemente com base no texto de Filipenses 2: a subordinação ocorrida durante o estado de humilhação é totalmente compatível com a plena divindade de Jesus e sua igualdade com o Pai, e ambas as doutrinas são claramente afirmadas no mesmo texto.<br /><br />Sendo assim, resta apenas um argumento: o de que Jesus nunca declarou ser Deus. Antes de responder a isso, é interessante chamar a atenção para uma mudança sutil na estratégia argumentativa do preletor. Até aqui ele citou indiscriminadamente textos de diversas partes da Bíblia, não levando em consideração a identidade do autor. Como já apontei antes, em parte alguma ele se mostrou disposto a afirmar (embora muitos apologistas muçulmanos afirmem) que a Bíblia contém erros; ao contrário, sua estratégia argumentativa precisa pressupor a autenticidade e confiabilidade do que a Bíblia declara sobre Jesus. Ao chegar a este ponto, no entanto, ele põe de lado o que outras pessoas afirmaram na Bíblia sobre Jesus e dá a entender que só o que Jesus afirma sobre si mesmo tem validade. Essa mudança de procedimento não vem acompanhada de nenhuma justificativa, e creio que muitos espectadores nem sequer a notaram. Mas o preletor é enfático nesse ponto, chegando a mencionar que as traduções da Bíblia destacam em vermelho as falas do próprio Jesus, distinguindo-as do restante do texto (na verdade, até onde sei, apenas uma edição da Bíblia faz isso).</span></span></div>
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<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-size: small;">Acredito que essa mudança tem uma motivação importante: a evidência bíblica de que os apóstolos e a igreja primitiva em geral criam na divindade de Cristo é esmagadora. Nos próprios textos que citei (e muitos outros poderiam ser citados) isso transparece claramente. Um muçulmano não tem como ler a Bíblia sem ficar profundamente incomodado com essas declarações, que conflitam fortemente com a imagem de Jesus que o Alcorão apresenta. Creio que essa dificuldade está por trás da ampla adesão do mundo islâmico à ideia de que os ensinos de Jesus foram mal interpretados e distorcidos pelos discípulos, e de que Jesus, sendo profeta, não poderia concordar com esses desvios. Já mostrei que o Alcorão afirma isso expressamente. Porém, como também já expliquei, dizer claramente que a própria Bíblia contém distorções, embora não seja problemático para a doutrina islâmica, é problemático para esse preletor específico, pois ele tomou a decisão retórica de não questionar a autoridade bíblica ao tentar convencer a jovem católica que fez a pergunta. Nesse contexto, restringir a discussão às palavras ditas pelo próprio Jesus é um procedimento artificial, pois é um modo de eliminar logo no ponto de partida boa parte da evidência bíblica da divindade de Jesus. Mas isso não poderia ser declarado expressamente, pois a eficácia da estratégia de mudança de foco depende justamente da capacidade de ocultar esse contraste; uma vez vindo à consciência, o encanto se desfaz.<br /><br />Por ser esse um procedimento ilegítimo e arbitrário, considero que a simples constatação de sua existência, somada à evidência que vim elencando nas seções anteriores, vinda de várias partes do Novo Testamento, bastam para mostrar que a Bíblia ensina claramente a divindade de Jesus. No entanto, darei um passo a mais e mostrarei que, mesmo que nos restrinjamos às palavras do próprio Jesus, como quer o preletor muçulmano, ainda encontraremos evidência da divindade de Jesus. Vários exemplos poderiam ser citados, como as referências de Jesus à sua capacidade de perdoar pecados ou sobre sua relação com o sábado. Mas me concentrarei em um único exemplo.</span></span><br />
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-size: small;"><br /></span></span>
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-size: small;">O momento em que a reivindicação de divindade de Jesus me parece mais nítida está registrado em João 8.56-59. Durante uma discussão com os fariseus, na qual eles questionavam a origem divina de seu trabalho, Jesus disse: "Abraão, pai de vocês, regozijou-se porque veria o meu dia; ele o viu e alegrou-se". Seus antagonistas responderam: "Você ainda não tem cinquenta anos, e viu Abraão?" O espanto deles é compreensível, pois Abraão vivera dois mil anos antes. Mas ficaram ainda mais espantados com a resposta de Jesus: "Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!" Há intérpretes que tentam diluir o significado dessa afirmação de Jesus dizendo que o que estava em discussão era apenas a idade de Jesus, de modo que ele estava, na verdade, apenas afirmando sua preexistência. Mas essa interpretação não se sustenta, por várias razões. Uma delas é que, se foi isso o que Jesus quis dizer, achou um jeito muito estranho de dizê-lo. Nesse caso, bastaria dizer "antes de Abraão nascer, eu já existia". Mas por que o uso do verbo no presente? A construção pode parecer estranha para nós, mas era familiar aos judeus da época, de modo que Jesus certamente sabia disso e, como bom professor que era, quis dizer exatamente o que sabia que as pessoas entenderiam. Mas o que seria?</span></span></div>
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<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-size: small;">A resposta está no Antigo Testamento, mais uma vez. Para ser mais exato, está em Êxodo 3.13-14, quando Deus aparece a Moisés (no famoso episódio da sarça ardente) e promete libertar o povo de Israel da escravidão no Egito. O texto diz: "Moisés perguntou: 'Quando eu chegar diante dos israelitas e lhes disser: O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: Qual é o nome dele? Que lhes direi?' Disse Deus a Moisés: 'Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês'." Desde então, a expressão "eu sou", sem objeto direto, tornou-se uma reivindicação de divindade. O que Jesus afirmou sobre si mesmo ia muito além de sua mera preexistência. Jesus sabia muito bem o impacto que sua afirmação causaria, e de fato causou, pois João narra o que aconteceu a seguir nos seguintes termos: "Então eles apanharam pedras para apedrejá-lo, mas Jesus escondeu-se e saiu do templo". Para aqueles judeus, Jesus havia acabado de cometer publicamente um ato de blasfêmia, de modo que só lhes restava executar a sentença prescrita na Lei: o apedrejamento do blasfemador. Eles não fariam isso se não lhes parecesse que Jesus havia afirmado ser Deus. E Jesus não teria se expressado mal, muito menos quanto a uma questão dessa importância.</span></span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-35886103515467742452016-10-23T21:44:00.000-02:002016-10-23T21:44:04.591-02:00Profecia e divindade - parte 6<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-size: small;"><b>2.1. Hebreus 1</b><br /><br />Uma das passagens bíblicas mais esclarecedoras sobre o tema da divindade de Jesus está nas palavras iniciais da carta aos Hebreus. Essa carta não tem preâmbulos: entra direto no seu tema principal, que é a superioridade de Cristo sobre todas as revelações anteriores. Sua primeira sentença é assim: "Havendo Deus outrora falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nesses últimos dias ele nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro sobre todas as coisas e pelo qual também fez o universo". Note-se que tudo se estabelece em termos de um contraste absoluto entre o antes e o agora. A única coisa em comum é que o Deus que se revela (fala) é o mesmo. Mas ele se revelara "muitas vezes e de muitas maneiras", e agora falou de uma única maneira. Antes havia sido "aos pais", isto é, aos antepassados dos judeus que estavam lendo a carta, e agora é "a nós". E o mais importante: antes Deus havia falado através dos profetas, e agora ele falou pelo Filho. A intenção de contrastar o Filho com os meros profetas é evidente. É claro que a oposição não é absoluta, pois Jesus também é chamado de profeta várias vezes no Novo Testamento. O ponto a ser destacado é que ele não é menos que um profeta, mas certamente é muito mais. E, na verdade, basicamente todo o restante do capítulo 1 de Hebreus é dedicado a essa superioridade de Jesus sobre os profetas. O argumento começa já nessa primeira frase, quando, depois de se referir ao Filho, o autor anônimo diz que esse Filho foi constituído por Deus como "herdeiro sobre todas as coisas" e acrescenta a afirmação impressionante de que Deus criou o universo através desse mesmo Filho. Não são coisas que a Bíblia atribua a algum mero profeta.<br /><br />Mas isso não é tudo. O texto continua falando de Jesus nos seguintes termos: "Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata de seu ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de haver feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas, tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que o deles". Eis, portanto, uma sequência rápida e impressionante de afirmações sobre a identidade de Jesus. Destaco quatro elementos. Primeiro, Jesus é o resplendor da glória de Deus; essa glória se evidencia nele de modo inigualável. Segundo, Jesus é a expressão exata do ser de Deus; quando Jesus disse "quem me vê, vê o Pai", ele não estava afirmando ser o Pai, mas estava afirmando uma semelhança que não encontra paralelo na capacidade de qualquer ser humano comum. Terceiro, ele sustenta todas as coisas "por sua palavra poderosa", como diz uma outra versão (de modo mais claro, mas menos poético). Para os judeus (e cristãos), Deus não é só o Criador de todas as coisas, mas também seu sustentador, ou seja, ele faz com que cada coisa criada continue existindo momento a momento; o autor de Hebreus atribui a Jesus esse poder de sustentar toda a criação. E quarto, ao cumprir sua missão no mundo, Jesus alcançou dignidade maior que a dos anjos. Adiante discutirei outra passagem bíblica que explica isso melhor. O autor de Hebreus gasta o restante do capítulo argumentando, com base em passagens do Antigo Testamento, que Jesus é superior a todos os anjos.<br /><br />Note-se que todas essas declarações são extremamente ousadas, ou mesmo blasfemas, se o autor da carta estiver falando de alguém que é menos que Deus. Note-se, além disso, que todas essas afirmações bombásticas são feitas em um contexto que trata justamente da história da revelação. É porque Jesus é todas essas coisas que aquilo que ele revela sobre Deus é superior ao que revelaram todos os profetas que o precederam, os quais, afinal de contas, eram apenas humanos. Essa lógica e esses dados bíblicos são exatamente o que o preletor muçulmano precisa ignorar (não sei se conscientemente ou não) para afirmar a visão corânica de que Jesus é um profeta como tantos outros. A superioridade da revelação de Jesus sobre qualquer outra está inquebrantavelmente vinculada à superioridade do próprio Jesus sobre qualquer outro ser humano. Diante do modo como a Bíblia apresenta a perfeição e a natureza de Cristo, a ideia de que uma revelação superior pudesse aparecer mais tarde na história, através de Maomé ou de qualquer outra pessoa, simplesmente não faz sentido. As opções consistentes são apenas duas: rejeitar a pretensão de profetas como esse ou rejeitar o que a Bíblia afirma sobre Jesus.<br /><br /><b>2.2. João 1</b><br /><br />O primeiro capítulo do evangelho segundo João é também muito incisivo quanto à identidade de Jesus. Em alguns pontos, apesar da linguagem peculiar, a mensagem transmitida é a mesma de Hebreus, mas há também alguns acréscimos interessantes e dignos de nota. O evangelho de João começa assim: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele" (1.1-3). O fato de o evangelho ter início com as palavras "no princípio" é um clara alusão à criação do mundo conforme o relato do Gênesis, que começa com "No princípio criou Deus os céus e a terra". O apóstolo João está dizendo que Jesus estava presente na criação do mundo junto com o Pai ("estava com Deus"). Além disso, o texto afirma explicitamente que o próprio Jesus "era Deus". Mesmo que essa afirmação não estivesse claramente presente, o contexto já seria suficiente para sugerir a mesma coisa. Dizer que alguém estava presente na criação do mundo e participou do ato criador era, para um judeu, uma indicação clara de divindade, pois a doutrina judaica não atribui esse papel a mais ninguém. Isaías 44.24 diz claramente: "Eu sou o Senhor, que fiz todas as coisas, que sozinho estendi os céus, que espalhei a terra por mim mesmo". Portanto, os versículos iniciais de João afirmam que Jesus é tão Deus quanto o Pai e, ao mesmo tempo, que ele e o Pai são pessoas distintas.<br /><br />Ainda no capítulo 1, João fala também do papel especial de Jesus na revelação. Isso é feito em dois momentos: os versículos 14 e 17-18. O primeiro diz: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai". E os versículos 17 e 18 dizem: "Porque a lei veio por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por intermédio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou". Portanto, Jesus é quem revela a glória do Pai. Jesus é superior a Moisés - que, vale lembrar, é o maior profeta do Antigo Testamento. Os leitores judeus de João certamente se lembrariam de um episódio narrado em Êxodo 33.18-20, no qual Moisés pede para ver a glória de Deus. Mas Deus lhe concede apenas uma visão parcial, acrescentando que "Você não poderá ver a minha face, porque ninguém poderá ver-me e continuar vivo". Parece que João tinha essa história em mente, pois usa a ideia de ver Deus, ver a glória de Deus, e a comparação com Moisés está claramente em vista no versículo anterior: Jesus conhece a glória do Pai de um modo que ninguém mais conhece, e ele a revela de um modo que ninguém mais revela.<br /><br />Essa posição de singularidade que Cristo ocupa é afirmada nesses versículos ainda de uma outra maneira: nas duas referências a Jesus como "unigênito", palavra que indica que Jesus é filho único. Essa ideia não costuma ser muito enfatizada, e a religiosidade popular, com chavões como "todo mundo é filho de Deus", tende a atribuir a essa expressão uma conotação mais vaga e diluída, que não corresponde ao uso bíblico - nem, de modo geral, ao uso que se fazia na Antiguidade. Os versículos 12 e 13 expõem isso com muita clareza ao dizer sobre Cristo que, "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus". Note-se que ele não aplica a expressão "filhos de Deus" indistintamente, e sim apenas àqueles que "receberam" Jesus; e diz ainda que esses, tendo-o recebido, "são feitos", ou seja, se tornam filhos de Deus, coisa que não eram antes. Essa ideia é muito importante. Paulo a desenvolve em termos levemente diferentes, falando de uma "adoção", pela qual Deus passa a nos tratar como filhos legítimos, embora não o sejamos por natureza. Isso está em Romanos 8.13-17:<br /><br />"Pois se vocês viverem de acordo com a carne, morrerão; mas, se pelo Espírito fizerem morrer os atos do corpo, viverão, porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Pois vocês não receberam um espírito que os escravize para novamente temer, mas receberam o Espírito que os adota como filhos, por meio do qual clamamos: 'Aba, Pai'. O próprio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus. Se somos filhos, então somos herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, se de fato participamos dos seus sofrimentos, para que também participemos da sua glória."<br /><br />Essa ideia é repetida adiante, nos versículos 22 e 23: "Sabemos que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto. E não só isso, mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo." E, novamente, nos versículos 28 e 29: "Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos." Toda essa linguagem, embora honrosa para os filhos adotivos, deixa claro que existe uma diferença fundamental entre Jesus, o unigênito e filho de Deus por direito, e nós, adotados de forma graciosa e misericordiosa, que somos tratados por Deus com uma honra que não merecemos por nossa própria natureza.</span></span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-65458295649357014912016-09-20T22:45:00.000-03:002016-09-20T22:45:24.777-03:00Profecia e divindade - parte 5<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Nas primeiras quatro partes da presente série (<a href="http://andrelv.blogspot.com/2016/06/profecia-e-divindade-parte-1.html">um</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2016/06/profecia-e-divindade-parte-2.html">dois</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2016/07/profecia-e-divindade-parte-3.html">três</a> e <a href="http://andrelv.blogspot.com/2016/08/profecia-e-divindade-parte-4.html">quatro</a>), sob o título "Relações entre as religiões", expus as semelhanças e diferenças entre judeus, cristãos e muçulmanos quanto à história da revelação divina e as relações entre as religiões monoteístas, motivado em parte por uma análise de um <a href="https://www.youtube.com/watch?v=8mYSmCKUx74">vídeo</a> no qual um preletor muçulmano responde à pergunta de uma jovem católica sobre temas ligados a esse. Darei início agora à segunda metade da exposição, que deverá prosseguir até a oitava e última parte desta série e versará sobre a pessoa de Jesus Cristo e a perspectiva islâmica sobre ele, ainda tendo o mesmo vídeo como pano de fundo.</span></span></div>
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<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><b>2. A divindade de Jesus</b><br /><br />A questão da identidade de Jesus, sua natureza e seu lugar na história da revelação é outra questão teológica básica em que há severas divergências entre os muçulmanos e a tradição cristã. Dizendo de modo simplificado, o islã considera </span></span><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">(com raríssimas exceções) </span></span>que todos os profetas são portadores da mensagem de Deus, mas são seres humanos como quaisquer outros. Jesus não é uma exceção a isso, embora o Alcorão reconheça nele certos traços excepcionais. Por exemplo, o Alcorão declara expressamente que Jesus nunca cometeu pecado; além de não afirmar o mesmo sobre nenhum outro profeta, o Alcorão afirma explicitamente que o próprio Maomé pecou. Embora a crença popular islâmica considere Maomé como homem sem pecado, essa crença vai contra o conteúdo expresso do Alcorão, que atribui essa perfeição a Jesus ao mesmo tempo em que a nega a Maomé. Esse fato tem gerado sempre um certo embaraço para os apologistas do islã. Apesar disso, e de algumas outras coisinhas, o Alcorão é muito claro em sua negação da divindade de Jesus ou de qualquer outro profeta. O fato de eles serem humanos, e nada mais que isso, é parte importante da cosmovisão islâmica.<br /><br />Por exemplo, em 3.64 Allah diz a Maomé: "Dize: 'Ó seguidores do Livro! Vinde a uma palavra igual entre nós e vós: não adoremos senão a Allah, e nada lhe associemos e não tomemos uns aos outros por senhores, além de Allah'. E, se voltarem as costas, dizei: 'Testemunhai que somos submissos'." Na terminologia corânica, "associar" alguém a Allah significa considerar esse alguém como divino, em pé de igualdade com Allah. Para Maomé, associar alguém a Deus equivale a cometer o pecado básico, o da idolatria, e o cristianismo faz justamente isso com Jesus, quebrando, assim, a simplicidade do monoteísmo autêntico. Nessa mesma passagem, a ordem de "não tomar uns aos outros por senhores" é claramente uma reprovação da terminologia neotestamentária, que frequentemente se refere a Jesus como Senhor. Da mesma forma, a sura 5 narra um diálogo entre Allah e Jesus nos seguintes termos, em que Jesus nega ter afirmado sua própria divindade:<br /><br />"Quando Deus disse: Ó Jesus, filho de Maria! Foste tu quem disseste aos homens: Tomai a mim e a minha mãe por duas divindades, em vez de Deus? Respondeu: Glorificado sejas! É inconcebível que eu tenha dito o que por direito não me corresponde. Se tivesse dito, tê-lo-ias sabido, porque Tu conheces a natureza da minha mente, ao passo que ignoro o que encerra a Tua. Somente Tu és Conhecedor do incognoscível. Não lhes disse, senão o que me ordenaste: Adorai a Deus, meu Senhor e vosso! E enquanto permaneci entre eles, fui testemunha contra eles; e quando quiseste encerrar os meus dias na terra, foste Tu o seu Único observador, porque és Testemunha de tudo."<br /><br />É em parte por causa dessa interpretação claramente expressa no Alcorão que o preletor do vídeo se dedica a demonstrar que as declarações da própria Bíblia apoiam o ponto de vista corânico, e que a afirmação da divindade de Cristo não tem fundamento bíblico. Mas existe outro motivo além desse: uma questão de consistência com o entendimento islâmico da história da revelação, já discutida na seção 1. Se Jesus é Deus encarnado, torna-se muito estranha a ideia de que a revelação última e definitiva não tenha vindo dele, e sim de um mero ser humano enviado séculos depois. Como já expliquei, a convicção islâmica não se encaixa bem com a ideia cristã de uma revelação progressiva que atinge seu auge em um determinado momento histórico, com a vinda de Cristo; mas essa ideia cristã, por sua vez, só faz sentido porque Jesus não é entendido como um homem qualquer, um profeta semelhante a todos os outros. Para o islã, portanto, negar a divindade de Jesus é simples questão de sobrevivência, ou seja, é fundamental para a plausibilidade de sua própria autoimagem de religião definitiva, precisamente por ser essa uma revelação historicamente posterior à de Cristo. Por isso o Alcorão diz claramente em 3.84: "Cremos em Allah e no que foi descido sobre nós, e no que fora descido sobre Abraão, e Ismael, e Isaque, e Jacó, e as Tribos, e no que fora concedido a Moisés e a Jesus, e aos profetas de seu Senhor. Não fazemos distinção entre nenhum deles e a Ele somos submissos." Note-se a ênfase: "não fazemos distinção entre nenhum deles"; cada um é tão humano quanto todos os outros.<br /><br />A partir da próxima postagem, passarei a levantar algumas questões em torno dessas divergências e da interpretação que o preletor muçulmano oferece. Antes disso, porém, creio que é bom recapitular e registrar aqui os textos bíblicos que o preletor cita para mostrar que a Bíblia se opõe à ideia da divindade de Jesus. Fazendo um esforço de sistematizar sua argumentação, creio que é justo dizer que o preletor levanta três argumentos, sendo o primeiro dividido em três partes. <b>1a.</b> Jesus declarou sua inferioridade em relação ao Pai, em João 14.28 ("o Pai é maior do que eu") e em João 10.29 ("Meu Pai [...] é maior do que todos"). <b>1b.</b> Jesus admitiu que recebeu poder de Deus sobre os demônios; isso está em Mateus 12.28 ("é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios") e em Lucas 11.20 ("é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios"). <b>1c.</b> a mensagem pregada por Jesus também foi determinada pelo Pai; isso ocorre em João 5.19 ("o Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer") e em João 14.24, que o preletor citou erroneamente como 15.24 ("Estas palavras que vocês estão ouvindo não são minhas; são de meu Pai que me enviou"). Essas três linhas de evidência têm em comum o fato de apontarem para algum tipo de subordinação do Filho em relação ao Pai - uma subordinação que, para os muçulmanos, é incompatível com a ideia da divindade de Jesus.</span></span></div>
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<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Mas há outros dois argumentos além desse. <b>2.</b> Jesus é chamado explicitamente de "homem" em Atos 2.22: "A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós"; note que esse versículo também reforça o argumento <b>1b</b>. Esse segundo argumento é, em minha opinião, o mais fraco de todos, e o único que pode ser prontamente descartado. Afinal, a doutrina cristã diz que Jesus tem duas naturezas, divina e humana, o que significa que ele é ao mesmo tempo homem e Deus. Talvez essa doutrina possa ser criticada (embora eu creia nela), mas o fato é que, se o interesse é o de provar que Jesus não é Deus, não é suficiente citar passagens que afirmam que ele é homem.</span></span></div>
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<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><b>3.</b> O terceiro e último argumento do preletor é negativo: ele afirma que em parte alguma do Novo Testamento Jesus declarou ser Deus e exigiu adoração.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Voltarei aos argumentos 1 e 3 depois de explorar brevemente três passagens bíblicas relevantes para que se possa entender a natureza e a profundidade da divergência entre cristãos e muçulmanos com relação a Jesus.</span></span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-68661465383093105532016-08-20T10:51:00.000-03:002016-08-20T10:51:48.292-03:00Profecia e divindade - parte 4<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><b>1.4.3. Questões legais</b><br /><br />Os textos bíblicos que o preletor cita para demonstrar que os muçulmanos, e não os cristãos, seguem os ensinamentos da Bíblia e de Jesus se dividem em duas categorias. A primeira é sobre a identidade de Jesus, assunto que discutirei mais extensamente a partir da próxima postagem. Agora vou tratar da segunda categoria, que é a das prescrições práticas e da atitude de Jesus diante da lei. Diante do que expliquei no item 1.2 a respeito da relação entre cristianismo e judaísmo, creio que não será necessário aprofundar muito as explicações neste ponto, sendo suficiente especificar e aplicar alguns princípios gerais já delineados. O preletor do vídeo levanta três supostos pontos de divergência entre Jesus e os cristãos:<br /><br /><u>Circuncisão:</u> é mencionado que, segundo o evangelho de Lucas, Jesus foi circuncidado; não é fornecida a passagem específica, mas isso de fato está dito em Lucas 2.21. Contudo, a circuncisão era parte da lei cerimonial judaica, que, como expliquei, os apóstolos vieram a considerar como sombras da realidade trazida por Cristo. (Na verdade, a circuncisão foi instituída por Deus nos tempos de Abraão; como os árabes também descendem de Abraão, eles mantêm essa prática até hoje, à parte da tradição judaica.) No caso específico da circuncisão, esse entendimento de que ela era de caráter provisório é expresso no Novo Testamento de modo bastante explícito. Já citei Paulo dizendo que a circuncisão que importa é a do coração, e não a da carne, mas o fato é que todo o capítulo 15 de Atos é dedicado a narrar a controvérsia que esse assunto levantou na igreja primitiva, e de que maneira os apóstolos e a igreja reunida em Jerusalém decidiram a questão: em essência, o argumento que venceu foi que visivelmente Deus estava salvando os gentios e manifestando seu poder entre eles sem que tivessem sido circuncidados, e isso indicava que não era a intenção de Deus que eles se submetessem à lei cerimonial dos judeus. Paulo também discutiu o assunto extensamente na carta aos Gálatas, e sua posição é bastante contundente: os que queriam que os cristãos gentios se circuncidassem estavam implicitamente negando o evangelho ao afirmar que nossa relação com Deus depende do cumprimento da lei, e não da graça que Cristo nos oferece. Veja-se o seguinte trecho do capítulo 5: "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão. Ouçam bem o que eu, Paulo, lhes digo: Caso se deixem circuncidar, Cristo de nada lhes servirá. De novo declaro a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a cumprir toda a lei. Vocês, que procuram ser justificados pela lei, separaram-se de Cristo; caíram da graça. Pois é mediante o Espírito que nós aguardamos pela fé a justiça que é a nossa esperança. Porque em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircuncisão têm efeito algum, mas sim a fé que atua pelo amor." Parece-me claro, portanto, que o ensino dos apóstolos sobre a circuncisão está de acordo com o ensino geral do Novo Testamento sobre a relação entre Jesus e a lei. O preletor muçulmano ignorou completamente esses ensinos bastante claros, que divergem consideravelmente tanto do judaísmo quanto do islã.<br /><br /><u>Carne de porco:</u> o Alcorão proíbe explicitamente o consumo de carne de porco, assim como o Antigo Testamento nas passagens que o preletor cita (Deuteronômio 14.8 e Levítico 11.7). Nessas passagens, o porco aparece no meio de uma longa lista de animais que não poderiam ser comidos. De fato, a lei do Antigo Testamento contém uma porção de prescrições desse tipo, incluindo outras que não têm nada a ver com comida (como datas comemorativas, sábado, roupas etc.): proibições e estipulações sobre coisas que não são imorais, mas tinham um propósito didático, ou seja, que tinham uma carga simbólica através da qual Deus pretendia apresentar ao povo representações visíveis de seu próprio caráter; a lei promovia costumes culturais que distinguiriam o povo de Israel dos demais povos e, com isso, reforçava na mente do povo a natureza e a importância da relação que só eles tinham com o Deus verdadeiro. O Novo Testamento prontamente apresenta isso como aspecto cerimonial que perdeu a vigência quando Cristo veio. No caso específico do porco e outros animais considerados impróprios para consumo, o capítulo 10 de Atos traz um relato muito claro, em que Pedro teve a seguinte visão: "Viu o céu aberto e algo semelhante a um grande lençol que descia à terra, preso pelas quatro pontas, contendo toda espécie de quadrúpedes, bem como de répteis da terra e aves do céu. Então uma voz lhe disse: 'Levante-se, Pedro; mate e coma'. Mas Pedro respondeu: 'De modo nenhum, Senhor! Jamais comi algo impuro ou imundo!' A voz lhe falou segunda vez: 'Não chame impuro ao que Deus purificou'. Isso aconteceu três vezes, e em seguida o lençol foi recolhido ao céu." A continuação da narrativa deixa claro que o sentido da visão, além de ser literal, tinha também um propósito didático: Deus estava incentivando a pregação do evangelho aos gentios. Assim como as proibições do Antigo Testamento tinham o propósito de salvaguardar a identidade dos judeus como povo de Deus, a abolição dessas proibições anunciava a universalização do evangelho, rompendo as barreiras entre judeus e gentios. Não há nenhuma passagem no Novo Testamento proibindo o consumo da carne de poco, ou de qualquer outro bicho. Mais uma vez, o preletor muçulmano ignorou completamente a mensagem do Novo Testamento e sua diferença em relação à lei do Antigo Testamento.<br /><br /><u>Álcool:</u> o Alcorão proíbe o consumo de bebidas alcoólicas, e o preletor cita duas passagens bíblicas em apoio à sua tese de que Jesus e os profetas bíblicos também o fazem. As duas referências estão erradas. A primeira é Efésios 4.18, mas creio que o que o preletor tinha em mente na verdade é Efésios 5.18, que diz: "Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito". A outra passagem citada é Romanos 20.1, texto que não existe, pois a carta aos Romanos só tem 16 capítulos. Suponho que o preletor tinha em mente outra passagem, mas infelizmente não sei qual poderia ser. De qualquer modo, note que o texto citado, ao contrário do Alcorão, não proíbe o consumo moderado e responsável, e sim a embriaguez, que é, esta sim, condenada repetidamente na Bíblia. O argumento ignora que o próprio Jesus transformou água em vinho durante uma festa de casamento em que o vinho havia acabado (João 2); que Jesus usou o pão e o vinho como símbolos da nova aliança que estava inaugurando entre Deus e os homens, e ordenou que todos os cristãos comessem e bebessem; que Jesus tinha uma conduta pública notoriamente diferente de João Batista, fato a que o próprio Jesus aludiu ao criticar a inconsistência de seus inimigos em Mateus 11.18-19: "Pois veio João, que jejua e não bebe vinho, e dizem: 'Ele tem demônio'. Veio o Filho do homem comendo e bebendo, e dizem: 'Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores'." E em muitas outras partes, na verdade, a Bíblia fala do vinho sabiamente utilizado como uma grande bênção. Veja-se, por exemplo, o belo poema do Salmo 104, que trata da benevolência de Deus em conceder bênçãos a todas as suas criaturas. Os versículos 13-15 desse salmo dizem: "Dos seus aposentos celestes ele rega os montes; sacia-se a terra com o fruto das suas obras! É ele que faz crescer o pasto para o gado, e as plantas que o homem cultiva, para da terra tirar o alimento: o vinho, que alegra o coração do homem; o azeite, que faz brilhar o rosto, e o pão que sustenta o seu vigor." Uma vez mais, a leitura bíblica do preletor muçulmano é seletiva demais e de péssima qualidade.<br /><br />Um último ponto que vale a pena mencionar é que essas semelhanças entre os códigos cerimonial e civil judaico e islâmico, ainda quando verdadeiras, são pontuais. O preletor do vídeo faz parecer que a lei do antigo Israel é idêntica à lei promulgada por Maomé, mas isso está muito longe da verdade. Mesmo no espírito geral da lei há divergências fundamentais, embora haja também algumas semelhanças; mas, quando descemos às particularidades, encontramos muito mais diferenças que semelhanças. Por exemplo, a lei mosaica institui milhões de regras referentes ao ofício dos sacerdotes, aos sacrifícios, à construção e manutenção do local sagrado (originalmente uma tenda móvel, mais tarde um templo fixo), celebrações em datas específicas e muitas outras coisas que sequer existem no mundo islâmico. Mesmo uma leitura superficial do Levítico, por exemplo, basta para evidenciar isso. Portanto, ainda que a vinda de Jesus não tivesse abolido os aspectos cerimonial e civil da antiga Lei de Israel, isso não favoreceria em nada a lei islâmica.</span></span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-43767579435477224512016-07-29T23:48:00.002-03:002016-07-29T23:48:12.857-03:00Profecia e divindade - parte 3<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><b>1.4. Sobre o vídeo</b><br /><br />Diante do exposto na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2016/06/profecia-e-divindade-parte-1.html">primeira</a><span id="goog_1994051390"></span><span id="goog_1994051391"></span> e <a href="http://andrelv.blogspot.com/2016/06/profecia-e-divindade-parte-2.html">segunda</a> partes da presente série, já posso dar início a alguns comentários sobre o conteúdo específico do <a href="https://www.youtube.com/watch?v=8mYSmCKUx74">vídeo</a>, quanto aos aspectos que se relacionam com essas questões.<br /><br /><b>1.4.1. O Consolador</b><br /><br />O primeiro é sobre a identidade e o papel do Consolador, que o preletor muçulmano cita nos segundos finais. Infelizmente o vídeo foi cortado nesse ponto, de modo que o argumento não termina. Mas sei que o propósito da citação é reforçar a convicção amplamente difundida entre os estudiosos muçulmanos de que Jesus predisse a vinda de Maomé, que seria o Consolador descrito por ele. Os trechos citados são os versículos 7 e, depois, 12 a 15 de João 16. No texto bíblico, Jesus diz aos discípulos: "Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for, vo-lo enviarei. [...] Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar."<br /><br />Antes de tudo, deve ser observado é que essa não é a primeira menção ao Consolador no Evangelho segundo João. O trecho citado pelo preletor é parte de uma longa conversa de Jesus com os discípulos, que João relata extensamente e que começa ainda no capítulo 14. A primeira menção está em 14.16-17: "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; o Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós." O contexto da conversa é a partida de Jesus, que afirma que em breve se ausentará e não estará mais com os discípulos. Lendo a conversa toda, fica claro que ele se refere à sua morte e posterior ascensão aos céus. Então Jesus promete que enviará outro para estar presente com os discípulos; o trecho que acabo de citar mostra que esse Consolador já está, de algum modo, presente; que o mundo, ou seja, aqueles que rejeitam Cristo, não podem vê-lo; que esse Consolador, tendo sido enviado, estará "nos" discípulos; e que ele ficará conosco para sempre. É fácil ver que Maomé não pode preencher nenhum desses requisitos sem um considerável malabarismo interpretativo. Ampliando um pouco esse princípio, eu diria que Jesus não parece estar falando de um ser humano, e muito menos de um que só surgiria no futuro distante. Enfatizo isso porque, além de Maomé, muitos líderes religiosos ao longo da história reivindicaram pessoalmente o papel de cumpridores dessa profecia, ou foram assim identificados por seus seguidores.<br /><br />Em 14.26 há outra menção ao Consolador, na qual Jesus diz: "Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito". O elemento digno de nota aqui é que Jesus afirma que o Consolador é o Espírito Santo, expressão muito frequente na Bíblia, desde o Antigo Testamento. O Espírito Santo é visto tradicionalmente como a terceira pessoa da divina Trindade. Eu também creio nisso, mas não pretendo aqui repassar toda a evidência bíblica a respeito. Basta notar que, ao identificar o Consolador com o Espírito Santo, Jesus conectou esse termo relativamente desconhecido com um ser sobre o qual as Escrituras se referem com muita frequência, o que nos dá meios muito mais sólidos de determinar sua natureza e identidade.</span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Com isso fica fácil perceber que a Bíblia é muito clara ao relatar que o envio do Consolador que Jesus prometeu aqui se cumpriu ainda naquele tempo. Mais precisamente, esse cumprimento é relatado no capítulo 2 do livro dos Atos dos Apóstolos. Narra-se ali que, poucas semanas após a morte e ressurreição de Jesus, estando os discípulos reunidos em Jerusalém, "de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem" (Atos 2.2-4). (Observo de passagem que a ocorrência sobrenatural de um grande número de idiomas aponta para a abrangência universal da fé cristã, simbolizando a superação do âmbito nacionalista da religião judaica, conforme discutido na seção 1.2.) Esse acontecimento causa alvoroço entre a multidão presente, mas alguns zombam dos discípulos, dizendo que estão embriagados. Pedro toma então a palavra e discursa, começando assim (2.14-17): "Homens judeus, e todos os que habitais em Jerusalém, seja-vos isto notório, e escutai as minhas palavras. Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo a terceira hora do dia. Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel: 'E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne'". A partir de então, o Espírito Santo é dado como presente no mundo. Darei apenas um exemplo entre muitos. Ainda no livro de Atos, capítulo 5, um cristão chamado Ananias é repreendido por Pedro por ter mentido, nos seguintes termos: "Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo [...]? Não mentiste aos homens, mas a Deus." Por aí fica muito claro não só que o Espírito Santo estava presente, mas também que ele é divino e não humano. Portanto, a própria Bíblia interpreta o significado da vinda do Consolador e sua identidade, e o faz de um modo que diverge muito da abordagem islâmica.<br /><br /><b>1.4.2. Confiabilidade da Bíblia</b><br /><br />O segundo ponto do vídeo que eu gostaria de comentar é que o preletor muçulmano cita muitos trechos da Bíblia com o propósito geral de mostrar que ela apoia pontos de vista tradicionalmente aceitos entre muçulmanos, mas contrariados pelas diversas tradições cristãs - e, portanto, que a doutrina de Jesus era a doutrina islâmica, e quem quiser ser um bom seguidor de Jesus deve se converter ao islã. Adiante discutirei com mais detalhes as interpretações bíblicas específicas do preletor. Antes, porém, quero chamar a atenção para um aspecto mais geral no qual o conteúdo do vídeo me surpreendeu: o preletor em momento algum coloca em dúvida a autoridade divina e a autenticidade da Bíblia.</span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Digo que isso me surpreendeu porque esse não é o ponto de vista dominante entre os estudiosos muçulmanos, e muito menos entre os muçulmanos leigos. É verdade que o Alcorão menciona explicitamente que Deus revelou livros sagrados a Jesus e aos profetas judeus anteriores, e que esses livros sagrados são distintos do Alcorão. Inclusive, as traduções do Alcorão geralmente traduzem essas referências como "Torah" e "Evangelho", como em 3.3-4: "Ele fez descer sobre ti o Livro, com a verdade para confirmar o que havia antes dele. E fizera descer a Torah e o Evangelho, antes, como orientação para a humanidade". Contudo, não fica claro o que exatamente se deve entender por essas referências. Por exemplo, a Torah é o nome que os judeus dão aos cinco livros de Moisés; às vezes, por metonímia, essa palavra é usada para descrever todo o Antigo Testamento. No Novo Testamento, a palavra "evangelho" designa tanto a mensagem cristã quanto cada um dos quatro livros canônicos que relatam a vida, morte e ressurreição de Jesus. Não fica claro se o Alcorão usa essas palavras com algum desses sentidos ou com algum outro. Até onde sei, a convicção dominante entre os estudiosos muçulmanos é que as mensagens de Jesus e demais profetas judeus foram distorcidas ao longo do tempo, de modo que na Bíblia só restam fragmentos dos ensinamentos originais. Por isso, eles geralmente leem a Bíblia simplesmente descartando tudo o que lhes parece conflitar com o islã, exatamente como tantos estudiosos ocidentais modernos fazem - com a diferença de que estes não recorrem ao Alcorão, e sim a outras fontes de autoridade. Naturalmente, dizer, por exemplo, que Jesus não pode ter dito ou feito isto ou aquilo porque essa ideia conflita com o Alcorão (ou com a razão, ou com determinada concepção de ciência, ou com a filosofia de fulano ou beltrano) é um argumento válido para convencer quem já crê de antemão nessa outra fonte de autoridade, mas constituiria argumento circular se usado contra a autoridade e fidelidade dos relatos bíblicos enquanto tais.<br /><br />A abordagem do preletor do vídeo escapa dessa dificuldade, mas paga um preço por isso: ao citar textos bíblicos como prova de que a Bíblia ensina basicamente o mesmo que o Alcorão, ele implicitamente endossa a confiabilidade do texto bíblico. Se não fizesse isso, seu argumento não valeria nada, pois poderia ser aplicado no sentido inverso: eu poderia "provar" que Maomé era um cristão selecionando os trechos corânicos que concordam com a Bíblia e dizendo que os demais trechos são corrupções do texto original. Não acho provável que o preletor do vídeo de fato acredite na fidedignidade integral da Bíblia, pois isso seria problemático demais para qualquer muçulmano, exceto, talvez, os das vertentes mais esotéricas (pois também existem linhas esotéricas e místicas dentro do islã - minoritárias, é claro). Acho mais provável que ele tenha usado isso como um artifício retórico. Não considero essa estratégia necessariamente ruim ou desonesta: conheço ao menos as principais objeções islâmicas à autoridade e confiabilidade da Bíblia, e posso imaginar que a problematização desse ponto complicaria demais o argumento do preletor. A abordagem escolhida pelo preletor se justifica, penso eu, por sua convicção manifesta de que, mesmo aceitando a autoridade bíblica para fins de argumentação, ele ainda poderia demonstrar facilmente sua tese. Contudo, é aí que, como eu disse, ele paga seu preço: ao pressupor a confiabilidade e a integridade da Bíblia, mesmo que apenas para fins de argumentação, ele se obriga a ser capaz de harmonizar os dois livros sagrados até o fim, e esse é um compromisso que o ponto de vista muçulmano mais convencional pode dispensar. Na próxima postagem passarei a analisar suas tentativas de conciliação.</span></span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-14453836691758599892016-06-26T20:00:00.001-03:002016-06-26T20:00:55.242-03:00Profecia e divindade - parte 2<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><b>1.3. Islamismo</b></span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; min-height: 13px;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"></span><br /></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Na <a href="http://andrelv.blogspot.com.br/2016/06/profecia-e-divindade-parte-1.html">primeira parte</a> deste texto, expus brevemente as visões judaica e cristã sobre o progresso histórico da revelação divina e sua relação com outras religiões. Em relação a esse tema, o islã herdou toda essa estrutura de pensamento e essa bagagem histórica dessas duas religiões, mas também introduziu modificações. Antes de tudo, ao contrário do cristianismo e do judaísmo, e ao contrário do que muitos pensam sobre o próprio islã, ele é uma religião basicamente ecumênica. Claro que é um ecumenismo um tanto peculiar, não muito parecido com o que se entende por essa palavra no Ocidente, onde ela muitas vezes descreve uma atitude politicamente correta e um tanto diplomática, tanto no bom quanto no mau sentido do termo. O que quero dizer quando afirmo que o islã é ecumênico é que ele não se considera de modo algum a única religião que tem uma autêntica origem divina. Por outro lado, isso não significa que todas as religiões sejam verdadeiras ou que seja indiferente preferir uma ou outra.</span></span><br />
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span>
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Convém nos determos para entender isso um pouco melhor. Tenho em casa um livrinho intitulado <i>O islã e o cristianismo</i>, do apologista muçulmano Ulfat Aziz Assamad, que diz o seguinte:</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"></span><br /></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">"A abordagem islâmica do tema 'religiões comparadas' é bastante diferente do ponto de vista cristão. O cristão é educado na crença de que a sua é a única religião verdadeira, tendo o judaísmo sido uma preparação para o surgimento do cristianismo, e que todas as demais religiões são falsas. [...] Deste modo, ele acredita somente nos profetas e mestres religiosos de Israel, vendo como impostores quaisquer outros pretendentes à condição de profetas. Os missionários cristãos sempre empregaram seus esforços em provar que os fundadores de outras religiões são falsos e maus, tornando-lhes possível estabelecer a afirmação da exclusividade de Jesus Cristo. [...] O muçulmano, por outro lado, acredita na origem divina de todas as grandes religiões do mundo. O Livro Sagrado do Islã declara que Deus enviou profetas entre todas as nações para guiar o povo para a senda da verdade e da probidade. Sendo o Criador e Provedor de todos os mundos, Ele não pode ser parcial e escolher uma nação, com exclusão das demais, para revelar as Suas Mensagens. O muçulmano deve acreditar nos fundadores de todas as grandes religiões."</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"></span><br /></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Eu faria algumas ressalvas ao modo como Assamad apresenta a questão nesse trecho, mas ele chama a atenção muito bem para essa divergência fundamental em relação ao pensamento judaico-cristão: o islã não só tem uma pretensão universal (identificando-se nisso com o cristianismo e não com o judaísmo), mas também, ao contrário de ambos, rejeita a ideia de uma relação passada exclusiva de Deus com Israel. A afirmação de Assamad tem, pelo que posso ver, bons fundamentos corânicos. O Alcorão diz, por exemplo: "para cada comunidade, há um mensageiro" (10.47). Outra passagem é mais explícita: "Por certo, Nós te enviamos, com a Verdade, por alvissareiro e admoestador. E nunca houve nação sem que por ela passasse um admoestador" (35.24). Outro ponto diz: "E, com efeito, enviamos mensageiros antes de ti. Dentre eles há os de que te fizemos menção, e dentre eles há os de que não te fizemos menção" (40.78). Considero essa passagem interessante porque o Alcorão menciona pelo nome uma porção de profetas anteriores a Maomé, e a maioria deles é composta de profetas bíblicos; mas essa passagem diz explicitamente que há outros além dos mencionados, o que combina bem com a ideia de que outros povos também tiveram seus profetas. A tradição teológica posterior chega a falar em duzentos e tantos mil profetas espalhados pelo mundo ao longo da história.</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"></span><br /></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Maomé não foi, portanto, de modo algum o único profeta, mas o islã atribui a ele (ou, melhor dizendo, ao Alcorão) o papel que o cristianismo atribui a Jesus: o de portador da revelação plena, universal e definitiva. O Alcorão deixa claro em diversos pontos que o judaísmo e o cristianismo são também revelações divinas e seus livros sagrados contêm as palavras dos profetas de Allah, embora misturadas a muitos erros posteriores. Em vista disso, os judeus e cristãos - genericamente denominados "seguidores do Livro" ou "povos do Livro" - são reprovados por não reconhecerem o Profeta. Na verdade, me parece que o Alcorão dá margem à inclusão de algumas outras religiões além do judaísmo e do cristianismo. Em 2.62 são mencionados ao lado de judeus e cristãos os sabeus, um grupo religioso que já existia na Arábia antes do advento do islã. Para alguns muçulmanos, esse versículo estabelece a base para uma generalização do mesmo princípio a todos os cultos monoteístas. Historicamente, os zoroastrianos da Índia e da Pérsia também foram considerados um "povo do Livro", e há muçulmanos que estendem a mesma consideração a algumas vertentes do hinduísmo, por exemplo. Além disso, o Alcorão menciona (em 3.2-4) que Deus revelou "Al-Furqan", expressão um tanto enigmática que, para muitos muçulmanos, designa "todos os livros revelados" (uma das edições do Alcorão que tenho em casa, patrocinada pela família real saudita, diz isso explicitamente em nota de rodapé). Mas não se diz em parte alguma quantos são esses livros revelados, nem quais são eles. De qualquer modo, a afirmação de Assamad de que "todas as grandes religiões" (o que não é o mesmo que "todas as religiões") têm origem divina me parece bem fundamentada no Alcorão e na tradição e cosmovisão islâmicas.</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"></span><br /></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Isso levanta a questão que o <a href="https://www.youtube.com/watch?v=8mYSmCKUx74">vídeo</a> discute: diante do exposto, qual deve ser a atitude dos muçulmanos para com judeus e cristãos (ou monoteístas em geral)? No plano político e social, a atitude predominante, com variações para melhor e para pior, foi a de tolerá-los como cidadãos de segunda classe - ou seja, com alguns direitos a menos e restrições a mais, mas ainda em situação bem melhor que os idólatras, ou seja, os pagãos e outros adeptos de crenças não-monoteístas, que em teoria não podiam ser admitidos na comunidade sagrada islâmica. Mas, voltando ao exame das afirmações corânicas, devo dizer que considero a atitude do Alcorão um tanto ambígua e possivelmente contraditória. Digo "possivelmente" porque não posso deixar de me solidarizar com o islã nesse ponto. Eu creio na infalibilidade da Bíblia, mas sei que ela tem pontos de interpretação difícil e controversa, e não tenho respostas para todas as dificuldades; por outro lado, depois de muito estudar e refletir, considero essas dificuldades bem menos numerosas e menos graves do que supõem seus críticos mais convencionais, que não hesitam em acusá-la de erro e contradição diante do mais leve indício, e quase sempre em questões que poderiam ser solucionadas sem muita dificuldade com um pouco mais de estudo, reflexão e percepção moral. Vivendo isso na pele como cristão, devo reconhecer que não estudei o Alcorão com a mesma intensidade com que gostaria que os críticos da Bíblia a estudassem, de modo que não me sinto no direito de afirmar que ele é contraditório nesse ponto que passo a descrever. Contudo, posso dizer ao menos que vejo uma contradição aparente para a qual não enxergo saída, e vou compartilhar aqui o modo como vejo a questão.</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"></span><br /></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Existem passagens corânicas que parecem falar muito favoravelmente dos judeus e cristãos, ou pelo menos de uma parcela deles. Por exemplo, 3.69 diz que apenas uma parte dos judeus e cristãos são inimigos do islã: "Uma facção dos seguidores do Livro almeja desencaminhar-vos. E não desencaminham senão a si mesmos, e não percebem". Em 3.110 a mesma ideia é transmitida ("Entre eles há os crentes, mas sua maioria é perversa"), e melhor desenvolvida um pouco adiante (3.112-115): "Eles não são todos iguais. Dentre os seguidores do Livro há uma comunidade reta, que recita os versículos de Allah nas horas da noite, enquanto se prosterna; eles creem em Allah e no Derradeiro Dia, ordenam o conveniente, coíbem o reprovável e se apressam para as boas ações. E esses são dos íntegros. E o que quer que façam de bom não lhes será negado. E Allah, dos piedosos, é Onisciente." O trecho de 2.62 é igualmente explícito: "Por certo, os que creem e os que praticam o judaísmo, os cristãos e os sabeus, qualquer dentre eles que creu em Allah e no Derradeiro Dia e fez o bem terá seu prêmio junto de seu Senhor; e nada haverá que temer por eles, e eles não se entristecerão".</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Por outro lado, há trechos que dizem claramente que quem rejeitasse Maomé seria condenado por Allah, e doutrinas específicas do cristianismo também são condenadas, como a divindade de Cristo e a Trindade. A sura 5, por exemplo, diz: "São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria, ainda quando o mesmo Messias disse: Ó israelitas, adorai a Deus, Que é meu Senhor e vosso. A quem atribuir parceiros a Deus, ser-lhe-á vedada a entrada no Paraíso e sua morada será o fogo infernal! Os iníquos jamais terão socorredores. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é um da Trindade!, portanto não existe divindade alguma além do Deus Único. Se não desistirem de tudo quanto afirmam, um doloroso castigo açoitará os incrédulos entre eles. Por que não se voltam para Deus e imploram o Seu perdão, uma vez que Ele é Indulgente, Misericordiosíssimo? O Messias, filho de Maria, não é mais do que um mensageiro, do nível dos mensageiro que o precederam; e sua mãe era sinceríssima."</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Esse tipo de ambiguidade me leva a sustentar que, ao menos à primeira vista, tanto os muçulmanos mais ecumênicos (hoje minoria) quanto os mais exclusivistas (hoje maioria) têm versículos corânicos para citar em favor de seus pontos de vista.</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"></span><br /></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Convém agora discorrer um pouco sobre a perspectiva histórica do islã. Já mencionei que o Antigo Testamento, embora de forma um tanto vaga, afirma algum tipo de progresso da revelação de Deus aos homens, e o judaísmo se via de algum modo como um prenúncio de algo maior, que atingiria todos os povos através de uma nova e futura aliança com Deus. Mencionei também que o cristianismo se apresentou e se apresenta como o cumprimento dessa promessa um tanto esquecida pelos próprios judeus. Num certo sentido, o islã compete com o cristianismo por esse status de revelação final, definitiva e universal. Por outro lado, a perspectiva islâmica sobre a história da revelação é diferente da cristã em dois aspectos importantes.</span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">O primeiro é que o islã não reconhece exatamente um progresso da revelação. Para o muçulmano, é bastante contra-intuitiva a ideia de um progresso da religião, pois a religião autêntica, revelada, é o modo correto de o homem se relacionar de Deus, e a natureza humana não mudou; a divina, muito menos. Portanto, a mensagem que cada profeta trouxe ao mundo desde o início da história humana é substancialmente a mesma, e a multiplicidade de religiões que observamos no mundo só pode ter duas fontes: ou a mensagem profética foi explicitamente rejeitada (resultando o politeísmo e a idolatria), ou foi aceita, mas se corrompeu e perdeu algo de sua pureza com o passar do tempo (que é o caso dos "povos do Livro"). Assim, o Alcorão diz, por exemplo: "Abraão não era judeu nem cristão, mas monoteísta sincero, submisso. E não era dos idólatras" (3.67). Ou seja, Abraão era um profeta da religião perene, a mesma que Maomé pregava, e não de suas versões corrompidas posteriores, nem das crenças ainda mais distantes da verdade que negam até mesmo a unicidade e transcendência de Deus, que são os pontos fundamentais da fé islâmica. No Alcorão também consta a seguinte ordem de Deus a Maomé: "Cremos em Allah e no que foi descido sobre nós, e no que fora descido sobre Abraão, e Ismael, e Isaque, e Jacó, e as Tribos, e no que fora concedido a Moisés e a Jesus, e aos profetas de seu Senhor. Não fazemos distinção entre nenhum deles e a Ele somos submissos" (3.84). Trechos assim também confirmam a unidade e a indistinção fundamental entre as mensagens de todos os profetas.</span></span></div>
<br />
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">O segundo aspecto no qual há uma divergência básica entre o islã e o cristianismo quanto à história da revelação é que o islã trouxe de volta a ênfase política do judaísmo antigo. O cristianismo, é claro, não é alheio a nenhuma área da vida humana, prega a autoridade e soberania de Cristo sobre todas as esferas da existência e não é favorável ao laicismo moderno. Mas o islã tem como sua preocupação central a formação de uma comunidade política que reflita a vontade de Deus em sua organização e em suas leis. É por isso que Maomé era simultaneamente um profeta religioso e um líder político e militar. É também por isso que a data inicial do calendário islâmico é a fuga de Maomé de Meca para Medina, ocasião em que foi fundada a primeira comunidade política regida pelo islã. E é também por isso que o direito, a jurisprudência e a teoria política ocuparam posições centrais nos desenvolvimentos intelectuais da civilização islâmica, e quase todos os grandes teólogos muçulmanos foram também grandes juristas. A relação entre fé e política no islã é tal que o muçulmano geralmente não se sente livre para praticar sua religião a menos que ela seja politicamente dominante, e essa é uma das fontes remotas de tantos problemas envolvidos na relação entre o islã e o Ocidente. Nesse sentido, pode-se dizer que a perspectiva islâmica constitui um retrocesso em relação ao cristianismo. E, quando digo "retrocesso", não só emito um juízo pessoal de valor, mas também pretendo indicar objetivamente que o islã retornou à perspectiva judaica do Antigo Testamento, que, como já expliquei, não separa os códigos moral, religioso e civil. Para o muçulmano, a conversão do mundo todo à sua fé é desejável, o que o distingue do judeu e o aproxima do cristão; mas, para o muçulmano, essa conversão significa antes de tudo a incorporação do mundo todo à <i>Umma</i>, a comunidade política sagrada.</span></span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-87345985771868321212016-06-05T20:58:00.000-03:002016-06-27T19:49:33.784-03:00Profecia e divindade - parte 1<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;">Alguns meses atrás, um bom amigo que sabe do meu interesse por temas islâmicos pediu minha opinião sobre <a href="https://www.youtube.com/watch?v=8mYSmCKUx74">este vídeo</a>, em que um preletor muçulmano responde a uma pergunta formulada por uma jovem católica, discorrendo em especial sobre a relação entre Jesus e o islã. Decidi escrever e publicar alguns comentários sobre esse vídeo, e é o que passo a fazer agora. No entanto, decidi ir além da mera réplica apologética, por me parecer que a situação abre portas para uma série de esclarecimentos relevantes sobre as semelhanças e diferenças entre as perspectivas judaica, cristã e islâmica sobre a natureza da revelação divina e a identidade de Jesus. Considero que esses esclarecimentos são necessários para um bom entendimento dos meus comentários sobre o vídeo; no entanto, o interesse desses comentários transcende em muito o propósito de analisar e refutar esse vídeo específico. Eu mesmo tenho ainda muito a aprender a respeito, e aceitarei de bom grado correções respeitosas e bem argumentadas. Deixo aqui esse texto como contribuição a todos os interessados nas relações entre as assim chamadas religiões abraâmicas, inclusive cristãos que queiram entender melhor o islã e muçulmanos interessados em entender melhor o cristianismo. Mas, embora o texto seja em grande parte descritivo, não tenho nenhuma pretensão de neutralidade, e quero deixar claro que minha perspectiva é declaradamente protestante e calvinista, ainda que muitas outras fontes de influência estejam também em jogo. Não espero que todos os que se consideram cristãos, ou mesmo calvinistas, concordem com tudo o que direi a seguir. Minha previsão é que o texto completo seja dividido em oito postagens, incluindo esta. Conforme indicam os subtítulos abaixo, começarei discorrendo genericamente sobre o modo como as três grandes fés monoteístas enxergam a questão das relações entre as diversas religiões.</span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"><b>1. Relações entre as religiões</b></span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"><b>1.1. Judaísmo</b></span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;">Para começar, vou falar um pouco sobre como o judaísmo e o cristianismo lidam com essa questão, começando pelo primeiro, que é a religião mais antiga. O Antigo Testamento declara enfaticamente a exclusividade de Israel - por exemplo, no Salmo 147.19-20: "[Deus] mostra a sua palavra a Jacó, as suas leis e os seus preceitos, a Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação; todas ignoram os seus preceitos. Aleluia!" Na verdade, mesmo no judaísmo antigo já existia certa pretensão de universalidade. Já no início, quando Deus fala pela primeira vez com Abraão (ancestral de Israel, que, portanto, ainda não existia), ele diz (Gênesis 12.3): "Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os que o abençoarem, e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados." Contudo, não fica muito claro o modo pelo qual isso aconteceria (minha opinião é que só a vinda de Jesus esclareceu a intenção de Deus quanto a isso), e não existe nem jamais existiu um projeto missionário judaico. Na prática, o judaísmo é uma religião nacional, mais ou menos (embora não exatamente) como o hinduísmo, sem nenhuma pretensão de universalidade: a questão nacional e a questão religiosa nunca foram desvinculadas. Pela estrutura própria dessa religião, uma universalização do judaísmo equivaleria a conquistar o mundo politicamente, o que nunca foi tentado nem desejado (exceto por uma ou outra seita fanática minoritária). Houve no Antigo Testamento conversões de pagãos ao judaísmo, mas elas eram raras, e geralmente o convertido se mudava para Israel e se tornava cidadão do país (um exemplo está no capítulo 1 do livro de Rute). O judaísmo era uma aliança feita entre Deus e Israel, e essa aliança incluía não só a observância de uma lei moral (princípios éticos para a relação com os homens e com o próprio Deus, resumidos nos Dez Mandamentos), mas também de uma lei cerimonial (rituais, sacerdócio, templo etc.) e uma lei civil (prescrevendo a conduta social correta e punições para diversos crimes). É por isso que a destruição do templo de Jerusalém e a dispersão dos judeus pelo mundo constituiu uma crise imensa da qual a religião judaica nunca se recuperou.</span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;"><b>1.2. Cristianismo</b></span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;">O cristianismo trouxe uma porção de inovações importantes a esse quadro. O Novo Testamento traz uma interpretação do Antigo Testamento que em muitos aspectos soou (e ainda soa) estranha aos que permaneceram no judaísmo. A religião de Jesus não estava confinada a questões de nacionalidade, nem a um determinado código civil ou cerimonial. O evangelho segundo Mateus, por exemplo, termina com a seguinte ordem de Jesus aos seus discípulos: "Toda a autoridade me foi dada nos céus e na terra. Ide, portanto, e fazei discípulos de todas as nações" (Mateus 28.18). O cristianismo teve, portanto, desde o início uma pretensão universal concreta que inexiste no judaísmo, e se desvinculou da estrutura jurídica, política e cultural específica de Israel. A questão do ingresso dos gentios na igreja rendeu, aliás, uma das grandes polêmicas da igreja primitiva; dentro de poucas décadas os gentios se tornaram maioria e o cristianismo foi cada vez mais reconhecido (pelos judeus e pelo governo romano) como uma nova religião, e não mais como uma nova seita judaica. Por outro lado, nem Jesus nem os apóstolos desprezaram o Antigo Testamento, nem consideraram a antiga Lei um erro ou perda de tempo, e tampouco negaram que o Deus que pregavam era o mesmo que havia se revelado aos seus antepassados naquela forma. Jesus foi bem enfático em Mateus 5.17-18: "Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir. Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra." Portanto, os cristãos têm com o judaísmo uma relação que não é exatamente de aceitação, mas também não é exatamente de rejeição. Um trecho bíblico que deixa isso muito claro é a conversa de Jesus com uma mulher samaritana, registrada no capítulo 5 do evangelho segundo João. A mulher pergunta a Jesus sobre o lugar correto da adoração a Deus: "Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar". Jesus responde: "Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém. Vocês, samaritanos, adoram o que não conhecem; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade." Note-se que Jesus não negou que os judeus, e só eles, tinham real conhecimento de Deus, mas ao mesmo tempo afirmou que questões cerimoniais desse tipo em breve estariam ultrapassadas e não iam à raiz do problema de como devemos nos relacionar com Deus.</span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;">Desde os primórdios, portanto, a teologia cristã se esforçou para fazer justiça a essa relação delicada do cristianismo com o judaísmo: o Deus do Antigo Testamento era o Deus verdadeiro; a antiga Lei era de fato a vontade de Deus, e era pura, justa e boa; no entanto, o pacto de Deus com uma nação específica tinha acabado, e o cristão não estava preso às dimensões cerimonial e civil dessa Lei; o evangelho era para todos os povos, sem que isso significasse que todos os gentios deveriam se tornar judeus. Como harmonizar tudo isso? Essa questão é recorrente no Novo Testamento, e a resposta é sempre a mesma, apresentada de formas variadas. O apóstolo Paulo, no capítulo 4 da carta aos Gálatas, diz que a Lei foi uma preparação para a revelação suprema que Deus daria através de Jesus. Ele usa a figura de um tutor que cuida de alguém até que este atinja a maioridade, e diz também que a promessa de Deus a Abraão, que mencionei acima, só foi cumprida de fato por Cristo. A cidadania de um determinado país e a descendência física de Abraão não tinham mais importância agora. Suas palavras exatas foram: "Antes que viesse esta fé, estávamos sob a custódia da lei, nela encerrados, até que a fé que haveria de vir fosse revelada. Assim, a lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Agora, porém, tendo chegado a fé, já não estamos mais sob o controle do tutor. Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus. E, se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa."</span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;">Semelhante a essa é a mensagem do próprio Paulo na carta aos Romanos (2.28-29). Um detalhe relevante é que a palavra "judeu" vem de Judá, um dos filhos de Israel e ancestral da principal tribo. A etimologia do nome "Judá" está ligada à palavra "louvor" em hebraico, de modo que Paulo está fazendo um trocadilho que não passaria despercebido aos seus leitores judeus: "Não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é meramente exterior e física. Não! Judeu é quem o é interiormente, e circuncisão é a operada no coração, pelo Espírito, e não pela lei escrita. Para estes o louvor não provém dos homens, mas de Deus." Outro exemplo do próprio Paulo está na carta aos Colossenses (2.16-17), em que ele trata da observância das festas e rituais prescritos no Antigo Testamento: "Não permitam que ninguém os julgue pelo que vocês comem ou bebem, ou com relação a alguma festividade religiosa ou à celebração das luas novas ou dos dias de sábado. Estas coisas são sombras do que haveria de vir; a realidade, porém, encontra-se em Cristo." Aqui a revelação de Deus no Antigo Testamento é claramente apontada como mera sombra do que viria depois, ou seja, a revelação plena de Deus através de Jesus.</span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;">O exemplo mais significativo do Novo Testamento, porém, não vem de Paulo, e sim do autor anônimo da Epístola aos Hebreus. Essa carta é quase toda dedicada a situar Jesus em relação ao Antigo Testamento, e contém uma argumentação bastante elaborada (além de literariamente muito bela) que aponta para a superioridade de Jesus em relação a todas as figuras do Antigo Testamento: Abraão, Moisés, o sacerdócio levítico, a representação da presença de Deus no Templo, e assim por diante. Eu poderia citar dezenas de passagens dessa carta, mas citarei apenas duas. Uma delas está em Hebreus 8.6-7: "Agora, porém, o ministério que Jesus recebeu é superior ao deles, assim como também a aliança da qual ele é mediador é superior à antiga, sendo baseada em promessas superiores. Pois se aquela primeira aliança fosse perfeita, não seria necessário procurar lugar para outra." E passa a citar o profeta Jeremias, que havia dito: "'Estão chegando os dias', declara o Senhor, 'quando farei uma nova aliança com a comunidade de Israel e com a comunidade de Judá'". O autor de Hebreus conclui (em 8.13): "Chamando 'nova' esta aliança, ele tornou antiquada a primeira; e o que se torna antiquado e envelhecido, está a ponto de desaparecer". Portanto, a aliança do Antigo Testamento entre Deus e Israel tinha caráter provisório. A segunda citação é do capítulo 11, em que o autor passa 38 versículos descrevendo os antigos heróis da fé e seus feitos, e conclui (11.39-40): "Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Deus havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados". Nós, que viemos depois de Cristo, vimos o cumprimento da promessa.</span></span></span></div>
<div style="line-height: normal; min-height: 13px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><span style="font-kerning: none;">Se Jesus é o pleno cumprimento do Antigo Testamento, a exclusividade do povo judeu passa agora a ser a exclusividade de Cristo. O Novo Testamento indica isso de várias maneiras. Por exemplo, o próprio Jesus afirmou em João 3.36: "Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele". Pedro e João dizem claramente em Atos 4.11-12: "Este Jesus é 'a pedra que vocês, construtores, rejeitaram, e que se tornou a pedra angular'. Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos". Paulo diz isso em uma de suas cartas (a primeira a Timóteo, 2.5): "Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus". Tendo Cristo vindo ao mundo, a Lei cumpriu seu propósito, e continuar apegado a ela para salvação em detrimento de uma revelação melhor não é uma boa ideia.</span></span></span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-20238322204587601502014-08-28T20:13:00.000-03:002014-08-28T20:13:32.107-03:00Complementos causais - parte 2<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2014/06/complementos-causais-parte-1.html">postagem anterior</a> dei início a alguns comentários e esclarecimentos em torno de minha leitura do livro <i>A soberania banida: redenção para a cultura pós-moderna</i>, de R. K. McGregor Wright, e dos comentários do Dr. Alan Myatt à <a href="http://andrelv.blogspot.com.br/2011/08/sutilezas-causais-parte-1.html">primeira parte</a> de minha série <i>Sutilezas causais</i>, em que fiz comentários sobre um dos capítulos desse livro. Prometi que nesta continuação eu faria uma breve comparação entre os posicionamentos de Cornelius Van Til e os de McGregor Wright com relação ao tema do determinismo, e é o que passo a fazer. Um dos motivos pelos quais citei Van Til duas vezes nos instantes finais da primeira parte é a afirmação do Dr. Myatt de que Wright era um vantiliano. Na época isso não fez nenhuma diferença para mim, pois eu nunca tinha lido Van Til. Mas desde então li quatro de seus livros, além de outros sobre ele (de discípulos e de antagonistas), e por isso o assunto agora tem, para mim, alguma importância.<br /><br />As menções que fiz a Van Til na postagem anterior sugerem que tenho minhas dúvidas sobre até que ponto Wright se manteve fiel às intenções do holandês. Eu já obtivera de minha primeira leitura indícios que pareciam apontar na mesma direção: apesar de a admiração de Wright por Van Til ficar explicitamente clara em vários pontos do livro, parece-me que, ao menos no que diz respeito aos temas fundamentais da obra, a dívida do autor para com Gordon Clark é bem maior. Embora eu não tenha contado, é provável que as referências a Clark sejam mais numerosas, e é sempre a ele, e não a Van Til, que Wright recorre para defender o determinismo e a perfeita harmonia lógica entre a soberania divina e a responsabilidade humana. Além disso, na época da primeira leitura eu já tinha ciência das profundas divergências entre Clark e Van Til e da popularidade do livro nos círculos clarkianos brasileiros (a começar pelo irmão que me presenteou com o livro), de modo que me pareceu que Wright era basicamente um clarkiano, embora sem nenhuma birra com Van Til. Contribuiu para essa impressão a minha já mencionada falta de contato com o pensamento de Van Til na época, em contraste com minha relativa familiaridade com a obra de Clark.<br /><br />Essas minhas impressões se modificaram um pouco no decorrer da segunda leitura. Agora vejo com clareza a influência de Van Til em diversos pontos da obra. Não obstante, continuo achando que, ao menos no que diz respeito à defesa do determinismo e à negação do mistério, e em especial quanto à relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana, Wright se afina muito mais com Clark que com Van Til. Na postagem anterior, embora não tenha me referido a Clark, apresentei fatos que, creio eu, permitirão que qualquer pessoa familiarizada com a obra deste reconheça a afinidade entre ele e o autor de <i>A soberania banida</i>. Nesta segunda (e última) postagem, pretendo demonstrar que Wright se afastou de Van Til também em sua visão sobre o determinismo. Ao comentar as influências que recebeu, na página 40, Wright atribui a Van Til sua <i>"crítica da pressuposição da autonomia metafísica"</i> e a Clark a <i>"refutação da teoria do livre-arbitrio"</i>. Quem conhece a obra de Clark sabe que essa refutação segue uma linha determinista. O que resta saber é se a crítica vantiliana da autonomia metafísica faz o mesmo. Penso que não e, para defender isso, apresentarei e discutirei brevemente duas declarações de Van Til que julgo relevantes para elucidar isso. A primeira foi retirada do livro <i>Jerusalem and Athens</i>, página 16, em um momento no qual Van Til acusa Stuart Hackett de não compreender o calvinismo:<br /><br /><i>"A acusação básica de Hackett, de que o calvinismo é determinista e irracional, simplesmente não é verdadeira. Primeiro, quanto à acusação de que ele é determinista e que os homens são meros 'bonecos', basta ler o próprio Calvino para se convencer de que tal entendimento do calvinismo é falso. A noção calvinista da soberania divina não tem nada a ver com a noção do filósofo quanto a um determinismo físico, causal. Eu desenvolvi de modo extenso em outros lugares a visão pactual e exaustivamente personalista da providência que é uma parte muito clara do pensamento de Calvino."</i><br /><br />É claro que o entendimento de Wright não coincide com o de Hackett quanto ao que seria um determinismo calvinista, como se vê no fato de que o primeiro busca dissociar o assim chamado "determinismo bíblico" dos bonecos e marionetes onipresentes na retórica anticalvinista. Mas essa diferença não anula a discrepância real entre Wright e Van Til. Para este, como se vê nas palavras acima, negar que sejamos bonecos é sinônimo de negar o determinismo, que se contrapõe a uma <i>"visão pactual e exaustivamente personalista da providência"</i>. Ao contrário de Van Til, Wright deseja manter a visão pactual e personalista da providência e negar que sejamos bonecos sem deixar de aderir ao determinismo.<br /><br />Além disso, Van Til é bastante claro ao qualificar o que entende por determinismo com as palavras <i>"físico, causal"</i>. Uma vez mais, Wright pretende dissociar as duas coisas, argumentando que o "determinismo bíblico" transcende o domínio da matéria, sendo, portanto, causal sem ser meramente físico. Wright faz isso, por exemplo, na página 103: <i>"Há diferentes tipos de necessidade, e a causação física é apenas uma delas"</i>. Não há essa distinção no pensamento de Van Til. O determinismo de Wright é o mesmo do filósofo, preso no falso dilema entre a <i>"causalidade irrestrita"</i> e o acaso. Desenvolvi um pouco essa ideia na direção de uma apologética contra o ateísmo na minha série <i>Personalidade absoluta</i> (partes <a href="http://andrelv.blogspot.com/2012/12/personalidade-absoluta-parte-1.html">um</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/01/personalidade-absoluta-parte-2.html">dois</a> e <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/01/personalidade-absoluta-parte-3.html">três</a>).<br /><br />A segunda citação de Van Til foi extraída do livro <i>The protestant doctrine of Scripture</i> (disponível <a href="http://presupp101.files.wordpress.com/2011/08/van-til-the-protestant-doctrine-of-scripture.pdf">aqui</a>). Esqueçamos, por enquanto, a crítica a Berkouwer e Barth, pois é suficiente notar que Van Til discorda deles, e concentremo-nos no que o trecho abaixo nos ensina sobre a visão vantiliana do determinismo:<br /><br /><i>"Berkouwer fala de uma certa imperiosidade que marca a ideia de causalidade. Isso é verdade no caso da visão não-cristã da causa. Na verdade, nessa visão não-cristã a causa é o que é por causa do caráter supostamente legislativo da lógica humana. A realidade deve ser o que o homem - e seu deus -, pensando logicamente, diz que ela deve ser. Spinoza deu a melhor expressão a essa ideia quando disse que a ordem e a conexão entre as ideias são as mesmas que a ordem e a conexão entre as coisas. Aquele que pensa nesses termos pensa deterministicamente. E o indeterminismo não é remédio para o determinismo. O indeterminismo é apenas a admissão do fracasso da interpretação que segue as linhas do determinismo. É Barth quem ainda está preso no falso dilema entre determinismo e indeterminismo. O único modo de fugir dele é estabelecer a posição que Berkouwer advogou em seus primeiros dias, a posição que começa com o pressuposto da autoridade, unidade e clareza da Escritura como a Palavra de Deus."</i><br /><br />Por aí se vê que Van Til não se considerava determinista nem indeterminista, e via as duas vertentes como efeitos da crença na autonomia da razão humana. A passagem adverte muito claramente contra o racionalismo que sempre está por trás da visão determinista, e que consiste, em termos dooyeweerdianos, na absolutização do aspecto analítico. Isso leva, nas palavras de Van Til, a uma <i>"visão não-cristã"</i> da causalidade, que passa a ser vista como um nexo causal ininterrupto entre eventos passados, presentes e futuros, da mesna forma pela qual, em uma dedução silogística perfeita, uma conclusão se segue das premissas através de uma série de passos lógicos inevitáveis.<br /><br />Não duvido, é claro, que Van Til possa ter utilizado o termo "determinismo" alguma vez para se referir à sua própria posição. Na verdade, lembro de ter lido em algum lugar (não em fontes primárias) que ele já usou a expressão "determinismo pessoal", o que talvez explique a contraposição, feita pelo Dr. Myatt, entre <i>"o acaso, de um lado, e o determinismo </i>impessoal<i>, do outro lado"</i> no pensamento apóstata. Mas isso, mesmo que seja verdade, não anula os argumentos que levantei aqui em favor de uma diferença radical entre a visão vantiliana da providência divina e o determinismo apóstata - diferença muito mais radical que a existente entre este último e o determinismo de Wright. Afinal, todos sabemos - e o próprio Van Til, de certo modo, o admitiu na réplica a Dooyeweerd em <i>Jerusalem and Athens</i> - que seu modo de usar certas terminologias era por vezes infeliz e levava a interpretações equivocadas. Pessoas tão diferentes quanto Doyeweerd, Sproul e Frame perceberam e reclamaram disso.<br /><br />Diante de todas essas constatações, só posso concluir que o Dr. Myatt transmitiu uma impressão equivocada (ou pelo menos exagerada) ao dar a entender uma profunda fidelidade de Wright ao pensamento de Van Til.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-19647383985010187722014-07-30T19:52:00.001-03:002014-08-27T22:09:36.535-03:00Teologia Brasileira: Armadilhas do vocabulário político<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O filólogo Victor Klemperer (1881-1960) foi um dos judeus alemães que
sobreviveram ao regime nacional-socialista. Ele não só deixou registros
históricos e pessoais valiosos, como seus <span style="font-style: italic;">Diários</span>,
mas também, conjugando seu conhecimento acadêmico à experiência
existencial de viver constantemente perseguido e marginalizado por um
governo totalitário, elaborou uma análise do uso da linguagem pelo
Estado nessas condições: <span style="font-style: italic;">A linguagem do Terceiro Reich</span>, publicada em 1947.
Klemperer era um homem sensível e um observador arguto. Acredito que
poucos conheceram como ele, por vias teóricas ou práticas, os usos
perversos da linguagem posta a serviço da política.
Eis um homem que tem autoridade para falar sobre as relações entre
linguagem e mentira. Por isso, à primeira vista talvez pareça estranho
que seu juízo tenha sido este: “A linguagem revela. Por vezes, alguém
procura esconder a verdade por meio da linguagem. Mas a linguagem não
mente.”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Há nessas palavras uma dimensão teológica oculta da qual o próprio
Klemperer, como judeu convertido a um protestantismo teologicamente
liberal e comprometido com o iluminismo, pode muito bem ter deixado de
perceber: a linguagem foi criada por Deus para expressar a verdade, de
modo que a mentira é um parasita pernicioso, mas nunca de todo
bem-sucedido.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Ninguém ignora que o terreno do debate político é pródigo de mentiras
completas, meias-verdades, confusões e ambiguidades, tanto propositais
quanto inconscientes. É importante que o cristão aprenda a evitar tais
armadilhas. Diante disso, a sentença de Klemperer se relaciona de várias
maneiras ao espírito do presente ensaio, cujo propósito não vai além de
uma introdução à tarefa de combater alguns equívocos cometidos com
frequência na reflexão política. O método consiste em problematizar, a
título de exemplo, dois pares de palavras-chave potencialmente
enganadoras, mostrando de que modos podem ser (e são) usadas para
ocultar a verdade ao invés de esclarecê-la. Ao mesmo tempo, pretendo
mostrar como tais usos podem revelar algumas verdades que são, em geral,
pouco notadas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Continue lendo no site da revista <a href="http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=397">Teologia Brasileira</a>.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-5584755925327788612014-06-30T23:19:00.000-03:002014-06-30T23:28:41.768-03:00Complementos causais - parte 1<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Hoje vou retomar um assunto sobre o qual discorri neste blog há quase três anos. Em agosto e setembro de 2011 publiquei uma série de quatro postagens (<a href="http://andrelv.blogspot.com.br/2011/08/sutilezas-causais-parte-1.html">um</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com.br/2011/09/sutilezas-causais-parte-2.html">dois</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com.br/2011/09/sutilezas-causais-parte-3.html">três</a> e <a href="http://andrelv.blogspot.com.br/2011/09/sutilezas-causais-parte-4.html">quatro</a>) intitulada <i>Sutilezas causais</i>. O objetivo era comentar o segundo capítulo do livro <i>A soberania banida: redenção para a cultura pós-moderna</i> (São Paulo, Cultura Cristã, 2008), de R. K. McGregor Wright, intitulado "A incoerência da teoria do livre-arbítrio". A apreciação foi predominantemente crítica e se concentrou, não na teologia do autor, que subscrevo integralmente, e sim no que me pareceu uma falta de rigor filosófico que, por sua vez, gerou uma adesão mal refletida ao determinismo, entendido como única forma de fazer justiça à absoluta soberania de Deus. Meu objetivo era escrever essa crítica em apenas duas postagens, mas mudei meus planos quando o Dr. Alan Myatt fez alguns comentários à primeira delas; a fim de prestar alguns esclarecimentos, adiei a segunda parte, que se tornou a quarta, e escrevi dois posts intermediários.<br /><br />Antes de explicar por que estou recapitulando tudo isso, devo dizer que há algumas coisas no texto que eu mudaria se fosse escrevê-lo hoje. Não me perdoo, por exemplo, por ter me referido a Alvin Plantinga como um <i>"filósofo reformado"</i> e pelo modo um tanto vago com que me referi à sua relação com o pensamento pressuposicional. Além disso, em vários pontos, o tom do texto já não me agrada muito. Ao republicar em 2005 seu livreto <a href="http://www.frame-poythress.org/wp-content/uploads/2012/08/FrameJohnAmsterdamPhilosophy1972.pdf"><i>The Amsterdam Philosophy: a Preliminary Critique</i></a>, escrito em 1972, John Frame lamentou que o tom de suas críticas a Herman Dooyeweerd e outros holandeses da mesma estirpe havia sido <i>"estridente demais"</i>. Essas palavras descrevem bem minha impressão sobre o que escrevi nas partes um e quatro da série. Apesar disso, não mudei de posição quanto ao que defendi naquelas postagens.<br /><br />O que pretendo fazer hoje são alguns desenvolvimentos e complementos ao que havia dito em 2011. Isso pode ser feito em duas direções diferentes, uma das quais eu terei de deixar para outra ocasião: contestei a associação entre soberania de Deus e determinismo, mas não me aprofundei na explicação dos problemas envolvidos nisso, e tampouco expus o que julgo a solução para a dificuldade. Tanto o próprio Dr. Myatt quanto outros leitores, em especial Osmar Neves e Roberto Vargas, me cobraram isso, e com razão. Mas eu não tinha, na época, clareza suficiente para explicar bem as intuições que tinha na cabeça. O Roberto, em especial, vinha cobrando isso há mais tempo, e com especial interesse, tendo chegado a dizer ao Dr. Myatt na caixa de comentários: <i>"De resto, também gostaria de algo mais propositivo do André, embora já saiba que não era o objetivo do texto. Quem sabe estas questões nos premiem com algo neste sentido." </i>Infelizmente, sua expectativa não se concretizou na época. A boa notícia é que já comecei a escrever sobre isso, e devo publicar o resultado nos próximos tempos. A má notícia é que será uma dissertação longa, de modo que prefiro abordá-la à parte e reservar a presente discussão para o outro desenvolvimento, que é mais curto e ligado mais diretamente ao livro de Wright.<br /><br />Com base em sua amizade pessoal de várias décadas com Wright, o Dr. Myatt me garantiu que ele cria na existência de <i>"mistérios na Bíblia que a mente humana não consegue entender"</i>, de modo que minha constatação de certo grau de racionalismo em sua cosmovisão só poderia se dever, de acordo com o Dr. Myatt, a um erro interpretativo meu. Ele diz ainda que Wright era um vantiliano e que sua visão do determinismo está de acordo com a de Cornelius Van Til, pela qual <i>"o homem que defende a autonomia da vontade está sempre alternando entre o acaso, de um lado, e o determinismo impessoal, do outro lado, dentro de uma contradição inevitável"</i> (editei a frase para torná-la mais clara, dada a familiaridade incompleta do Dr. Myatt com nosso idioma). Quanto ao primeiro ponto, limitei-me na época a comentar o seguinte, dirigindo-me ao Dr. Myatt:<br /><br /><i>"Fico feliz em saber que Wright e o sr. mesmo creem em mistérios. Contudo, não há nenhuma evidência disso em </i>A soberania banida<i>: há ali, ao contrário, um constante tom de condenação aos que creem nessas coisas. Ele chega até a dizer que a apologética cristã é enfraquecida por admissões desse tipo. Então, ou Wright se expressou mal nisso também, ou há alguma outra coisa que não estou captando, e que o sr. poderá explicar se quiser. Só posso julgar o livro pelo que nele está escrito, e o livro é racionalista."</i><br /><br />Embora o Dr. Myatt não tenha feito nenhum outro esforço de me convencer de sua tese, não deixei de anotar mentalmente a tarefa de reler o livro para verificar se minha interpretação havia de fato sido a melhor possível. Fiz essa releitura há alguns meses, embora não só por esse motivo, e estou aqui para apresentar os resultados. Seguem algumas de suas afirmações.<br /><br />Na página 32, sobre os rumos históricos da teologia arminiana influenciada pelo iluminismo: <i>"Um desenvolvimento interno do arminianismo original deve ser observado aqui. Os teólogos arminianos logo perceberam que o livre-arbítrio era não apenas incompatível com a onipotência da soberania divina como também com a onisciência de Deus. [...] Assim, eles seguiram os socinianos e rejeitaram a onisciência de Deus. [...] Os arminianos que eram menos preocupados com consistência simplesmente apelaram para um 'mistério' para sustentar a ideia do livre-arbítrio e a onisciência de Deus vivendo em tensão."</i><br /><br />Na página 55, criticando William Shedd (critiquei essa crítica na quarta parte da série em 2011): <i>"Shedd é um dos calvinistas típicos que sustentam uma boa visão da soberania de Deus, mas não querem abandonar algo do livre-arbítrio que torna, em última instância, o pensamento deles indistinguível do indeterminismo arminiano. Eles podem tentar encobrir suas ideias com palavras como mistério, paradoxo ou antinomia, mas, no final das contas, uma contradição permanece."</i><br /><br />Na página 74, aprovando a seguinte afirmação de Leslie Stevenson sobre a relação entre a soberania e a liberdade humana: <i>"a coisa padrão a dizer, naturalmente, é que esses são 'mistérios' em vez de 'contradições', que a razão humana não pode esperar ser capaz de entender os mistérios infinitos de Deus, que nós somente cremos no que Deus tem revelado de si mesmo a nós. Mas o problema com esse tipo de afirmação é que ela pode atrair somente aqueles já dispostos a crer, [e] pode não fazer nada para responder às genuínas dificuldades conceituais do cético."</i><br /><br />Nas páginas 114 e 115, ao criticar o <i>"sincretismo da graça com a capacidade humana"</i> dos arminianos: <i>"A façanha original do pensamento sincretista é uma teologia mista que incorpora posições incompatíveis. Pressuposições contraditórias são sustentadas arbitrariamente juntas sob a alegação de equilíbrio. O incrédulo reconhece imediatamente essa atitude como autocontraditória. [...] Então, para proteger essas contradições internas de um exame mais minucioso, fazem regularmente apelos para termos como </i>mistério<i>, </i>paradoxo<i> ou </i>antinomia<i>. Porém, há um preço a pagar por esse passo: se nós, crentes, podemos nos contradizer, assim também pode o incrédulo, e todo o empreendimento apologético é negado prontamente. Nenhuma defesa posterior racional de qualquer coisa é possível, seja do arminianismo ou do próprio evangelho."</i></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Na página 180, ao criticar a exegese arminiana de alguns versículos bíblicos: <i>"Quando não tentam ser lógicos, [os arminianos] não possuem qualquer reivindicação da mente ou da consciência. O ilógico rapidamente se reduz ao ininteligível, e chamá-lo de 'mistério' não resolve o problema."</i><br /><br />Na página 205, sobre o problema do mal e questões filosóficas relacionadas: <i>"Essa é a razão principal pela qual as respostas dos não-cristãos para o problema do Uno e do Múltiplo são inaceitáveis: elas somente parecem funcionar se aceitamos de bom grado sustentar as contradições em tensão e apelar para o mistério."</i><br /><br />E, finalmente, na página 235, na conclusão do livro: <i>"Já examinamos a influência da teoria do livre-arbítrio no pensamento evangélico, nas diversas áreas. Eu já procurei mostrar, de um panorama histórico, depois diretamente da Escritura, e então por meio de uma crítica dos frutos do libertarismo na teologia e na apologética, que essa teoria é realmente uma combinação desastrosa das suposições cristãs e das não-cristãs a respeito de Deus e da natureza humana, uma tensão sustentada por um sincretismo humanista instável. Isso somente incentiva os cristãos a repetirem o antigo dilema de jogar a unidade da lógica contra a descontinuidade do acaso, enquanto encobrem as suas autocontradições com um apelo ao paradoxo e ao mistério."</i><br /><br />Essas sete citações esgotam, salvo engano, as referências do livro à crença na presença de mistérios acima da compreensão humana na revelação bíblica. Lendo-as com atenção, ou mesmo sem muita atenção, é fácil constatar que essas referências são todas negativas: para Wright, a afirmação de que algo é um mistério é um subterfúgio - se não desonesto, ao menos um tanto covarde - para não reconhecer uma simples contradição lógica fatal à nossa cosmovisão ou sistema teológico. Para ele, esse subterfúgio é característico de incrédulos e de cristãos adeptos do arminianismo, mas o calvinista consistente não tem motivos para recorrer a tal expediente - ao que parece, porque não há nenhuma obscuridade na teologia calvinista, ao menos nos temas em que há desacordo entre calvinistas e arminianos. Além disso, para Wright, o reconhecimento da existência de mistérios (ou paradoxos, ou antinomias) é fatal para a apologética cristã, pois reduz a credibilidade da doutrina bíblica aos olhos do incrédulo e lhe dá o direito de usar o mesmo artifício. Não se concebe uma função para o mistério que não seja puramente defensiva e estraga-prazeres.<br /><br />Por tudo isso, a releitura do livro me convenceu de que minha primeira leitura não havia sido assim tão má. Continuo convencido de que, se o autor acreditava em mistérios, tal fato não teve efeito nenhum sobre essa obra. Não pretendo, é claro, colocar em dúvida a veracidade do testemunho pessoal do Dr. Myatt com base nisso. Apenas creio que há uma contradição fundamental entre a crença de Wright em mistérios e o modo pelo qual ele lidou com esse conceito em sua crítica do arminianismo. Como já afirmei anteriormente (não lembro exatamente onde), quando me refiro a algum irmão como racionalista, não pretendo afirmar que ele leve seu racionalismo às últimas consequências, pois ele teria deixado de ser cristão muito antes de conseguir isso.<br /><br />No contexto dos debates intramuros do calvinismo (e do cristianismo em geral), creio que minha melhor explicação do que entendo por racionalismo foi dada na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2011/12/o-irracional-dos-racionalismos-parte-3.html">terceira parte</a> de minha série <i>O irracional dos racionalismos</i>. Remeto o leitor a esse texto porque não vejo proveito em explicar tudo de novo aqui. Mas acho importante levantar essa questão porque desejo evitar a impressão de que, para mim, acreditar em mistérios é suficiente para que alguém receba um certificado de não-adesão ao racionalismo. Se dei ênfase à questão do mistério na presente postagem, é porque foi esse o principal ponto levantado pelo Dr. Myatt para demonstrar a infelicidade de minha primeira leitura de <i>A soberania banida</i>.<br /><br />Porém, há outros vestígios de racionalismo na obra, que convém citar de passagem. Por exemplo, as asseverações de Wright sobre o perigo da admissão de mistérios para a apologética se baseiam no pressuposto de que a coerência lógica estabelecida por meio da razão analítica e teórica é o único critério pelo qual o cristianismo pode ser justificado e a cosmovisão do incrédulo pode ser denunciada como falsa. Essa ideia, se levada às últimas consequências, devolveria à razão humana a autonomia rejeitada por Van Til e desconsideraria os efeitos noéticos da queda, bem como a própria depravação total. Falei mais sobre isso na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2010/11/o-direito-ao-misterio-parte-4.html">quarta postagem</a> da série <i>O direito ao mistério</i>.<br /><br />Vejo tendência semelhante na seguinte declaração de Wright (página 14): <i>"Desde que obedeçamos às regras da lógica, as nossas pressuposições controlam todo o nosso pensamento"</i>. A restrição feita é não só desnecessária, mas enganosa, na medida em que reduz os pressupostos ao papel de meras premissas em um silogismo do qual nossa cosmovisão inteira seria dedutível. Essa é uma construção artificial que não faz justiça ao papel das pressuposições em uma cosmovisão, como Frame ressaltou muito bem no livro <i>Apologética para a glória de Deus</i>, e tampouco se coaduna com a afirmação de Van Til sobre a coexistência do racionalismo e do irracionalismo na cosmovisão do incrédulo.<br /><br />Citei Van Til duas vezes nos últimos parágrafos. No próximo post concluirei meus complementos fazendo uma breve comparação entre os posicionamentos do holandês e os de McGregor Wright com relação ao tema do determinismo.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-27229000612257549292014-05-01T12:30:00.000-03:002014-05-01T12:30:27.273-03:00Sobre critérios e limites<!--[if gte mso 9]><xml>
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<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Várias pessoas já me perguntaram o que penso do trabalho de William Lane Craig e de seu método apologético. A resenha abaixo responde em parte a essa pergunta. Escrevi-a quando ainda residia em Fortaleza, e ela foi publicada na revista <i>Fides Reformata</i> no segundo semestre de 2012 (volume XVII, número 2, p. 129-132). Pesam sobre ela algumas limitações, decorrentes sobretudo da limitação de espaço, uma exigência da revista que trouxe, por outro lado, a vantagem de me obrigar a colocar de lado minha costumeira prolixidade e ir direto ao que interessa.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Essa resenha não existiria sem o meu amigo Yago Martins. Foi ele quem me convenceu de que eu devia ler o livro, e para isso me emprestou seu exemplar. Meses mais tarde, ele me emprestou o livro de novo, para que eu pudesse escrever a resenha. Fica aqui registrada, portanto, minha dupla gratidão.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">******* </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">CRAIG,
William Lane. <b>Em guarda</b>: defenda a
fé cristã com razão e precisão. São Paulo: Vida Nova, 2011. 317 pp.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">William Lane Craig é um dos mais famosos
defensores da fé cristã vivos. Seus dois doutorados – em filosofia e teologia,
sob a orientação de John Hick e Wolfhart Pannenberg, respectivamente – foram
voltados para a apologética, sua paixão e vocação. Nessa obra, Craig fala ao
cristão que busca se comunicar com incrédulos ou fortalecer a própria fé contra
as tentações do intelecto. O tom é simples e didático, podendo ser digerido pelo
leitor atento mesmo quando trata dos temas mais difíceis.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Os capítulos iniciais são
introdutórios, explicando a natureza (cap. 1) e importância (cap. 2) da
apologética. Os seguintes trazem argumentos em favor da existência de Deus. Dois
são cosmológicos: o de Leibniz (cap. 3) e o <i>kalam</i>
(cap. 4), baseado nas obras de Abû Al-Ghazâlî e Stuart Hackett. Seguem-se o
argumento do ajuste fino das constantes físicas fundamentais à existência de
vida (cap. 5) e o argumento moral (cap. 6). O sétimo lida com a objeção posta
pelo sofrimento. Os capítulos finais tratam de Jesus: dois defendem a
historicidade de sua declaração de divindade (cap. 8) e de sua ressurreição
corpórea (cap. 9), e o último defende Cristo como único caminho para Deus (cap.
10).</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">A descrição da estrutura do livro
mostra que Craig segue o método da “apologética clássica”, que busca
estabelecer primeiro o teísmo em geral e só depois o cristianismo<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[1]</span></span></span></span></a>. Em
minha opinião, os argumentos mais sólidos são levantados nos capítulos 3 a 5. O
argumento moral de Craig é menos persuasivo que o de C. S. Lewis<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[2]</span></span></span></span></a>. O
capítulo 8 é o menos didático, podendo soar algo obscuro ao leitor pouco
familiarizado com debates sobre a historicidade dos evangelhos. E o capítulo 10
não chega a arranhar as formas mais sofisticadas de pluralismo.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">O método de Craig consiste em buscar
premissas aceitáveis igualmente ao cristão e ao incrédulo e extrair daí
conclusões favoráveis ao cristianismo, de modo estritamente silogístico:
“argumentar é apenas apresentar uma série de enunciados ou premissas que levem
a uma conclusão. E isso é tudo” (p. 14). Essa via leva naturalmente à busca de
atalhos que minimizem a quantidade dessas premissas e simplifiquem o trajeto
até a conclusão. E tal minimalismo leva à necessidade de não discutir o que não
é essencial à linha argumentativa escolhida; assim, o apologeta é levado a
fazer concessões estratégicas à cosmovisão do incrédulo.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Os resultados de tais concessões
formam um padrão notável em todo o livro. Ao defender que Jesus declarou ser
Deus, Craig admite a teoria liberal-secular sobre a formação dos evangelhos e
constrói seu argumento usando apenas as perícopes “unanimemente” tidas como
autênticas. Ao fortalecer o <i>kalam</i>, ele
endossa a autoridade da ciência moderna como palavra final sobre as origens do
mundo físico. E, ao defender a justiça da condenação ao inferno, concede que nenhum
pecado é grave o bastante para requerer uma punição perpétua, que ele justifica
por outros meios. Assim, de concessão em concessão, Craig desperdiça a chance
de expor a cosmovisão cristã de modo consistente, profundo e íntegro.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Não há problema em adotar
provisoriamente os pressupostos do incrédulo para fins de discussão, em
especial para revelar a inconsistência interna de sua cosmovisão. Francis
Schaeffer fazia isso com muita propriedade<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[3]</span></span></span></span></a>. Craig
revela certa influência schaefferiana, mas restringe o alcance da apologética
ao fazer dessa abordagem o método por excelência. Dentre as manifestações
deletérias dessa restrição, nenhuma é tão severa quanto a desconsideração do
aspecto espiritual que há em toda rejeição intelectual do Evangelho. Afinal, a escolha
de um punhado de premissas comuns como ponto de partida só faz sentido se não
houver nada de errado nelas, ou por trás delas. Mas por trás de um cérebro
incrédulo há sempre um coração rebelde contra o Criador e apegado a uma ilusão
de inocência. Craig não ignora isso, mas sua percepção do fato não tem grande
efeito sobre seu método, que trata o problema como primariamente cognitivo ou, quando
muito, emocional. Sua apologética se propõe a desfazer mal-entendidos, e não a
remover pretextos, denunciar ídolos e convocar rebeldes ao arrependimento.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Isso se manifesta com especial
clareza no capítulo sobre o problema do sofrimento. Craig levanta toda sorte de
explicações: Deus não pode violar a liberdade humana; um mundo sem sofrimento talvez
não fosse melhor; o bem disponível é incomparavelmente superior; Deus se
importa e sofre conosco. Mas não diz a verdade que leva diretamente ao cerne do
Evangelho: o sofrimento brota da depravação do coração rebelde contra Deus<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[4]</span></span></span></span></a>. O
incrédulo, nesse capítulo, é apenas alguém que tem direito a explicações pelo
sofrimento que lhe impuseram. E Craig age como bom advogado, esforçando-se por
mostrar que seu cliente foi posto no banco dos réus por engano, não merecendo
estar ali porque fez o melhor que pôde para evitar nosso sofrimento. Ele não dá
sinais de notar que há algo muito perverso na pretensão de julgar a correção
moral do decreto divino. Como é dito no fim, “o verdadeiro problema” do
sofrimento é apenas de ordem emocional (p. 189).</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Depreende-se daí que a premissa basilar
do método de Craig é a boa fé do incrédulo, em oposição à doutrina bíblica e
reformada da depravação total, repudiada por ele juntamente com a absoluta
soberania de Deus. A apologética de Craig é criticável em muitos pontos, mas não
é incoerente com sua teologia, arminiana com dois ou três passos na direção do
teísmo aberto. O problema da apologética de Craig é, pois, teológico, já que
sua teologia gera uma antropologia que, eivada de concessões ao humanismo,
minimiza os efeitos da queda.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">O que impede Craig de confrontar os
pressupostos do incrédulo é o fato de ele próprio compartilhar deles em certa
medida. Decorre daí a relativa superficialidade de sua argumentação e de suas
metas. Se a função da apologética fosse mostrar a veracidade do cristianismo ao
incrédulo segundo os critérios dele próprio, jamais seria possível desafiar esses
mesmos critérios e expor a cosmovisão cristã de modo contundente. O apologeta se
perderia então no esforço colossal de descer ao nível do interlocutor,
reduzindo o cristianismo até que coubesse nos padrões pré-definidos pela mente não-regenerada.
Levado às últimas consequências, tal método desfaria o próprio escândalo da
cruz para provar que nossa fé é muito razoável segundo critérios “neutros” e
“objetivos”. Mas então a apologética já teria se tornado muito mais islâmica
que cristã. Qualquer método que apela a alguma faculdade humana (razão, inteligência,
intuição, sentimento etc.) ou disciplina científica (física, biologia,
história, ontologia etc.) como árbitro soberano está apenas se recusando a
remover um ídolo.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">A despeito dessas severas
limitações, o livro possui várias qualidades notáveis que tornam sua leitura
proveitosa. É justo dizer, parafraseando Cornelius Van Til, que Craig é muito mais
virtuoso que sua teologia, e devemos aprender com ele a não ser menos virtuosos
que a nossa<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn5" name="_ftnref5" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[5]</span></span></span></span></a>.
Transparece na obra seu amor por Cristo e pelo Reino, sua humilde alegria em
tomar parte no que é, a despeito da sofisticação, um ministério de pregação do
Evangelho e auxílio aos santos. Craig não ignora a importância do amor e da
mansidão na apologética, e é notório que o livro foi escrito com profundo zelo professoral
e compaixão, pelos leitores cristãos e pelos incrédulos que, através deles,
ouvirão a mensagem da salvação.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">É louvável também a presença da
pessoalidade na obra. Craig sabe que a pessoa toda deve se envolver no ato da
apologética. Entre as partes mais interessantes estão o relato de sua conversão
e dois interlúdios intitulados “A jornada de fé de um filósofo”, que narram seu
encontro com a apologética e o modo pelo qual Deus lhe abriu caminho para os
estudos e a carreira de defesa da fé. Fica patente a ação soberana da
Providência, que levantou e tem usado esse servo para manifestar a glória de
Cristo.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">As evidências discutidas no livro
podem e devem ser aproveitadas como ferramentas apologéticas úteis em
determinados contextos. As verdades ali expostas podem ser absorvidas por um
programa apologético mais bíblico, abrindo espaço para um confronto intelectual
e moral que o Espírito pode usar para convencer o incrédulo de seu pecado. E o
valor dado por Craig ao rigor, à clareza e à leveza da argumentação constituem
lições valiosas transmitidas ao leitor, menos pela teoria que pelo exemplo.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;"><i>Em
guarda</i> pode ser instrutivo para cristãos que vivem dúvidas intelectuais
honestas ou não têm a necessária maturidade para anunciar a mensagem da cruz
com rigor intelectual e compaixão. O leitor, seja jovem, pastor, líder ou
educador, pode ser levado por essa leitura a um contato salutar com novos
conhecimentos e à expansão de seus interesses.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">As limitações apontadas aqui não
devem, pois, ser tomadas como sinais da inutilidade do livro ou de propostas
apologéticas similares. Ao contrário, o leitor que tiver consciência dessas
limitações poderá aproveitar muito melhor seus vários pontos positivos. Não
devemos desconsiderar que, a despeito delas, Craig tem desempenhado um
ministério bem-sucedido na conversão de incrédulos e no aprimoramento
intelectual dos santos, para a glória de Deus. Admitir isso não é fazer concessão
ao pragmatismo ou minimizar a importância dos erros expostos, mas sim apontar um
motivo de encorajamento para todos nós: tal fato demonstra que, na manifestação
do poder salvador e santificador, Deus não se deixa limitar pelas limitações de
seus filhos.</span></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div style="mso-element: footnote-list;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><br clear="all" />
</span></span><hr align="left" size="1" width="33%" />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[1]</span></span></span></span></a> GEISLER, Norman, <i>Enciclopédia de apologética: respostas aos
críticos da fé cristã</i>. São Paulo: Vida, 2002, p. 61-64 e 182-184.</span></span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[2]</span></span></span></span></a> LEWIS, Clive Staples, <i>Cristianismo puro e simples</i>. 5ª ed. São
Paulo: ABU, 1997, p. 1-18.</span></span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[3]</span></span></span></span></a> SCHAEFFER, Francis August, <i>O Deus que intervém</i>. São Paulo: Cultura
Cristã, 2002.</span></span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div id="ftn4">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[4]</span></span></span></span></a>
Na verdade, em meio às 32
páginas do capítulo há meia página sobre nosso “estado de rebelião contra Deus”
(p. 184), mas esse ponto é mencionado de passagem apenas para descrever a
explicação cristã para o sofrimento, sem o intuito de desafiar a rebeldia de
quem quer que seja.</span></span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;">
</span></span><div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: small;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref5" name="_ftn5" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span><span class="MsoFootnoteReference"><span style="line-height: 115%;">[5]</span></span></span></span></a> “Muitos arminianos são muito
mais virtuosos que suas teorias. [...] E aqui é necessário confessar que [nós,
reformados], muito frequentemente, somos menos virtuosos do que nossa posição.”
(VAN TIL, Cornelius, <i>Apologética cristã</i>.
São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 142-143). Cf. a resenha de José Carlos
Piacente Júnior em <i>Fides Reformata</i>,
v. XVII, n. 1, 2012, p. 105-109.</span></span></div>
</div>
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<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.8. Transcendência</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Embora Clarke fosse agnóstico,
materialista, humanista e antirreligioso, sua obra denuncia em vários pontos a
presença daquilo que Dooyeweerd chama de “motivação religiosa fundamental do
coração”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[1]</span></span></span></span></a>,
bem como de sentimentos religiosos, embora não reconhecidos como tais nem
dirigidos ao Deus verdadeiro. Esse aspecto será explorado na presente seção,
tendo como ponto de partida a seguinte declaração de Clarke:</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: -.05pt;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Se me pudessem ser concedidos três desejos, eles
seriam: 1) paz no Sri Lanka – e no mundo todo, se não fosse pedir demais; 2) os
primeiros protótipos comerciais de dispositivos geradores de energia limpa e
praticamente infinita, que encerrariam a era do combustível fóssil; 3) a prova
de vida em outro lugar – de preferência inteligente, embora eu me satisfaça com
qualquer coisa capaz de juntar algumas células.</span></i><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11pt;">[2]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Enquanto os dois primeiros
desejos dizem respeito ao bem da humanidade, o último não necessariamente
traria algum benefício prático a quem quer que fosse. Pensando na quantidade e
variedade de coisas que Clarke poderia ter desejado em vez disso, fica claro
que a vida extraterrestre possui um papel especial em sua cosmovisão.
Evidências mais fortes disso podem ser encontradas em outras declarações suas.
Por exemplo, quando lhe foi perguntado qual era, para ele, o “maior mistério”,
sua resposta foi: “Oh, ETs. Você não consegue imaginar nada maior nem mais
importante que isso, consegue?” Nessa ocasião, Clarke declarou não saber se
existe ou não vida inteligente em outros mundos: “Se de fato estivermos sozinhos,
significa que somos não só os herdeiros do cosmos, mas também seus guardiões, o
que é um pensamento portentoso”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[3]</span></span></span></span></a>.
Mais tarde, porém, ele se convenceu completamente: “Bem, é claro que não há
nenhuma evidência. Mas parece incrível sugerir que nesse universo enorme nós
somos a única forma de vida inteligente”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[4]</span></span></span></span></a>.
E, ao ser indagado sobre o que gostaria de ver antes de morrer, sua resposta
foi: “A primeira coisa, é claro, é a descoberta de vida inteligente no espaço
exterior. Acho improvável que isso aconteça durante a minha vida, mas tenho
certeza de que um dia será alcançado”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[5]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Podemos resumir o conteúdo dessas
declarações dizendo que os ETs inteligentes ocupavam, para Clarke, a função de
“maior mistério”, o maior e mais importante fato a ser descoberto; que ele, a
despeito de seu propalado ceticismo, dispunha-se a crer neles sem qualquer
evidência; e que o surgimento de tal evidência era o que ele mais queria ver em
vida.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Nesse campo, dentre vários
outros, a cosmovisão de Clarke é muito semelhante à do astrônomo Carl Sagan
(1934-1996), de quem foi amigo pessoal. Sagan foi o criador do projeto SETI (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Search for Extra-Terrestrial Intelligence</i>
[Busca por Inteligência Extraterrestre]), destinado a procurar sinais de inteligência
nas ondas eletromagnéticas vindas do espaço. Seu livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O mundo assombrado pelos demônios</i><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[6]</span></span></span></span></a>,
além de conter uma defesa desse projeto, dedica-se a promover o ceticismo
cientificista e criticar a “superstição” e a “pseudociência”, representadas na fé
religiosa em geral e na crença em fenômenos paranormais, mediúnicos e ligados
às diversas modalidades de esoterismo. Boa parte do livro é dedicada à crítica
dos fenômenos ufológicos, abduções e relatos semelhantes, tidos como mais uma
“superstição” – e, portanto, aparentados às crenças religiosas irracionais que
o cético deve rejeitar.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Entretanto, embora admitindo que
não há evidência conclusiva da existência de alienígenas inteligentes, Sagan
julgava seguro crer na existência de tais seres com base em razões que lhe
pareciam estritamente científicas, e não religiosas (pois a religião é, para
ele e Clarke, o terreno da irracionalidade por excelência). Clarke concordava
com tudo isso, e declarou, nas páginas finais de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>, que a leitura desse livro deveria ser obrigatória nos
colégios e faculdades (p. 262). Quando lhe perguntaram o que achava dos relatos
de abduções, sua resposta foi: “Um lixo delirante total! Temo que haja um monte
de homens e mulheres malucos andando por aí”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[7]</span></span></span></span></a>.
E, de fato, o século XXXI via esses relatos como efeitos de doença mental (p.
113-4), em pé de igualdade com o “fanatismo religioso”.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Curiosamente, outro livro de
Sagan, o romance <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Contato</i>, de 1985<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[8]</span></span></span></span></a>, traz
notáveis afinidades com a tetralogia de Clarke. Também ali os extraterrestres
que fazem contato com a humanidade são muito avançados tecnologicamente (e
moralmente), e as questões acerca deles e de sua influência sobre nós adquirem
contornos claramente religiosos. Há também semelhança na ontologia materialista
por trás de ambas as obras. Os alienígenas de Sagan são, porém, menos
intervencionistas que os de Clarke, pois não tiveram participação na criação da
humanidade, e tampouco manifestaram intenção de intervir em seu futuro.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Não foi por acaso que me referi
aos Primogênitos de Clarke como deuses. Eles agiram como um demiurgo grego ao
tomar parte na criação da espécie humana, fiéis ao objetivo de promover o
surgimento de vida inteligente em toda a galáxia. Clarke percebeu bem cedo o
fundo religioso dessa ideia; enquanto escrevia <i style="mso-bidi-font-style: normal;">2001</i> e discutia com Kubrick o roteiro do filme, ele registrou em
seu diário (18/11/1965) a impressão causada por um filme que assistiu: “Um
verso me atingiu de modo especial – o uso da frase ‘Deus fez o homem à sua
própria imagem’. Esse, afinal,é o tema do nosso filme”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[9]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Posteriormente, os Primogênitos
decidem destruir a humanidade com base em uma reprovação moral, baseando-se em
informações colhidas no século XXI. As providências para a execução desse juízo
final chegaram no século XXXI e foram sabotadas com a ajuda de David Bowman,
convertido pelos Primogênitos em um ser semelhante a eles (ou seja, de pura
energia) em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">2001</i>. Embora a ameaça
imediata tenha sido superada, porém, é de se esperar uma retaliação nos
próximos séculos, e o livro termina com essa expectativa. Mas o leitor é
informado sobre a decisão dos Primogênitos no epílogo do livro. Eles dizem: “O
pequeno universo deles é muito jovem, e seu deus ainda é uma criança. Mas ainda
é cedo demais para julgá-los. Quando retornarmos, nos Últimos Dias, Nós veremos
o que deve ser salvo” (p. 247). O tom, a linguagem e o conteúdo são claramente
escatológicos, e muitos paralelos com a teologia bíblica poderiam ser extraídos
dessas poucas palavras.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Apesar disso, os Primogênitos têm
menos em comum com o Deus das Escrituras que com as divindades do paganismo greco-romano:
são múltiplos, tiveram sua origem dentro do mundo e a partir de matéria
preexistente e são limitados em seus poderes e valores morais; gerenciam parte
do que acontece no universo, mas não podem ocupar o papel de Absoluto em nenhum
sentido admissível do termo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Não devemos, é claro, tratar do
tema como se o autor acreditasse de fato nos alienígenas que inventou. A
questão diz respeito à estrutura de plausibilidade da cosmovisão do autor, e
ganha ainda mais peso diante da já apontada semelhança com a ficção de Carl
Sagan: existe uma afinidade profunda entre o velho paganismo politeísta e o
novo racionalismo cientificista. Essa conexão também não é casual: no período
moderno, a crença em habitantes do espaço sideral ganhou força primeiro,
historicamente, entre os círculos influenciados pelo reavivamento do paganismo
trazido pelo Renascimento<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[10]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Tanto no esoterismo ufológico
barato quanto no refinado ceticismo científico, os alienígenas ocupam o espaço
que antigamente era atribuído aos deuses. A diferença específica do cético
materialista é que ele só se sente autorizado a crer no que lhe parece
cientificamente bem fundamentado, e é por isso que a afinidade citada se torna
mais facilmente detectável nos momentos (relativamente raros) em que ele se
sente autorizado a dar asas à imaginação – por exemplo, em uma obra de ficção
científica. O materialista moderno, pois, diferencia-se do pagão antigo por uma
subtração, e não por um acréscimo: talvez seja lícito descrevê-lo como um pagão
que tem restringida a faculdade da imaginação.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.9. Deus</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Deixando de lado as ideias da
criação do homem à imagem de Deus e do juízo final sobre a humanidade,
grotescamente parodiadas na tetralogia pelas ações dos Primogênitos, há em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> dois momentos que revelam uma
percepção particularmente lúcida do Deus verdadeiro – aquilo que João Calvino
chamou de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sensus divinitatis</i><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn11" name="_ftnref11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[11]</span></span></span></span></a>.
Ambos apontam para a percepção da sabedoria e majestade manifestas na criação,
em contraste com as quais se revelam pífias as realizações humanas. Será
transcrito aqui um desses momentos, que revela essa percepção com especial intensidade.
Poole deixava nosso planeta pela primeira vez desde que fora trazido
inconsciente do espaço. No século XXXI, existe uma enorme construção humana
chamada Cidade Estelar, uma estrutura anelar que circunda todo o planeta. O
narrador diz (p. 102):</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Quando eles estavam a cinquenta mil quilômetros de altitude, ele estava
prestes a ver toda a Cidade Estelar, como uma estreita elipse rodeando a Terra.
Embora o lado distante estivesse quase invisível, um fio de cabelo de luz
contra as estrelas, inspirava reverência o pensamento de que a raça humana
tinha agora estabelecido esse sinal nos céus.</span></i></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Então Poole se lembrou dos anéis de Saturno, infinitamente mais
gloriosos. Os engenheiros astronáuticos ainda tinham um caminho muito, muito
longo a percorrer até serem capazes de igualar as realizações da Natureza.</span></i></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.4pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Ou, se essa era a palavra correta, </span></i><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Deus<i style="mso-bidi-font-style: normal;">.</i></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Esse trecho ilustra bem a
afirmação de Clarke de que “Nenhuma pessoa inteligente pode contemplar o céu
noturno sem um senso de reverência”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn12" name="_ftnref12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[12]</span></span></span></span></a>. Isso
foi o mais perto que ele conseguiu chegar do reconhecimento de que “Os céus
proclamam a glória de Deus” (Salmo 19.1).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">No entanto, visto que o
reconhecimento dos atributos de Deus na natureza torna o homem indesculpável (Romanos
1.20), o coração humano busca fugir das implicações dessa revelação. Assim,
Clarke cindiu Deus em dois conceitos, o Criador e o Juiz, e concedeu a
“possibilidade” de existência apenas ao primeiro, considerado “um personagem
muito mais interessante”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn13" name="_ftnref13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[13]</span></span></span></span></a>.
O capítulo final de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> permite
entrever a decisão pessoal de Clarke ao revelar um dos últimos pensamentos de
Poole, depois que havia passado a ameaça do fim imediato da humanidade. Ninguém
sabia qual seria a próxima atitude dos Primogênitos, mas Poole decidiu apenas
não lhes dar mais atenção: “Quaisquer que fossem os poderes divinos emboscados
além das estrelas, Poole lembrou a si mesmo, para os seres humanos ordinários
só duas coisas eram importantes: o Amor e a Morte” (p. 245-246).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Dado o anseio de Clarke por
encontrar seres inteligentes no espaço, é deveras revelador que seu personagem
tenha tomado essa rota de fuga quando esses seres se mostraram hostis em um
sentido escatológico. É fácil ver nisso um paralelo com a decisão do coração de
Clarke quanto ao Deus verdadeiro: torcer para que o Último Dia seja apenas uma
lenda e, com base nisso, aproveitar da melhor maneira possível o que a vida
presente oferece de bom, encarando de modo realista e conformado a dose
inevitável de mal. Esse triste compromisso fundamental se espraia para toda a
cosmovisão de Clarke: sociedade, ciência, tecnologia, progresso, prazer... Tudo
é posto a serviço de uma vã esperança de um dia vencer o mal e a morte pelas
próprias forças, prescindindo da cruz de Cristo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">3. Considerações finais</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">A título de conclusão, convém
sintetizar o que foi exposto à luz da chave de compreensão proposta por
Dooyeweerd<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn14" name="_ftnref14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[14]</span></span></span></span></a> com
base no motivo bíblico criação-queda-redenção. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> possui momentos de verdade em todas as três áreas. A
cosmovisão do autor comporta percepções corretas sobre os seguintes pontos: a
manifestação dos atributos de Deus na natureza (criação); a depravação moral do
homem e a fragilidade de sua condição no mundo presente (queda); a necessidade
de superar o presente estado de coisas e o papel do homem como guardião e
mestre sobre a natureza (redenção).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Entretanto, o direcionamento dado
pela cosmovisão de Clarke traz uma distorção humanista fundamental nos três
aspectos. No campo da criação, Clarke não apenas nega a evidência que aponta
para Deus como Criador, reduzindo-a (na melhor das hipóteses) à função de uma
distante causa primeira e negando a divina providência, mas também, em
decorrência disso, possui uma visão reducionista do significado das coisas
criadas, inclusive do próprio homem. Quanto à queda, ele não só assume a
normalidade do cosmos atual, mas também minimiza a extensão e a profundidade da
perversão do coração humano. É apenas graças a isso que ele consegue, ainda que
de modo inconsistente, se satisfazer com uma esperança de progresso que está
muito aquém da radicalidade da redenção que encontramos em Cristo, mas que tem
a vantagem (do ponto de vista humanista) de tornar dispensável a intervenção
divina.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Toda a cosmovisão de Clarke se
orienta em oposição ao Deus verdadeiro e destina-se a mantê-lo afastado, em
especial pela consciência – não passível de supressão completa – de que a ação
redentora de Deus traz como corolário a condenação dos que se obstinam na
rebeldia contra ele.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div style="mso-element: footnote-list;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br clear="all" />
</span><hr align="left" size="1" width="33%" />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[1]</span></span></span></span></a> KALSBEEK,
L. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Contours of a Christian Philosophy</b>:
an Introduction to Herman Dooyeweerd’s Thought. Toronto: Wedge, 1975.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[2]</span></span></span></span></a> COKER
III, John L. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A Visit with Arthur C.
Clarke</b>. Oakland, 1999. Disponível <a href="http://www.locusmag.com/1999/Issues/09/Clarke.html">aqui</a>. Acesso em:
14 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[3]</span></span></span></span></a> GREENWALD,
Jeff. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke on Life</b>. San
Francisco, 1993. Disponível <a href="http://www.wired.com/wired/archive/1.03/clarke_pr.html">aqui</a>. Acesso
em: 6 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[4]</span></span></span></span></a> ROBINSON,
Tasha. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke Interview</b>.
Chicago, 2004. Disponível <a href="http://www.avclub.com/articles/arthur-c-clarke,13855/">aqui</a>. Acesso
em: 28 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[5]</span></span></span></span></a> RATNATUNGA,
Kavan. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">60<sup>th</sup> Anniversary of
Clarke’s Communication Satellite Idea</b>. Colombo, 2005. Disponível <a href="http://lakdiva.org/clarke/2005trip/">aqui</a>. Acesso em: 29 de junho de
2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[6]</span></span></span></span></a> SAGAN,
Carl Edward. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">O mundo assombrado pelos
demônios</b>: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[7]</span></span></span></span></a> SCIFI.COM.
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke and Gentry Lee Online
Chat</b>. Nova York, 1996. Disponível <a href="http://www.arthurcclarke.net/?interview=15">aqui</a>. Acesso em: 11 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[8]</span></span></span></span></a> SAGAN,
Carl Edward. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Contato</b>: romance. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[9]</span></span></span></span></a> CLARKE,
Arthur Charles. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur Clarke’s 2001
Diary (excerpt)</b>. Nova York, 1972. Disponível <a href="http://www.arthurcclarke.net/?interview=10">aqui</a>. Acesso em: 5 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn10" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[10]</span></span></span></span></a> KOYRÉ,
Alexandre. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Do mundo fechado ao universo
infinito</b>. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; São Paulo: Edusp, 1979.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn11" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[11]</span></span></span></span></a> CALVINO,
João. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">As Institutas</b>: edição
clássica, v. 1, 2 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn12" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[12]</span></span></span></span></a> HOUSTON,
Frank. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Salon People: Arthur C. Clarke</b>.
San Francisco, 2000. Disponível <a href="http://www.salon.com/2000/03/07/clarke_2/">aqui</a>. Acesso em: 15 de junho
de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn13" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref13" name="_ftn13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[13]</span></span></span></span></a> HOUSTON,
Frank. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Salon People: Arthur C. Clarke</b>.
San Francisco, 2000. Disponível <a href="http://www.salon.com/2000/03/07/clarke_2/">aqui</a>. Acesso em: 15 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn14" style="mso-element: footnote;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref14" name="_ftn14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[14]</span></span></span></span></a> WOLTERS,
Albert. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Criação restaurada</b>: base
bíblica para uma cosmovisão reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.</span></div>
</div>
</div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-64275254012856131352014-03-26T18:31:00.000-03:002014-03-26T18:31:12.313-03:00Esperança milenar - parte 3<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.5. Limites</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Os aspectos destacados na seção
anterior mostram a afinidade do pensamento de Clarke com o progressismo
racionalista clássico, de caráter cientificista e iluminista. Na realidade,
porém, Clarke não permaneceu de todo imune às desilusões características do homem
pós-moderno, e é necessário expor brevemente os indícios que evidenciam isso.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O progresso concebido por Clarke
diverge daquele do progressismo clássico, em primeiro lugar, pelo fato de não
ser linear e monotônico. O século XX é conhecido no século XXXI como “O Século
da Tortura”, e algumas pessoas o veem como “o pior período da história humana” (p.
217). Embora essa visão não seja unânime, até os mais otimistas consideram que
o século XXI “marca a transição entre o barbarismo e a civilização” (p. 87), em
parte por causa das guerras mundiais e outras atrocidades, como as do comunismo
(p. 225-6).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Outra diferença é que Clarke
acreditava no progresso da humanidade, mas não em sua perfectibilidade, por
crer que todo progresso traz alguma perda correspondente: “tudo tem um preço”,
disse ele nesse contexto<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[1]</span></span></span></span></a>. Poole
constatou inúmeros exemplos disso no século XXXI: desigualdade política,
suicídios, crimes, corrupção, motins (em naves espaciais), acidentes,
superstições e doenças mentais foram bastante reduzidos, mas não eliminados por
completo, e há claras sugestões da impossibilidade de um triunfo completo
contra esses males.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Outra classe de problemas é a
daqueles acerca dos quais se fez pouco ou nenhum progresso. Por exemplo, embora
o acesso à informação seja facílimo, quase ninguém se interessa em ler ou
adquirir conhecimento (p. 84), de modo que Poole rapidamente superou quase
todos os seus conhecidos na compreensão da história do terceiro milênio (p. 61,
115). Pior que isso é o fato de que a prosperidade material e tecnológica tornou
a vida demasiado confortável, e as pessoas tornaram-se acomodadas (p. 106), a
tal ponto que Poole só encontrou um forte senso de aventura e propósito na vida
entre os colonizadores de uma lua de Júpiter, para os quais a sociedade
terráquea-lunar estava em franca decadência (p. 136). O livro revela alguns
aspectos dessa decadência, a começar pela culinária: as refeições, sempre
preparadas por robôs, eram nutritivas e “perfeitamente aceitáveis”, mas
“certamente nada com que se animar, e teriam sido o desespero de um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">gourmet</i> do século XXI” (p. 89). Ainda mais
grave é a ocorrência de um fenômeno análogo entre as pessoas, com uma tendência
à uniformização das personalidades: “havia bem poucos personagens memoráveis
nessa sociedade” (p. 217).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Um último aspecto que vale a pena
mencionar é que Clarke não via solução para a tensão entre os direitos do
indivíduo e o bem da coletividade. Isso é ilustrado em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> pelo progresso que possibilitou a identificação de pessoas com
potencial para psicose (ou fanatismo religioso) antes que elas oferecessem
ameaça real. Quando o governo passou a examinar indivíduos sem ficha criminal
contra a vontade deles, surgiram protestos que, no entanto, não prevaleceram:
“De modo lento, e até relutante, foi aceito que essa forma de monitoramento era
uma precaução necessária contra males muito piores” (p. 226). Clarke ilustrou
aqui uma preocupação real quanto ao possível mau uso da tecnologia nesse campo.
Comentando sobre o atentado de 11 de setembro, ele declarou: “Eu não acho que
possamos vislumbrar nenhuma mudança técnica que impeça esse tipo de coisa de
acontecer. [...] Olhando para o futuro distante, pode-se imaginar – não estou
certo de que seja uma boa ideia: parecido demais com <i style="mso-bidi-font-style: normal;">1984</i> – o teste psicológico de todos para ver quem tem esses
impulsos”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[2]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Por essas e outras razões,
inimigos da tecnologia continuam a existir ainda no século XXXI (p. 21). Mas
Clarke certamente não se enquadra nessa categoria. Quando lhe perguntaram se
deveríamos frear o moderno ímpeto de procurar soluções tecnológicas para tudo,
sua resposta foi: “Deveríamos acelerar”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[3]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.6. Antropologia</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Para Clarke, o século XX foi ao
mesmo tempo “maravilhoso e terrível” (p. 35), mas havia esperança de que o
primeiro aspecto prevalecesse. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>
foi dedicado às três filhas de um amigo, com as seguintes palavras: “Que vocês
possam ser felizes em um século muito melhor que o meu”. Uma exploração das
razões mais profundas por trás disso nos levará ao núcleo da visão de Clarke
sobre o homem.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Começando pelos aspectos mais
superficiais, pode-se ver em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> uma
consciência da fragilidade humana que não combina com o humanismo progressista
clássico, denunciando certa influência pós-moderna. Assim, embora as doenças
tenham sido controladas há muito pelo avanço da medicina, não cessaram as
precauções acerca disso, pois “nunca foi sábio subestimar a engenhosidade da
Mãe Natureza, e ninguém duvidava de que o futuro ainda tinha surpresas biológicas
desagradáveis guardadas para a humanidade” (p. 221). De modo semelhante, a
humanidade no século XXXI procura colonizar outros mundos porque “Os milhões de
mortos no tsunami causado pelo asteroide do Pacífico em 2304 [...] tinha
lembrado a todas as gerações futuras de que a raça humana tinha muitos ovos em
uma única e frágil cesta” (p. 8). Essa era uma preocupação real de Clarke,
crítico severo do corte de verbas para pesquisas sobre viagens espaciais. “Como
disse um amigo meu, os dinossauros se extinguiram porque não tinham um programa
espacial”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[4]</span></span></span></span></a>. O
sentimento por trás disso foi bem resumido em uma breve reflexão sobre o
naufrágio do Titanic, em 1912: “uma civilização que estava demasiado segura,
confortável e talvez complacente percebeu que não éramos os mestres de nosso
próprio destino”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[5]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Para Clarke, portanto, ciência e tecnologia
são ferramentas disponíveis para reduzir os riscos a que estamos sujeitos em um
universo repleto de forças hostis sobre as quais temos pouco ou nenhum
controle. Pode-se dizer que são preciosas por serem as melhores armas
disponíveis, mas nem por isso capazes de garantir a vitória. Em seu pensamento
há, pois, um elemento de tragédia, no sentido pagão original do termo: não
havendo em sua cosmovisão uma Providência em que pudesse confiar, restou apenas
o capricho cego das circunstâncias.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Não obstante, para ele, o perigo
mais grave é interior. Quando lhe perguntaram qual era a maior ameaça à
humanidade, a resposta foi: “A humanidade. Nossa única esperança é inteligência
e senso comum, que são tão incomuns”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[6]</span></span></span></span></a>.
Essa resposta sugere uma limitação cognitiva, mas Clarke considerava igualmente
perigosa a limitação moral do homem. Ambos os elementos estão presentes em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>, em que um personagem identifica
como os principais problemas da natureza humana a incapacidade “de pensamento
lógico consistente” e uma dose de agressividade “muito maior que o
absolutamente necessário”. Poole se pergunta: “Isso é um acidente evolutivo –
um pedaço de azar genético?” (p. 151). Na visão materialista de Clarke, não há
outra explicação disponível. Mas, na ficção, aventa-se a possibilidade de ter
havido um erro de projeto da parte dos Primogênitos. Por aí se vê que, se
Clarke acreditasse em Deus, não hesitaria em culpá-lo pelas más inclinações do coração
humano, uma vez que estão ausentes de sua estrutura de plausibilidade a
doutrina bíblica da queda e o conceito kuyperiano de “cosmos anormal”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[7]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Clarke tinha uma clara percepção
de que há algo muito errado na natureza humana, a despeito de sua visão
reduzida tanto da profundidade do problema, visto como mero excesso de
agressividade, quanto de sua causa, entendida como simples acidente evolutivo.
Mas é justo dizer que ele aparentemente intuía a insuficiência dessas ideias,
sem, no entanto, dispor de uma explicação melhor. Isso fica bastante claro em
uma entrevista na qual, depois de dizer que a moralidade se resume à famosa
Regra de Ouro, ele exclamou:</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: -.05pt;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Por que os seres humanos não conseguem viver de acordo
com esse princípio? Por que é que as pessoas não conseguem agir como os seres
humanos deveriam agir? Fico assustado com o que todos nós vemos nas notícias
todos os dias – massacres, atrocidades, injustiças, ultrajes de todos os tipos.
Quando vejo o que está acontecendo, eu às vezes penso se a raça humana merece
sobreviver.</span></i><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11pt;">[8]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O tom de perplexidade contido
nessas palavras denuncia com vigor a surpresa de Clarke diante de um fato que,
em última análise, sua cosmovisão não é capaz de abarcar. Não menos eloquente é
a inusitada epígrafe da quinta seção do livro (pois as quatro primeiras não têm
epígrafe), que contêm os seguintes versos de A. E. Housman: “A labuta de tudo o
que há / não muda o erro original; / Chove sempre sobre o mar, / mas o mar
ainda é sal”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[9]</span></span></span></span></a> (p. 199).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.7. Otimismo</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Infelizmente, os questionamentos
que acabo de citar eram, ao que tudo indica, apenas raros lampejos de lucidez
na mente de um homem que, no restante do tempo, seguia as consequências dos
pressupostos básicos de sua cosmovisão. As intuições de Clarke sobre a
profundidade da depravação do coração humano jamais resultaram em um
diagnóstico que lhes fizesse justiça. Com isso, sua cosmovisão não pôde deixar
de tomar o caminho natural em direção ao otimismo, embora acrescido de todas as
qualificações já citadas.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Isso é ilustrado pelos
comentários de Clarke acerca do fim das ditaduras por meio das informações
transmitidas via satélite: “Alguns países proibiram as antenas parabólicas
particulares, outros têm experimentado o bloqueio da internet, mas no longo
prazo as pessoas descobrirão modos engenhosos de contornar esses controles”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[10]</span></span></span></span></a>. O
fato interessante revelado aqui é que Clarke tinha mais confiança na
inventividade das pessoas “boas” que querem o fim das ditaduras que na dos
ditadores que desejam perpetuá-las. Na prática, Clarke via na inovação
tecnológica um maior potencial para o bem do que para o mal. Isso se verifica
com especial clareza se <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> for
comparado com o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Admirável mundo novo</i>
de Aldous Huxley<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn11" name="_ftnref11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[11]</span></span></span></span></a>, também
uma ficção científica futurista, mas com um prognóstico bem mais aterrador
sobre os usos possíveis da ciência e da técnica, especialmente como meios de
manipulação de massas. Huxley tinha uma sensibilidade muito mais penetrante e
consistente para a maldade humana, ao passo que Clarke pode, por contraste, ser
considerado um otimista ingênuo. Sobre seu otimismo, aliás, ele mesmo declarou:</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: -.05pt;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Tenho frequentemente descrito a mim mesmo como um
otimista. Eu costumava acreditar que a raça humana tinha 51% de chance de
sobreviver. Depois do fim da Guerra Fria, revisei essa estimativa para algo
entre 60% e 70%. Tenho muita fé no otimismo como uma filosofia, mesmo que seja
apenas porque ele nos oferece a oportunidade da profecia autorrealizável.<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn12" name="_ftnref12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 11pt;">[12]</span></b></span></span></span></a></span></i><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"></span></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Tais palavras revelam que o
otimismo de Clarke é em parte real, mas em parte é motivado pela convicção
bastante pragmática de que não há outro meio de melhorar a situação. Clarke não
cria em um determinismo histórico que faz com que tudo melhore automaticamente.
Mas sua esperança no triunfo final da humanidade se reflete em uma interessante
passagem de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> na qual Poole constata,
ao comparar as pessoas que o cercam às do século XXI, um notável aprimoramento
moral da natureza humana ao longo desses mil anos, o qual é atribuído à melhoria
da qualidade da educação e à contenção dos desajustados – causas que, por sua
vez, são ambas devidas ao progresso da tecnologia (p. 217). O materialismo de
Clarke não lhe permitiu escapar à visão do homem como produto do meio.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Em um futuro muito distante,
Clarke cria que nossos descendentes poderiam ser “como deuses, porque nenhum
deus imaginado por nossas mentes jamais possuiu os poderes que eles comandarão”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn13" name="_ftnref13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[13]</span></span></span></span></a>. Clarke
julgava possível (e plausível) que a humanidade pudesse um dia, à semelhança
dos Primogênitos, superar os perigos internos e externos às quais tem estado
vulnerável desde sua origem. Só então ela poderá dizer: “Tragada foi a morte
pela vitória” (1 Coríntios 15.54); mas essa vitória, ao contrário da declarada
na Bíblia, seria obtida unicamente pelo esforço humano.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div style="mso-element: footnote-list;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br clear="all" />
</span><hr align="left" size="1" width="33%" />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[1]</span></span></span></span></a> ROBINSON,
Tasha. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke Interview</b>.
Chicago, 2004. Disponível <a href="http://www.avclub.com/articles/arthur-c-clarke,13855/">aqui</a>. Acesso
em: 28 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[2]</span></span></span></span></a> KOVSKY,
Steve. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Understanding Tech and Terror</b>.
San Francisco, 2001. Disponível <a href="http://news.cnet.com/Understanding-tech-and-terror/2008-1082_3-274708.html">aqui</a>.
Acesso em: 22 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[3]</span></span></span></span></a> COKER
III, John L. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A Visit with Arthur C.
Clarke</b>. Oakland, 1999. Disponível <a href="http://www.locusmag.com/1999/Issues/09/Clarke.html">aqui</a>. Acesso em:
14 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[4]</span></span></span></span></a> SPIKE
MAGAZINE. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke: 3001: The
Final Odyssey</b>. Brighton, 1998. Disponível <a href="http://www.spikemagazine.com/0198clar.php">aqui</a>. Acesso em: 12 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[5]</span></span></span></span></a> KOVSKY,
Steve. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Understanding Tech and Terror</b>.
San Francisco, 2001. Disponível <a href="http://news.cnet.com/Understanding-tech-and-terror/2008-1082_3-274708.html">aqui</a>.
Acesso em: 22 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[6]</span></span></span></span></a> COKER
III, John L. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A Visit with Arthur C.
Clarke</b>. Oakland, 1999. Disponível <a href="http://www.locusmag.com/1999/Issues/09/Clarke.html">aqui</a>. Acesso em:
14 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[7]</span></span></span></span></a> KUYPER,
Abraham. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Calvinismo</b>. São Paulo:
Cultura Cristã, 2002.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[8]</span></span></span></span></a> CHERRY,
Matt. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">God, Science, and Delusion: a Chat
with Arthur Clarke</b>. Ahmerst, 1999. Disponível <a href="http://www.secularhumanism.org/index.php?section=library&page=clarke_19_2">aqui</a>.
Acesso em: 13 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[9]</span></span></span></span></a> “The
toil of all that be / Helps not the primal fault; / It rains into the sea, /
And still the sea is salt.”</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn10" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[10]</span></span></span></span></a> GUNAWARDENE,
Nalaka. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Humanity Will Survive
Information Deluge – Sir Arthur C. Clarke</b>. Nova Délhi, 2003. Disponível <a href="http://www.arthurcclarke.net/?interview=12">aqui</a>. Acesso em: 27 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn11" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[11]</span></span></span></span></a> HUXLEY,
Aldous Leonard. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Admirável mundo novo</b>.
Rio de Janeiro, Dinal, 1971.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn12" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[12]</span></span></span></span></a> GUNAWARDENE,
Nalaka. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Humanity Will Survive
Information Deluge – Sir Arthur C. Clarke</b>. Nova Délhi, 2003. Disponível <a href="http://www.arthurcclarke.net/?interview=12">aqui</a>. Acesso em: 27 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn13" style="mso-element: footnote;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref13" name="_ftn13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[13]</span></span></span></span></a> HOUSTON,
Frank. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Salon People: Arthur C. Clarke</b>.
San Francisco, 2000. Disponível <a href="http://www.salon.com/2000/03/07/clarke_2/">aqui</a>. Acesso em: 15 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
</div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-44407577247933009562014-03-15T09:36:00.000-03:002014-03-15T09:36:24.243-03:00Esperança milenar - parte 2<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2. Análise</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.1. Religião</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Clarke não era ateu no sentido
estrito, pois não descartava a ideia de uma divindade no estilo deísta<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[1]</span></span></span></span></a>. Mas,
por não julgar possível (nem muito interessante) dizer algo sobre esse ser
hipotético, era um agnóstico. Sua atitude quanto à religião era fortemente
negativa, e sua posição a respeito foi resumida por ele mesmo na tese de que “a
religião é o mais malévolo de todos os vírus da mente”, ideia em que reconheceu
a influência de Richard Dawkins<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[2]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Essa opinião se manifesta de
várias formas em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>. Uma delas é a
dissertação mais longa do livro, dedicada a defender a ideia de que a religião
é uma psicopatologia (p. 222-5). Clarke deixa claro de várias formas que essa é
sua opinião, inclusive ao endossá-la explicitamente em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fontes e reconhecimentos</i> (p. 261).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Não farei aqui uma exposição dos
argumentos antirreligiosos do livro por ser essa uma das poucas coisas que não
mudaram nada no decorrer dos mil anos fictícios. Mas Clarke pinta um retrato
pouco favorável à religião também de outros modos, como ao descrever o
terrorismo religioso de seitas milenaristas diversas como principal ameaça à
paz mundial ao longo do século XXI, com muitos atentados químicos, biológicos e
virtuais<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[3]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Em parte por esses
acontecimentos, e em parte pelo progresso intelectual da humanidade, “todas as
velhas religiões caíram em descrédito” (p. 60). Os religiosos à moda antiga não
desapareceram por completo, mas são considerados loucos e assim tratados pelos
especialistas (p. 142). Ateísmo, agnosticismo e deísmo são as únicas visões
socialmente aceitáveis: as pessoas creem “tão pouco quanto possível” (p. 60).
Quando o inglês se consolidou como idioma universal, a palavra <i style="mso-bidi-font-style: normal;">God</i> foi abandonada por causa de sua
carga semântica negativa – isto é, associada às antigas religiões – e passou a
ser considerada “palavrão” (p. 48) e “vulgaridade” (p. 86); adotou-se a forma
latina <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Deus</i> para fazer referência ao
Criador, ou qualquer que tenha sido a Causa Primeira, sem evocar as velhas
crenças. O único resquício de uma influência cultural cristã mencionado no
livro é o hábito de trocar presentes no fim do ano (p. 104).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Descontados os elementos
ficcionais, fica patente a visão fortemente negativa de Clarke sobre as
religiões em geral, e o clima da narrativa deixa claro que, para ele, o fim de
todas elas é deveras desejável e merecido.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.2. Ontologia</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Passando do plano da cultura e
das relações humanas para o da ontologia, o livro traz várias evidências do
materialismo presente na cosmovisão de Clarke. Ele não cria em uma vida futura,
mas, em parte por sua residência em um país de cultura budista, tinha interesse
em debates sobre a reencarnação, e reconhecia a existência de dezenas de “casos
que são difíceis de explicar”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[4]</span></span></span></span></a>. Ainda
assim, seu veredito foi desfavorável: “Eu hesito em descartá-la completamente,
mas eu precisaria de provas muito precisas”. A causa dessa rejeição foi bem
resumida por ele nestas palavras: “Não vejo nenhum mecanismo que a tornaria
possível”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[5]</span></span></span></span></a>.
Essa exigência de um mecanismo como requisito para julgar uma ideia plausível
é, em si, uma forte evidência de apego ao materialismo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> traz os efeitos desse apego em vários pontos. Poole descobre
que já é possível armazenar toda a informação necessária para reproduzir uma
pessoa inteira (p. 45-6). Em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fontes e
reconhecimentos</i>, Clarke endossa uma afirmação semelhante feita por Chris Winter,
para quem é possível “recriar uma pessoa física, emocional e espiritualmente”
se as informações estiverem disponíveis (p. 253). Na verdade, isso não difere
muito do que os Primogênitos haviam feito em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">2001</i> com o astronauta David Bowman, colega de Poole.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Clarke está, pois, convencido de
que a consciência humana é redutível às informações armazenadas no cérebro e,
inversamente, que matéria e informação bastam para produzir consciência. Essa
convicção já se manifestara nos volumes anteriores da série, os quais contêm
várias indicações de que supercomputadores podem ter autoconsciência e
personalidade. Em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>, a revelação
de que certo artefato de origem alienígena é apenas um computador desprovido de
autoconsciência, a despeito de seu poder e complexidade inconcebíveis, é
recebido com um espanto<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[6]</span></span></span></span></a>
que só faz sentido em uma cosmovisão na qual matéria e complexidade de fato bastam
para produzir consciência.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">De modo coerente com tais
opiniões, Clarke também cria que “é provável que, na medida em que nos desenvolvermos,
transfiramos nossas mentes para nossas máquinas”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[7]</span></span></span></span></a>.
Essa afirmação permite compreender o breve relato sobre os Primogênitos contido
no prólogo do livro. Os membros dessa raça agem em toda a série como autênticos
deuses – são imortais, supervisionam os mundos habitados e interferem neles a
seu bel-prazer. É nítida a intenção do autor de explicar a origem desses seres
de um modo que não viole os dogmas do materialismo: eles são, em última análise,
apenas uma raça semelhante à nossa, mas que teve muito mais tempo para evoluir.
Eles eram “carne e sangue” (p. 1) e tiveram sua origem “no limo quente de um
mar desaparecido” (p. 3). Tornaram-se muito avançados tecnologicamente e
aprenderam a transferir sua consciência para máquinas melhores que seus corpos.
“Eles não mais construíam naves especiais. Eles eram naves espaciais” (p. 2).
Mais tarde, descobriram como “armazenar conhecimento na estrutura do próprio
espaço, e preservar seus pensamentos em redes congeladas de luz” (p. 2),
transformando-se em seres de pura energia, “livres, afinal, da tirania da
matéria” (p. 3).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Isso é o mais perto que a
cosmovisão de Clarke permite chegar de um autêntico mundo espiritual. Nem os
deuses podem ter sua presença justificada na narrativa sem o materialismo e seu
corolário nunca ausente, o evolucionismo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.3. Reducionismo</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
entendimento da religião como psicopatologia e da consciência como combinação
de matéria e informação bastam para indicar o caráter reducionista da
cosmovisão de Clarke, mas não esgotam os efeitos deletérios dessa
característica. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001 </i>dá um ótimo
exemplo adicional quando Poole assiste a um programa de televisão que foi ao ar
mil anos antes, na aurora do terceiro milênio. O narrador compara o homem dos
séculos XX e XXI ao da Idade Média e atribui as diferenças a dois conjuntos de
causas (p. 34):</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: -.05pt;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">As telecomunicações, a capacidade de registrar
imagens e sons que antes estariam irrevogavelmente perdidos, a conquista do ar
e do espaço – tudo isso criou uma civilização que ia além das mais selvagens
fantasias do passado. E, igualmente importante, Copérnico, Newton, Darwin e
Einstein mudaram de tal modo nossos modos de pensar e nossa perspectiva do
universo que quase poderíamos ser vistos como uma nova espécie até pelo mais
brilhante de nossos predecessores.</span></i></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Essa supervalorização do papel da
tecnologia na história combina com cosmovisões materialistas (o marxismo, por
exemplo, faz a mesma coisa). A ilustração mais eloquente desse excesso foi dada
por Clarke em uma única palavra quando lhe perguntaram qual era a mais
maravilhosa das realizações humanas. A resposta foi: “O microchip”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[8]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">É digno de nota, porém, que todos
os quatro indivíduos citados como tendo importância decisiva na formação da
cosmovisão contemporânea são cientistas da natureza, não restando espaço para
políticos, empresários, artistas, líderes eclesiásticos, escritores ou
filósofos. Não ocorre a Clarke que a própria atividade científica foi moldada
por fatores culturais alheios à investigação da natureza. Ele não comete o erro
de considerar os fatores culturais (“nossos modos de pensar”) menos importantes
que os tecnológicos, mas ambos lhe parecem determinados pela ciência, que é vista
como o verdadeiro motor imóvel da história.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O livro traz uma observação
interessante ao dizer que, no século XXXI, o problema das propostas políticas
inadequadas foi resolvido mediante o emprego de simulações computacionais para
testar previamente sua viabilidade (p. 88). Dado que simulações computacionais
só têm alguma chance de ser bem-sucedidas quando levam em conta todos os fatos
relevantes, vê-se que a razão pela qual Clarke julgava impossível fazer
previsões políticas e sociológicas no presente reside apenas na complexidade
exorbitante dos fenômenos políticos e sociais. Clarke de fato cria que tal
problema poderia ser resolvido no futuro, mediante o simples uso de simuladores
e processadores mais potentes, o que constitui sintoma adicional de seu
reducionismo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Isso lança luz sobre a já citada
contradição entre a tese do autor acerca da impossibilidade de previsões
políticas e sociológicas e sua certeza de que as ditaduras e censuras acabarão,
assim como a crença na astrologia. A razão dessa incoerência reside justamente
no reducionismo de Clarke: ele cria que só o futuro tecnológico é previsível;
mas, por valorizar demais o papel da ciência e da tecnologia, ele não podia
deixar de manter algumas certezas não autorizadas pela consciência de sua
ignorância. Clarke sabia que o mundo é complexo demais, mas sua cosmovisão não lhe
permitia ver em que consiste essa complexidade e, por conseguinte, não lhe dava
os meios adequados para distinguir o conhecimento da mera opinião.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">2.4. Progresso</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001 </i>apresenta o século XXXI como um tempo em que já foram
eliminados ou minimizados todos os grandes problemas que afligem a humanidade
hoje: a sociedade é mais bem ajustada e a prosperidade material está ao alcance
de todos; as guerras cessaram, as doenças foram debeladas ainda no século XXI,
e a expectativa de vida está próxima de 150 anos; o problema da poluição foi
resolvido, e o estilo de vida é mais saudável; a criminalidade foi reduzida ao
mínimo, e os métodos de punição são menos degradantes. Por todo o livro é
possível encontrar evidências do progresso da humanidade, e o autor está sempre
chamando a atenção para o papel crucial que o surgimento deste ou daquele
artefato tecnológico desempenhou para possibilitar isso, como no caso da já
citada predição do fim das ditaduras.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Para Clarke, como disse uma
personagem do livro, “o bom selvagem sempre foi um mito” (p. 21). Em seu
contexto imediato, essa frase significa não apenas que os selvagens não eram
bons, mas também que não poderiam sê-lo: a tecnologia é o requisito material
para a excelência moral e social; “civilização é tecnologia”, disse ele em seu
costumeiro reducionismo<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[9]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Isso ajuda a entender a postura
sóbria de Clarke quanto às questões ecológicas. Um de seus traços positivos
mais notáveis é o amor pelos animais, que o levou a apoiar diversas iniciativas
de combate à extinção de espécies ameaçadas. Ele também se preocupava com a
obtenção de energia limpa, ansiando de modo especial pelo fim do uso de
combustíveis fósseis. Por outro lado, tratava com evidente desprezo os
ecologistas radicais, que veem a natureza como um santuário a ser mantido
intacto. Grupos assim, aliás, ainda se manifestam no século XXXI, protestando
contra o projeto de transformação de Vênus e Mercúrio em lugares habitáveis (p.
8) e coisas semelhantes. Para Clarke, o homem é o guardião das espécies e deve
estar disposto a fazer concessões para desempenhar bem esse papel, mas não a
ponto de sacrificar seu próprio bem-estar e desenvolvimento. Além disso, a
própria solução para os problemas ambientais demanda mais desenvolvimento
científico e tecnológico, e não menos: “É impossível retornar ao passado, mas a
ciência e a tecnologia nos oferecem os meios para administrar racionalmente o
nosso ambiente natural”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[10]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Além disso, Clarke corretamente
via na tecnologia benefícios que vão além dos aspectos puramente pragmáticos.
Ele afirmou, por exemplo: “As várias formas de entretenimento que vieram à
existência no último século tornaram a vida mais rica e, de modo geral, mais
aprazível. [...] Vivemos em um mundo infinitamente mais rico e somos
definitivamente melhores por isso”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn11" name="_ftnref11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[11]</span></span></span></span></a>. Tais
percepções apontam para aquilo que Herman Dooyeweerd chamava de “processo de
abertura” da cultura<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn12" name="_ftnref12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[12]</span></span></span></span></a>.
Embora sem desenvolver a ideia, Clarke percebeu que o progresso tecnológico
contribui para esse processo em sentidos que transcendem as necessidades
físicas e sociais básicas do ser humano. Em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>
há também várias cenas – algumas das quais bem longas – que apontam para o papel
da tecnologia na tremenda expansão das possibilidades turísticas, lúdicas e
artísticas no mundo futuro.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div style="mso-element: footnote-list;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br clear="all" />
</span><hr align="left" size="1" width="33%" />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[1]</span></span></span></span></a> HOUSTON,
Frank. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Salon People: Arthur C. Clarke</b>.
San Francisco, 2000. Disponível <a href="http://www.salon.com/2000/03/07/clarke_2/">aqui</a>. Acesso em: 15 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[2]</span></span></span></span></a> ROBINSON,
Tasha. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke Interview</b>.
Chicago, 2004. Disponível <a href="http://www.avclub.com/articles/arthur-c-clarke,13855/">aqui</a>. Acesso
em: 28 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[3]</span></span></span></span></a> Clarke
de fato nutria uma preocupação bastante exagerada com a ameaça das seitas
milenaristas, como deixou claro em CHERRY, Matt. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">God, Science, and Delusion: a Chat with Arthur Clarke</b>. Ahmerst,
1999. Disponível <a href="http://www.secularhumanism.org/index.php?section=library&page=clarke_19_2">aqui</a>.
Acesso em: 13 de junho de 2012..</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[4]</span></span></span></span></a> CHERRY,
Matt. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">God, Science, and Delusion: a Chat
with Arthur Clarke</b>. Ahmerst, 1999. Disponível <a href="http://www.secularhumanism.org/index.php?section=library&page=clarke_19_2">aqui</a>.
Acesso em: 13 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[5]</span></span></span></span></a> GREENWALD,
Jeff. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke on Life</b>. San
Francisco, 1993. Disponível <a href="http://www.wired.com/wired/archive/1.03/clarke_pr.html">aqui</a>. Acesso
em: 6 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[6]</span></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: EN-US;"> <span lang="EN-US">“</span></span>Eu ainda não
consigo apreender de fato a ideia de que [ele], apesar de todos os seus
poderes, não possui consciência – nem mesmo sabe que existe!”<span style="mso-ansi-language: EN-US;"> </span>(p. 214).</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[7]</span></span></span></span></a> <span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">ROBINSON, Tasha. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke Interview</b>. </span>Chicago,
2004. Disponível <a href="http://www.avclub.com/articles/arthur-c-clarke,13855/">aqui</a>.
Acesso em: 28 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[8]</span></span></span></span></a> SCIFI.COM.
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke and Gentry Lee Online
Chat</b>. Nova York, 1996. Disponível <a href="http://www.arthurcclarke.net/?interview=15">aqui</a>. Acesso em: 11 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[9]</span></span></span></span></a> COKER
III, John L. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A Visit with Arthur C.
Clarke</b>. Oakland, 1999. Disponível <a href="http://www.locusmag.com/1999/Issues/09/Clarke.html">aqui</a>. Acesso em:
14 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn10" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[10]</span></span></span></span></a> CLARKE,
Arthur Charles. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur Clarke’s 2001
Diary (excerpt)</b>. Nova York, 1972. Disponível <a href="http://www.arthurcclarke.net/?interview=10">aqui</a>. Acesso em: 5 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn11" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[11]</span></span></span></span></a> HARRISON,
Francis. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke Sees E-mail
for All</b>. Londres, 2003. Disponível <a href="http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/2949974.stm">aqui</a>. Acesso em:
25 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn12" style="mso-element: footnote;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[12]</span></span></span></span></a> KALSBEEK,
L. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Contours of a Christian Philosophy</b>:
an Introduction to Herman Dooyeweerd’s Thought. Toronto: Wedge, 1975.</span></div>
</div>
</div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-9235285296650775032014-02-28T20:20:00.000-03:002014-02-28T20:20:05.614-03:00Esperança milenar - parte 1<!--[if gte mso 9]><xml>
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<div class="Body1" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Em abril de 2012, durante minhas férias,
cursei com a Norma, na qualidade de aluno ouvinte, a disciplina Cosmovisão
Reformada, oferecida pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
Era parte de meu compromisso como aluno elaborar uma análise de um filme ou
obra literária usando as ferramentas que aprendi no curso, baseadas sobretudo na
antropologia filosófica de Herman Dooyeweerd. Escolhi a obra <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001: a odisseia final</i>, de Arthur Clarke,
fiz o trabalho e o entreguei, se bem me lembro, em agosto do mesmo ano.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="Body1" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="Body1" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">A partir de hoje, e continuando nas
próximas três postagens, publicarei esse trabalho, cujo título original era <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001: a odisseia final - uma análise crítica
teorreferente</i>. O trabalho não ficou tão bom quanto poderia, sobretudo por
causa da limitação de espaço; eu sou prolixo demais para dizer o que quer que
seja com propriedade em um espaço curto. Mas preferi manter o texto como
estava, exceto por ter traduzido as citações, que foram feitas do inglês e
incluem as da própria obra sob análise. A edição que usei, e à qual farei
referências o tempo todo, é a da Ballantine Books (Nova York, 1996).</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="Body1" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="Body1" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Li esse livro pela primeira vez em 2005,
graças à indicação de Daniel Souza, colega de faculdade e grande amigo que
agora é também um irmão em Cristo. Registro, portanto, minha gratidão a ele.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="Body1" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div align="center" class="Body1" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">*******</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">1. Introdução</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">1.1. Objetivo</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Este trabalho apresenta uma
análise crítica de alguns aspectos relevantes do livro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001: a odisseia final</i>, de Arthur Clarke, a partir de uma
perspectiva filosófica biblicamente orientada.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">1.2. O autor</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O inglês Arthur Charles Clarke
(1917-2008) foi provavelmente o melhor e mais prolífico escritor de ficção
científica do século XX, tendo publicado 51 livros desse teor, além de 45 obras
não-ficcionais e muitos contos e ensaios. A tecnologia, seus fundamentos e seus
usos sempre estiveram no centro de suas atenções, e ele próprio deu algumas
contribuições para seu desenvolvimento, sendo a mais notável delas o conceito
de órbitas geoestacionárias, que possibilitou a invenção dos satélites de
telecomunicações.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Clarke defendia o agnosticismo e
o ceticismo cientificista, e sua cosmovisão era dominada pelo materialismo. Em
muitos aspectos, embora não em todos, ele se afinava ao racionalismo típico da
subcultura das ciências exatas, que ainda resiste em parte ao avanço da
pós-modernidade nas universidades. Embora nutrisse certa simpatia pelo budismo,
desprezava as religiões em geral e tinha um ódio especialmente intenso pelo
cristianismo. Seu interesse em ciências humanas era amplo, mas pouco profundo,
e a superficialidade de seus conhecimentos nessa área pode ser percebida com
facilidade.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Além de suas atividades como
escritor, Clarke também se envolveu na fundação de vários centros de pesquisa
tecnológica, apoiou associações ligadas a astronomia e proteção dos animais,
colaborou para o desenvolvimento da indústria no Sri Lanka (onde residiu desde 1956
até sua morte) e foi membro da Academia Internacional de Humanismo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">1.3. A obra</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">2001: uma odisseia no espaço</i> é a obra mais famosa de Clarke, em
virtude de sua relação com o filme homônimo de Stanley Kubrick. Clarke e
Kubrick trabalharam em estreita colaboração, produzindo simultaneamente o livro
e filme, ambos os quais foram lançados em 1968. O livro teve uma continuação em
1982, com <i style="mso-bidi-font-style: normal;">2010: uma odisseia no espaço II</i>,
seguida por <i style="mso-bidi-font-style: normal;">2061: uma odisseia no espaço
III</i>, publicado em 1985. O autor tinha 78 anos em 1996, quando escreveu <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>, o volume final da tetralogia.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Não pretendo fazer aqui uma
análise literária do livro, e tampouco descrevê-lo além do necessário para o
entendimento deste trabalho por parte de quem não o leu; para tanto, bastam
algumas observações gerais sobre as características da obra e seu enredo.
Descrições mais pontuais serão dadas adiante, na medida em que forem
necessárias.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O protagonista da história é o
astronauta Frank Poole, personagem que fora dado como morto no espaço em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">2001</i>, mas que é resgatado e reabilitado
mil anos depois. É da perspectiva dele que é narrado quase tudo o que se passa.
Naturalmente, em mil anos muitas coisas terão mudado dos pontos de vista tecnológico,
político, cultural, linguístico e outros, de modo que boa parte do trabalho do
autor consiste em descrever essas mudanças imaginadas e, ao mesmo tempo,
retratar de modo psicologicamente realista o esforço de Poole para se adaptar ao
novo mundo. Dessa forma é tentado um equilíbrio entre as dimensões objetiva e
subjetiva da obra, e o autor busca a verossimilhança em ambos os campos.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Os avanços tecnológicos ocupam uma
posição central na obra, dando ensejo a várias reflexões, por parte do
protagonista, acerca de seu papel na promoção de mudanças sociais, políticas,
culturais e até filosóficas. Clarke visivelmente se esmera (e se deleita) no
esforço de produzir um quadro tão preciso e realista quanto possível,
valendo-se de amplo conhecimento e elevada criatividade. Muitos detalhes
narrativos ligados à questão da tecnologia podem passar despercebidos ao leitor
não iniciado em ciências exatas, mas os detalhes técnicos não chegam a
comprometer a narrativa, que pode ser interessante e envolvente para qualquer
leitor. O estilo de Clarke não é profundo em nenhum sentido, mas busca manter
em dose equilibrada todos os aspectos necessários a uma boa história. Contribui
para isso o bom humor – que é, aliás, uma característica pessoal do autor.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">O livro contém também elementos
importantes que não derivam de suas considerações sobre a humanidade. Ao lado
da adaptação de Poole ao século XXXI, o problema central do livro é uma ameaça
vinda do espaço, da parte de seres extraterrestres que o prólogo chama de
Primogênitos. Trata-se de uma raça muito antiga e poderosa que logrou alcançar
a imortalidade, e que se empenha em estimular o desenvolvimento de vida
inteligente em diversos pontos da galáxia. A própria humanidade só pôde evoluir
graças à ajuda dos Primogênitos. Mais tarde, porém, eles concluíram que somos
um experimento mal sucedido e decidiram extinguir nossa espécie. Esse “juízo
final” chegou justamente no século XXXI, e a tarefa de Poole e demais
personagens é impedi-lo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> contém um prólogo sobre os Primogênitos, seguido por quarenta
capítulos (distribuídos em cinco seções), um epílogo e duas seções adicionais,
uma das quais (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Fontes e reconhecimentos</i>)
é útil para este trabalho, por revelar algumas de suas influências.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">1.4. Questões metodológicas</b></span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Antes de passar à análise
propriamente dita, é necessário fazer algumas considerações gerais sobre a
maneira pela qual a cosmovisão do autor é ali revelada e transmitida. A
ausência de grandes conflitos de ideias na obra é uma de suas maiores
limitações, mas é também um fator que facilita minha tarefa neste trabalho. A
uniformidade de opiniões entre os personagens é quase absoluta e, além disso, Clarke
muitas vezes coloca suas próprias opiniões nas bocas (e cabeças) deles, jamais
permitindo que um eventual opositor tenha a palavra final. Isso pode ser
atestado tanto pelo exame de outros pronunciamentos públicos do autor quanto
pelos comentários pessoais que ele registrou no final da própria obra.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Porém, não podemos deixar de lado
sem discussão os problemas com que se depara a análise de qualquer obra
ficcional e não-dissertativa, agravados pelo caráter futurista do livro em
questão: antes de tudo, ele poderia ser facilmente tomado de modo indevido como
uma simples tentativa de prever o futuro. O próprio Clarke viu-se obrigado a
protestar em diversas oportunidades contra essa maneira equivocada de entender
sua obra. Disse ele: “Eu nunca previ o futuro. Ou quase nunca. Eu faço
extrapolações. Veja, eu escrevi seis histórias sobre o fim do planeta; é
impossível que todas elas se realizem!”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[1]</span></span></span></span></a>. Indagado
sobre a diferença entre ciência e ficção científica, ele respondeu: “Bem a
ficção científica... raramente tenta prever o futuro. É mais frequente que ela
tente impedir o futuro. [...] Acho que alguns de nós, como George Orwell, foram
muito bem-sucedidos em impedir alguns tipos de futuro”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[2]</span></span></span></span></a>. E,
quando pediram que falasse de sua motivação para atuar no gênero da ficção
científica, Clarke respondeu: “A ficção é mais que a não-ficção, em certos aspectos.
Você pode criar um universo próprio. Você pode expandir a mente das pessoas,
alertando sobre as possibilidades do futuro, o que é muito importante em uma
época na qual as coisas estão mudando rapidamente”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[3]</span></span></span></span></a>. Esses
breves comentários mostram que Clarke estava, ao menos até certo ponto, ciente
da intensidade do elemento puramente imaginativo na literatura futurista, bem
como das pesadas limitações de nosso poder de predição.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Não convém, no entanto,
superestimar o valor dessas advertências, pois Clarke se mostrou deveras
inconsistente em algumas de suas considerações sobre o futuro. Ele afirmou, por
exemplo: “No que diz respeito ao futuro, toda predição política ou sociológica
é impossível. [...] A única área onde há alguma possibilidade de sucesso é o
futuro tecnológico”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[4]</span></span></span></span></a>. No
entanto, ele não resistiu à tentação de fazer predições políticas e
sociológicas em diversas oportunidades. Afirmou, por exemplo, que “o livre
fluxo de informação possibilitado pelos satélites significa o fim da censura e
da ditadura”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[5]</span></span></span></span></a>, e
profetizou o fim da crença na astrologia preditiva<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[6]</span></span></span></span></a>.
As causas dessa inconsistência serão expostas adiante; por ora, é importante
apenas ter em mente que as afirmações sobre o futuro feitas ficcionalmente em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> têm uma intenção preditiva
potencialmente mais forte do que o próprio Clarke estaria disposto a admitir.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">À parte disso, contudo, as ideias
acima apresentadas – da ficção como extrapolação, denúncia de possibilidades
indesejadas ou sugestão de bons caminhos a trilhar – não deixam de apontar para
uma conexão proposital com a realidade presente, tal como compreendida pelo
autor. E, na verdade, essa conexão brota do próprio espírito da ficção
científica enquanto gênero literário: o que a distingue da literatura
fantasiosa, por exemplo, é justamente o esforço de plausibilidade do ponto de
vista científico. Isso não significa que o escritor não possa dar asas à
imaginação e propor seres, eventos ou artefatos tecnológicos não abarcáveis por
teorias científicas conhecidas. Mas significa que, mesmo nesses casos, é
importante que haja verossimilhança. A ficção científica está, pois,
fundamentalmente comprometida com a busca de um alto grau de realismo.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Além disso, a lógica interna do
gênero leva naturalmente à generalização desse princípio para outros elementos
da narrativa, alheios ao aspecto estritamente científico e tecnológico. Um
autor que preza por esse tipo de verossimilhança também zelará por ela em
outros planos. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i> é uma obra que
apresenta esse esforço de modo notório em todos os níveis: psicológico,
cultural, político, sociológico e até no pouco que é dito sobre uma raça
inteiramente fictícia como a dos Primogênitos.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Mas a grande pergunta, que nos
leva ao cerne metodológico do presente trabalho, é esta: aquilo que o autor
considera realista o é de fato? O esforço do autor para produzir um mundo
verossímil diz muito sobre seus critérios de verossimilhança ou, em outras
palavras, sobre a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">estrutura de
plausibilidade</i> por ele adotada. Analisando a obra, é possível extrair
elementos que permitem constituir um retrato dessa estrutura e dos pressupostos
nela embutidos e, por essa via, chegar a uma avaliação biblicamente orientada
da cosmovisão contida na obra.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Naturalmente, esse empreendimento
só será possível na medida em que o texto analisado for rico em elementos e
aspectos relevantes para a obtenção desse retrato. Desse ponto de vista, a
criatividade literária de Clarke e a vastidão de seus interesses tornam sua
obra deveras adequada. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001 </i>foi
escolhido em detrimento dos volumes precedentes da mesma série não só por
apresentar uma fase mais madura do pensamento do autor, mas também porque sua
proposta de retratar um futuro consideravelmente mais distante trouxe o efeito
benéfico de deixá-lo menos preso aos ditames da realidade presente e, dessa
forma, livre para expor sua cosmovisão de modo mais profundo e abrangente. Não
é à toa que o próprio Clarke descreveu <i style="mso-bidi-font-style: normal;">3001</i>
como o projeto mais desafiador de sua carreira<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[7]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div style="mso-element: footnote-list;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br clear="all" />
</span><hr align="left" size="1" width="33%" />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[1]</span></span></span></span></a> GREENWALD,
Jeff. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke on Life</b>. San
Francisco, 1993. Disponível <a href="http://www.wired.com/wired/archive/1.03/clarke_pr.html">aqui</a>. Acesso
em: 6 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[2]</span></span></span></span></a> SIEBERG,
Daniel. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Clarke to Comdex: “Travel by
Wire”</b>. Atlanta, 2001. Disponível <a href="http://edition.cnn.com/2001/TECH/ptech/11/13/comdex.clarke/index.html">aqui</a>.
Acesso em: 21 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[3]</span></span></span></span></a> ROBINSON,
Tasha. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke Interview</b>.
Chicago, 2004. Disponível <a href="http://www.avclub.com/articles/arthur-c-clarke,13855/">aqui</a>. Acesso
em: 28 de junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[4]</span></span></span></span></a> HOUSTON,
Frank. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Salon People: Arthur C. Clarke</b>.
San Francisco, 2000. Disponível <a href="http://www.salon.com/2000/03/07/clarke_2/">aqui</a>. Acesso em: 15 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[5]</span></span></span></span></a> SPIKE
MAGAZINE. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke: 3001: The
Final Odyssey</b>. Brighton, 1998. Disponível <a href="http://www.spikemagazine.com/0198clar.php">aqui</a>. Acesso em: 12 de
junho de 2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[6]</span></span></span></span></a> RATNATUNGA,
Kavan. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">60<sup>th</sup> Anniversary of
Clarke’s Communication Satellite Idea</b>. Colombo, 2005. Disponível <a href="http://lakdiva.org/clarke/2005trip/">aqui</a>. Acesso em: 29 de junho de
2012.</span></div>
</div>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">
</span><div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=38445551#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[7]</span></span></span></span></a> KAUFMAN,
Marc. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Arthur C. Clarke Interview</b>.
Filadélfia, 1994. Disponível <a href="http://www.arthurcclarke.net/?interview=8">aqui</a>.
Acesso em: 7 de junho de 2012.</span></div>
</div>
</div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-69479227060359565732014-01-30T21:06:00.003-02:002014-01-30T21:07:25.362-02:00Carne mortal<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Quem me conhece sabe que sou um homem de muitos livros e poucos filmes. Mas hoje, creio que pela primeira vez nos sete anos de história deste blog, dedicarei um post a um filme; ou, melhor dizendo, a uma trilogia, <i>O poderoso chefão</i>, dirigida por Francis Ford Coppola. É um clássico, sem dúvida, mas não faz muito tempo que o assisti. Nesta postagem, apenas explicarei por que essa trilogia é um dos grandes filmes de minha vida. Tentarei fazer isso cortando os spoilers desnecessários, mas ainda assim não recomendo que o presente texto seja lido por quem não viu os filmes. Além do risco de estragar algumas surpresas, existe o de algumas coisas que digo não fazerem sentido para o leitor. Por outro lado, ficarei satisfeito se alguém, contrariando essa recomendação, se sentir incentivado pela leitura deste post a assistir os filmes.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Minha expectativa prévia era de uma história cheia de bandidos ricos e gananciosos inventando modos criativos e cruéis de matar uns aos outros e ganhar mais dinheiro. E não estava de todo enganado, é claro. Mas essa parte da história, que também pode ser encontrada em qualquer filme policial barato, não é senão o item mais desinteressante de uma trama muito mais densa, sutil e complexa. Assim como o <i>Inferno</i> de Dante é muito mais que uma simples lista de punições dolorosas para pecados escabrosos, a história da família Corleone é muito mais que um catálogo convencional de atrocidades da máfia. Afinal, mafiosos são seres humanos; têm um código de ética um tanto particular, é verdade, mas que não é nem poderia ser completamente diferente do que a humanidade já produziu nesse campo. Eles também têm amor à família, sentimentos religiosos e senso de justiça, fazem caridade e até possuem certa dose de lealdade nos negócios. O título do filme em português conta apenas metade da história. O título original, como no livro de Mario Puzo (que eu não li) é <i>The Godfather</i> [O padrinho], que remete a relações familiares, intimidade, afeição, respeito e confiabilidade.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Sim, um mafioso pode ser um padrinho. E a grande revelação do primeiro filme se dá justamente no meio de uma crise familiar. Michael é o único filho de Vito Corleone que nutre uma profunda e sincera aversão moral pelos negócios da família. No entanto, quando seu pai sofre um atentado e ninguém sabe o que fazer, é ele quem assume o comando e livra a família da enrascada. Mas não sem sujar as mãos pelo caminho. E, antes do fim do primeiro filme, ele já se tornou um mafioso muito mais perverso que o pai. O segundo filme é o menos interessante dos três, mas mostra o progresso da degeneração moral do protagonista. Como isso aconteceu? O que levou um sujeito instintivamente pacífico e correto como Michael a se tornar um mafioso dez vezes pior que seu pai? Pode parecer intrigante que o poderoso chefão seja também o padrinho. Mas me intriga muito mais o fato de que alguém que à primeira vista jamais passaria de um inofensivo padrinho tenha se tornado o poderoso chefão. Isso sem dúvida revela algo sobre as potencialidades humanas para o mal. Mas o quê?</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Tais perguntas só são respondidas no terceiro filme. Não me atrevo a dizer que ele é melhor que o primeiro, mas foi o que mais me impressionou, porque é nele que as respostas aparecem, e de um modo extraordinariamente claro e pungente. Dizendo em linguagem teológica, Michael tinha um ídolo. Todo mundo tem, é claro. Um ídolo é qualquer coisa importante o suficiente para nos induzir a pecar contra Deus. O grande ídolo de Michael era a segurança da familia, e tudo o que ele queria ao entrar para o mundo do crime era protegê-la de uma grave ameaça. Com o pai correndo risco de morte e os demais filhos confusos e impotentes, Michael precisou assumir a liderança temporariamente e abrir mão de alguns de seus antigos princípios, começando por se tornar assassino e abandonar a mulher com quem pretendia se casar. Afinal, os ídolos pedem sacrifícios. E, uma vez alimentados, nunca param de pedir novos sacrifícios. Ao que parece, Michael não sabia disso e esperava no princípio que essa situação fosse provisória. Porém, as ameaças continuaram surgindo, e bem cedo ele já estava corrompido e endurecido o suficiente para não se importar mais. Ao longo do caminho, tornara-se frio, mentiroso, hipócrita e manipulador. O ponto mais baixo dessa longa queda ocorreu quando ele mandou matar um de seus próprios irmãos, coroando uma já considerável lista de óbitos encomendados.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Poderia ter sido diferente? Creio que sim, mas as motivações do protagonista são bastante compreensíveis, e não podemos deixar de nos identificar e solidarizar com ele em certa medida. O que pode ser mais justo, mais correto e até mais elevado moralmente - mais santo, caso se prefira - que o desejo de proteger a própria família, em especial quando ninguém mais está em condições de fazê-lo? Não poucos de nós fariam algo semelhante para garantir a segurança das pessoas que mais amamos neste mundo. Todos conhecemos bem o velho discurso da oposição entre egoísmo e altruísmo. A trajetória de Michael Corleone aponta para aquela área escura da vida onde esse contraste convencional deixa de fazer sentido, por ser simplista demais. Michael se sacrificou para proteger a família, e também sacrificou a família para satisfazer a si mesmo.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">C. S. Lewis viu algo parecido em <i>O grande abismo</i>, sua divina comédia particular: viu no além uma mulher incuravelmente perdida por idolatrar o próprio filho, e a si mesma através dele. George MacDonald, que lhe servia de Virgílio, explicou: <i>"Existe algo na afeição natural que irá levá-la até o amor eterno mais facilmente do que o apetite natural poderia ser levado. Mas há também algo nela que toma mais simples parar no nível natural e considerá-lo como sendo o celestial. O bronze é mais facilmente confundido com o ouro do que a argila. E, se finalmente recusar a conversão, a sua corrupção será maior do que a daquelas que você chamaria de paixões inferiores. Trata-se de um anjo mais forte e, portanto, quando cai, de um diabo mais selvagem."</i> Ouvindo tal juízo sobre o amor materno, Lewis reagiu com horror: <i>"Acho que não ousaria repetir isso na terra, senhor [...]. Afirmariam que era desumano: diriam que [eu] acreditava na depravação total; ou que estava atacando as coisas melhores e mais santas."</i></span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Eureca! Lewis, que nunca foi calvinista ao teorizar sobre teologia, o foi algumas vezes em suas agudas percepções da natureza humana (falei sobre isso <a href="http://tamoslendo.blogspot.com.br/2010/11/lewis-1898-1963.html">aqui</a>). Suas observações sobre o amor materno falam de depravação total. A trilogia de Coppola também, embora a atmosfera do filme seja eminentemente católica. Quando Michael conversa com o cardeal Lamberto, à beira de uma fonte, este retira uma pedra de dentro da água e lhe diz: <i>"Olhe esta pedra. Ela está dentro d'água há muito tempo, mas a água não penetrou nela <ele a="" pedra.="" quebra=""> Veja. Perfeitamente seca. A mesma coisa tem acontecido aos homens na Europa. Por séculos eles têm vivido cercados pelo cristianismo, mas Cristo não penetrou. Cristo não vive dentro deles." </ele></i>Então é possível que uma cultura seja cristã sem que os homens o sejam. É possível santificá-la sem reconciliar os homens com Deus através de Cristo. Há uma depravação interior de natureza tal que é capaz de se acomodar até às mais piedosas circunstâncias externas, e isso em larga escala, a ponto de essa ser a tendência dominante em uma sociedade aparentemente cristã. O cardeal do filme tem toda a razão, e não conheço explicação tão boa quanto a depravação total para esse fato. <i>"Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapos de imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam"</i> (Isaías 64.6).</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Como trapos de imundícia, e murchamos. O ídolo pede sacrifícios, e estes acabam se revelando inúteis. <i>O poderoso chefão</i> também fala disso ao evidenciar o insucesso de todos os esforços de Michael. A trilogia traz não só as evidências da depravação total, mas também seus efeitos. Distraído na árdua tarefa de proteger os interesses da família, Michael destruiu o casamento da irmã e o seu próprio, matou o irmão, perdeu a confiança do filho, impediu a felicidade da filha e envolveu o sobrinho em negócios escusos demais até para ele mesmo. A grande ironia da história é que o homem que atropelou meio mundo para proteger sua família experimentou um fracasso retumbante e terminou sem família alguma. Perdeu a primeira mulher em um atentado, a segunda abortou um filho seu e o abandonou, e a própria filha acabou sendo morta. A cena final da trilogia, em que Michael está bem velho e recorda três cenas pregressas, nas quais ele dança com as três mulheres que perdera, é a que melhor simboliza a triste realidade de seu inferno pessoal.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">No entanto, embora este post não seja uma pregação, não desejo reproduzir o equívoco de tantos sermões que já ouvi: o de falar do pecado sem falar da graça. Na verdade, conservo a esperança de que tenha havido para Michael uma espécie de redenção. Em um momento anterior do terceiro filme, Michael disse à ex-mulher que estava ficando cada vez mais sábio, e que ao morrer ficaria <i>"realmente esperto"</i>. Quero crer que a cena das danças recordadas, imediatamente anterior à morte de Michael, também aponta para isso. Talvez naquele momento ele tenha percebido com clareza a futilidade de seus esforços, a perversidade de seus meios, o equívoco de suas escolhas e a perfídia de seu coração. A grande mensagem do filme foi resumida por Deus em Jeremias 17.5-6: <i>"Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do Senhor! Porque será como o arbusto solitário no deserto e não verá quando vier o bem; antes, morará nos lugares secos do deserto, na terra salgada e inabitável."</i> Michael confiou em si mesmo, e sua vida foi uma sucessão de abismos. Mas talvez para ele, como para o célebre ladrão da cruz, a graça e o perdão de fato tenham chegado no último instante.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-79170167715905713652013-12-31T12:25:00.000-02:002014-01-07T22:00:33.899-02:00Fragmentos de razões - parte 4<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Já tive ocasião de observar que costumo ser lento nas reações aos comentários que recebo. Expus algumas razões para isso no primeiro parágrafo <a href="http://andrelv.blogspot.com.br/2012/08/fragmentos-de-razoes-parte-1.html">desta</a> postagem. Mantendo essa tradição, vou responder hoje a dois comentários que recebi há cerca de dois anos, um dos quais sequer cheguei a publicar. Seu autor não é mais bem-vindo neste blog, e me arrependo de ter-lhe dado as boas-vindas em um momento prévio. Na verdade, eu já o conhecia de outras paragens, mas, para encurtar a conversa, relatarei apenas que, nessa ocasião a que me refiro, tive de insistir seis vezes até que ele parasse de reclamar da vida e apresentasse um único argumento em defesa dos pontos de vista que veio enunciar aqui. Mas o fato é que, depois de tanta insistência, ele enfim apresentou argumentos e, considerando que eu os pedi, é justo que diga o que penso deles.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Apenas me reservo o direito de não divulgar o nome do autor. Faço isso por duas razões: primeiro, não tenho interesse em um diálogo pessoal com ele, e sim apenas nas ideias que apresentou; por outro lado, não guardo contra ele nenhum rancor, e não pretendo humilhá-lo associando seu nome a ideias tão esdrúxulas. Embora ele mesmo não tenha vergonha de publicá-las, não vou contribuir para "difamá-lo" com suas próprias palavras. Fiquemos, pois, com as palavras e deixemos para lá o autor, que, para fins de referência ao longo do post, chamarei de XYZ. Sua participação ocorreu no contexto de minhas críticas ao racionalismo de alguns irmãos reformados. Ele julga estar no extremo oposto, pois se identifica mais com Kierkegaard e acha que o calvinismo é intrinsecamente racionalista, o que implica que eu, no fundo, sou tão racionalista quanto aqueles irmãos. Por causa dessa perspectiva um tanto singular, suas observações têm algum valor didático para os meus propósitos de expor o que penso sobre o assunto, e é por isso que vale a pena examinar suas palavras.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Tentarei primeiro resumir o argumento de XYZ. Boa parte de suas declarações constitui uma crítica a Francis Schaeffer, que, segundo ele, <i>"aponta Tomás de Aquino como aquele que exalta a razão em detrimento da graça, ou mistério. Mas condena Kierkegaard... Acho que não existe uma linha divisória clara. Está valendo o subjetivismo"</i>. Ele certamente se refere aos comentários de Schaeffer no livreto <i>A morte da razão</i>. Adiante, ele cita a definição de racionalismo dada pelo próprio Schaeffer: a ideia de que <i>"o homem começa absoluta e totalmente de si mesmo, coleciona a informação a respeito dos particulares e formula os universais"</i>. Segundo ele, essa definição concorda com a do Aurélio: <i>"Método de observar as coisas baseado exclusivamente na razão, considerada como única autoridade quanto à maneira de pensar e/ou de agir"</i>. Daí, prossegue dizendo que Schaeffer distingue o racionalismo da racionalidade, condenando apenas o primeiro, e que a <i>"tese central"</i> do pastor americano é que <i>"as coisas da fé estão ligadas à razão, não se pode separá-las em dois campos distintos"</i>. Então, resume ele: <i>"Schaeffer irá bater nessa tecla o tempo todo: não se pode fugir do exame racional da fé (ou da filosofia, da teologia, das artes etc.), mas não exagerem, o homem caiu, sua razão também. E ele dirá: razão não é tudo. Há um Deus, há uma Bíblia. Apeguemo-nos 'racionalmente' ao Deus da Bíblia."</i> XYZ então invoca uma definição dicionarizada de racionalismo em filosofia (<i>"Doutrina que considera ser o real plenamente cognoscível pela razão ou pela inteligência, em detrimento da intuição, da vontade, da sensibilidade, etc."</i>) para dizer que <i>"Deus não pode de forma alguma ser plenamente cognoscível pela razão"</i>, de modo que existe o mistério. Ele conclui, então, seu argumento: <i>"E é justamente aqui que considero Schaeffer um racionalista e que se afasta do Mistério. Pois, haverá pontos que</i> [sic] <i>teremos que dizer aqui a razão para e a fé prossegue, ela prevalece. E haverá uma linha divisória. Caso não houver</i> [sic] <i>divisão entre fé e razão, não se pode determinar o que para um seja questão de fé (pura confiança em uma revelação, por exemplo) ou pura dedução lógica. Ou qual elemento terá maior peso. Daí digo que há margem suficiente para o subjetivismo.</i>" XYZ aludiu a isso quando me interpelou diretamente nos seguintes termos: <i>"Você acredita como Kierkegaard que a fé é um </i>'paradoxo que não pode reduzir-se a nenhum raciocínio, porque a fé começa precisamente onde acaba a razão'<i>?"</i></span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Qual é a importância disso tudo? Ele mesmo esclarece: <i>"Ao defender o mistério e atacar a ênfase exagerada na razão (racionalismo) você poderia: estar contradizendo escandalosamente uma grande referência sua, a saber</i> [sic] <i>Schaeffer; ou: sua referência poderia estar escandalosamente errada num ponto básico deste. Isso caberia a você clarear…"</i> Por isso ele falou tanto em Schaeffer, que nem havia sido mencionado em minhas postagens. XYZ buscou ainda resumir seu argumento principal nas seguintes palavras: <i>"Ninguém quer ser racionalista, hoje. Cabe-se</i> [sic] <i>então estabelecer os claros limites entre razão e fé (o que já é uma forma de racionalismo)"</i>. E conclui seu comentário dizendo que Schaeffer <i>"defendia que a razão humana deveria submter-se à fé bíblica para avaliar as questões de fé - como se a Bíblia pudesse pensar e falar por si mesma, e como se estas questões de fé não estivessem relacionadas à sua própria interpretação"</i>. Aqui estaria a contradição e o racionalismo de todo calvinismo, seja o meu, o de Schaeffer ou o dos irmãos que tenho chamado de racionalistas.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Diante do exposto, fazem-se necessários alguns esclarecimentos, que passo a fazer em forma de tópicos:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>1.</b> Os conceitos de razão e racionalismo que Schaeffer utiliza são eminentemente vantilianos e não coincidem com os do dicionário. A "razão" de Cornelius Van Til não é apenas a razão analítica, e sim a totalidade das faculdades cognitivas humanas. Da mesma forma, o racionalismo de Van Til não é o do século XVII, que seria apenas um caso particular do primeiro. A chave para entender o conceito de Schaeffer está em sua declaração de que <i>"o homem começa absoluta e totalmente de si mesmo"</i>. Schaeffer, assim como Van Til, não está discutindo as picuinhas epistemológicas que dividem as diversas correntes humanistas, e sim dizendo que todo esforço de conhecimento não-redimido deposita no homem, e não em Deus, sua confiança última na capacidade humana de conhecer alguma coisa e dar significado à sua vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>2.</b> Ao contrário do que XYZ afirma, Schaeffer nunca disse que Tomás de Aquino <i>"exalta a razão em detrimento da graça"</i>, e muito menos equiparou a graça ao mistério. O que Schaeffer disse foi que Tomás não tinha uma visão suficientemente profunda da Queda e, em particular, dos efeitos noéticos (cognitivos) do pecado, e por isso concebeu a graça divina como algo que apenas aperfeiçoa uma natureza intrinsecamente imperfeita do ponto de vista ontológico, em vez de transformá-la pela regeneração. Por isso, usando categorias dooyeweerdianas, Schaeffer descreve o pensamento tomista como um motivo dualista de "graça e natureza", e rejeita esse esquema completamente em favor do motivo bíblico de "criação, queda e redenção".</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>3.</b> Assim como não entendeu o significado de razão (item 1), XYZ também não entendeu o conceito de fé na terminologia de Schaeffer. XYZ concebe fé como uma crença desprovida de evidência racional e que vem trazer complementos nos pontos "misteriosos" em que a razão não dá conta do recado, e erroneamente atribui essa carga semântica à palavra "fé" quando ela aparece nos textos de Schaeffer. Essa visão da relação entre fé e razão é própria do motivo tomista, pelo qual a revelação vem coroar e complementar aquilo que nossa razão é capaz de descobrir sozinha, como um caso particular do aperfeiçoamento da natureza pela graça. Schaeffer não poderia ter esse conceito de fé, pois isso é parte do que ele critica já no primeiro capítulo do livro (item 2).</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>4.</b> Não tendo entendido os conceitos de razão e fé isoladamente considerados (itens 1 e 3, respectivamente), é claro que XYZ não poderia entender a natureza da relação entre os dois. É por isso que, ao ouvir falar nessa relação, ele pensou logo em termos de limites cartesianamente (ou kantianamente) claros e distintos para a razão. No meu entendimento, isso constitui uma banalização deveras simplória do debate. Por achar que o tema em discussão era (ou deveria ser) esse, XYZ inferiu que Schaeffer é racionalista; e, por não encontrar uma dissertação sobre esse tema, concluiu que ele é subjetivista. Mas Schaeffer tinha um motivo muito bom para não elaborar essa dissertação: é que ele simplesmente estava falando de outra coisa, muito mais importante. E isso nos leva ao item 5.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>5.</b> Schaeffer não discute até onde a razão pode ir sem a fé porque, em sua opinião, não pode ir a parte alguma. Schaeffer é um pressuposicionalista, o que significa que, para ele, a lealdade ao Deus revelado na Bíblia - ou, inversamente, à autonomia da razão humana - precede e condiciona todo esforço de compreender ou harmonizar o que quer que seja. Nesse sentido, a fé é uma dimensão indispensável de todo esforço de conhecimento, sejam quais forem as convicções teológicas do sujeito. Não há uma disputa a cotoveladas de espaço entre a fé e a razão, e sim uma operação conjunta de ambas em todo ato de conhecimento, mas em planos diferentes. Essa ideia faz sentido especialmente à luz da antropologia filosófica de Herman Dooyeweerd.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>6.</b> Com base no item 5, Schaeffer critica em Tomás de Aquino a concessão de certo grau de neutralidade à razão humana, como se ela pudesse atuar à parte da fé em alguma medida; ao mesmo tempo, critica Kierkegaard porque este supõe que há uma dimensão da vida humana em que a razão não tem nenhum papel importante, já que <i>"a fé começa precisamente onde acaba a razão"</i>. Ambas são formas de separar a fé da razão, e é a isso que Schaeffer se opunha. Para Schaeffer, embora na aparência pareça haver uma oposição radical entre Tomás e Kierkegaard, eles estão unidos nesse erro mais profundo e radical, com o qual é necessário romper. Por conseguinte, Schaeffer não foi nada subjetivista ao discordar de ambos ao mesmo tempo.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>7.</b> Ao contrário do que afirmou XYZ, conheço várias pessoas que não se importam em ser chamadas de racionalistas. Talvez ele esteja generalizando demais seu próprio sentimento. Apesar disso, ele mesmo não está imune ao racionalismo. Seu modo de entender a relação entre fé e razão é típico do racionalismo mais raso, como o que eu costumava encontrar ao discutir, durante a faculdade, com ateus cientificistas presunçosos e incultos. Ele mesmo afirmou que <i>"estabelecer os claros limites entre razão e fé [...] já é uma forma de racionalismo"</i>, e essa é sua grande preocupação - tanto que é aí que ele situa a grande contradição dos calvinistas criticados. O fato de tal racionalismo vir de alguém que julga estar criticando o racionalismo de outros é deveras revelador, e corrobora a visão vantiliana de que racionalismo e irracionalismo são duas faces de uma mesma moeda, e que em qualquer cosmovisão não-redimida as duas estão sempre presentes, ainda que uma possa ser mais aparente.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>8.</b> A ironia do item 7 tem um corolário nas palavras finais de XYZ, para quem o calvinismo ignora a subjetividade envolvida no esforço de interpretação das Escrituras. Ele está correto em ver racionalismo nisso, mas está errado em supor que a abordagem de Schaeffer (ou do calvinismo em geral) seja essa. À luz dos itens 4 e 5, a questão não é "até que ponto" podemos interpretar a Bíblia de modo autônomo e objetivo, e sim se estamos dispostos a nos deixar ensinar por ela, isto é, se vamos a ela com o propósito de permitir que o Espírito das Escrituras guie nosso entendimento. A fé é depositada no Cristo da Bíblia, e não só no próprio texto. E fé, aqui, não é o que acontece depois que a razão para de funcionar, e sim a esperança de redenção (intelectual e hermenêutica, inclusive) que depositamos.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><b>9.</b> Em meio a tantos equívocos, XYZ fez pelo menos uma coisa bastante acertada, ao citar as seguintes palavras de Fernando Sabino: <i>"Para mim, a fé prevalece sobre a razão, mas não a contraria. O homem só é um ser racional porque tem fé, mesmo quando pensa que não tem: neste caso, o que ele não tem é razão."</i> Não digo, é claro, que Sabino fosse um pressuposicionalista, mas digo que suas palavras podem ser entendidas dentro desse quadro de referência sem nenhum problema. A precedência da fé sobre a razão e sua operação até no incrédulo (embora seja, nesse caso, uma fé idólatra) e o caráter não-excludente da operação normal de ambas estão claramente expressos aí. Pena que XYZ tenha citado essas palavras achando que elas se opunham às de Schaeffer. Na verdade, elas estão muito mais próximas do pastor americano que do existencialista dinamarquês.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-30211636350028431582013-11-05T23:10:00.000-02:002013-11-06T09:56:02.174-02:00Deveres sem pessoas - parte 14<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/10/deveres-sem-pessoas-parte-13.html">última</a> postagem, dei início aos comentários sobre a seção <i>Motivação moral e a autoridade da moralidade</i> do artigo <a href="http://dmurcho.com/docs/autoetica.pdf"><i>A autonomia da ética</i></a>, do Dr. David Owen Brink. O objetivo da seção é demonstrar que Deus não pode ocupar nenhum papel motivacional legítimo no comportamento moralmente correto do homem. Agora darei continuidade a essa análise. Conforme demonstram as citações já feitas, Brink não questiona o fato de que o cristianismo provê uma motivação prudencial adequada para a moralidade. Além disso, ele reconhece que o secularismo não proporciona uma justificação desse tipo. Sendo assim, só resta a Brink prosseguir atacando a <i>"justificação prudencial"</i>, e isso é o que ele faz em [12.2]:<br /><br /><i>"[...] segundo esta concepção da motivação moral, cada pessoa tem uma justificação instrumental para ser moral, nomeadamente, que ser moral é necessário e suficiente para ter uma bem-aventurada vida depois da morte. Segundo esta concepção, o comportamento moral não é bom em si, mas em virtude das suas consequências extrínsecas. Mas [...] supõe-se por vezes que quando se age moralmente por razões puramente instrumentais isto diminui o valor moral dessa acção. Deus pode escolher recompensar o altruísmo desinteressado, mas não pode ser a perspectiva desta recompensa que motiva os agentes, sem que isso ao mesmo tempo roube tais acções das mesmíssimas características que Deus quereria recompensar."</i><br /><br />Há várias meias-verdades nesse parágrafo. Brink não problematiza o conceito de <i>"justificação instrumental"</i>, quando deveria fazê-lo. Se eu faço o bem à minha esposa por querer o bem dela (afinal, eu a amo), isso exclui o meu desejo de tornar mais fácil que ela me ame de volta? E, caso não exclua, essa segunda motivação é imoral? Ela rouba ou diminui a virtude do bem que faço à minha esposa? Isso é a mesma coisa que fingir amá-la para obter vantagens e recompensas? Seria esse um caso de <i>"justificação instrumental"</i>? No meu entendimento, tudo isso é sem sentido. Brink diz absurdos justamente porque, como já expliquei, ele está preocupado demais com o Deus Juiz. Ele faria bem em se preocupar ainda mais, mas o problema é que ele está preocupadocom isso por motivos errados, puramente instrumentais.<br /><br />Se Brink conseguisse por um instante pensar em Deus como um ser pessoal e entender nossa relação com Deus como uma relação pessoal, veria que suas categorias de pensamento sobre o papel motivacional de Deus para a moralidade são fundamentalmente inapropriadas. É por isso que ele cai no dilema entre benefícios extrínsecos e intrísecos da virtude, entre o uso interesseiro e o uso indiferente da moralidade. Se ele levasse isso a sério, seu casamento não duraria mais seis meses, pois ele teria de escolher entre enganar sua esposa e não se importar com ela - no primeiro caso, tratando-a segundo seus próprios interesses; no segundo, suprimindo seu desejo pelo bem dela. Mas a Bíblia resolve o dilema ao dizer: <i>"quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus"</i> (1 Coríntios 10.31). Isso não é uma caça às recompensas, e tampouco é um <i>"altruísmo desinteressado"</i>. É um altruísmo bastante interessado, que dá glória a Deus em primeiro lugar, serve às pessoas e se beneficia com a consciência limpa das recompensas daí advindas - as quais, ao contrário do clichê que Brink repete sem pensar, não começam só depois da morte, mas também são fruto da providência de Deus e das leis divinas inscritas na estrutura da criação. O cristianismo não cabe nas categorias de pensamento do Dr. Brink.<br /><br />Brink persiste, no entanto, em seu dualismo, como ao argumentar em [12.3] que, <i>"se a virtude deve ser cultivada pelas suas próprias recompensas, esta justificação deve evitar o apelo aos benefícios extrínsecos da virtude, que são conceptualmente separáveis do facto da virtude, e apelar em vez disso para os benefícios inseparáveis da própria virtude"</i>. E conclui:<br /><br /><i>"Saber se estas concepções das recompensas intrínsecas da virtude são defensáveis é uma questão complexa. O que é importante para os nossos propósitos é que se a virtude é a sua própria recompensa, então haverá um sentido importante em que o apelo às sanções e recompensas divinas fornece uma justificação prudencial da moralidade que é simultaneamente desnecessária e indesejável."</i><br /><br />Na nota 19, o Dr. Brink remete a um outro artigo seu para a discussão sobre as <i>"recompensas intrínsecas da virtude"</i>, sobre as quais ele não toma partido aqui. De qualquer modo, é frustrante o fato de ele basear todo o seu argumento em uma premissa de importância fundamental que, no entanto, não é defendida no próprio texto. Pior ainda, ele sequer se posiciona claramente acerca dela. Escreve apenas um <i>"se"</i>; se a hipótese não for válida, ele não levantou objeção alguma; e, se for, ele não a defendeu com argumentos.<br /><br />O parágrafo [12.4] expõe uma outra visão filosófica possível do tema, nos seguintes termos:<br /><br /><i>"Esta concepção da autoridade da moral tem de insistir que o facto de eu atender a uma exigência moral qualquer de outra pessoa é em si uma razão para eu agir, independentemente de {me} beneficiar com isso. Isto seria uma concepção imparcial da razão prática, reconhecendo uma razão inderivativa para beneficiar os outros. Esta concepção foi mais plenamente desenvolvida na tradição kantiana. Saber se esta concepção é defensável ou não é também uma questão complexa. O que é significativo para os nossos propósitos é que esta concepção da autoridade da moral rejeita a justificação prudencial da moralidade a que muitas tradições religiosas dão corpo."</i><br /><br />Vê-se que isso é apenas mais do mesmo. Lamentavelmente, O autor não se posiciona sobre a vertente que expõe, e não a fundamenta com argumentos. Aqui, outra vez, ele aponta um outro artigo seu sobre o tema. Além disso, como já observei na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/07/deveres-sem-pessoas-parte-9.html">nona parte</a> desta série, a visão kantiana da moral só faz sentido à luz de todo o restante do sistema kantiano, que Brink certamente não abraça. Sem esses pressupostos, Brink não tem nenhuma razão para nos dizer que devemos ser imparciais, e que é por isso que a moralidade dispensa Deus. Ao contrário, parece que a imparcialidade é uma regra moral como outra qualquer, e estamos perguntando sobre as motivações dela juntamente com todo o resto. Não há aqui um argumento sequer sobre por que devemos agir de modo moralmente correto sem justificação prudencial.<br /><br />Essa seção do artigo é decepcionante pela escassez de argumentos. Tenho a impressão de que Brink está se limitando a listar teses e escolas filosóficas que se oporiam ao que ele pensa ser a religião tradicional. Sendo ele, porém, bastante ignorante sobre o que está criticando - não chegando sequer a entender, por exemplo, as motivações religiosas de um cristão para agir de modo moralmente correto -, mesmo seus poucos argumentos acabam não valendo nada.<br /><br />Assim, depois de muita confusão e pouco argumento, a seção é concluída em [12.5] da seguinte forma: <i>"Quer decidamos que a virtude é a sua própria recompensa quer decidamos que nenhuma recompensa é necessária, parece que podemos justificar a conduta e o cuidado morais de maneiras que não atribuem qualquer papel que seja a Deus"</i>. Como nas seções anteriores, aqui Brink atribui ao "teísmo" um dilema que só tem sua razão de ser dentro de um esquema que desconsidera a pessoalidade de Deus.<br /><br />Com isso, encerro minhas considerações sobre a seção <i>Motivação moral e a autoridade da moralidade</i>.</span></div>
<br />
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<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">*******</span></div>
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<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"></span><span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"></span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"></span><span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Resta do artigo apenas um parágrafo, [13.1], que vem sob o subtítulo <i>Comentários finais</i>. Antes de passar a ele, no entanto, quero complementar tudo o que já disse sobre o conteúdo do artigo com uma breve observação sobre algo de que ele não trata, e que me parece ser uma omissão deveras relevante. Talvez eu devesse ter dito isso em um momento anterior desta série, mas creio que não é tarde demais para dizê-lo agora. É o seguinte: em certo sentido, toda essa discussão é enganosa. Todos os esforços de Brink para colocar dificuldades à posição "teísta" com base na moralidade apenas pressupõem que o ateísmo é uma alternativa viável. Mas, se há "teísmos" com dificuldades para dar conta da objetividade moral, o ateísmo não explica sequer a simples existência de categorias morais na mente humana. Uma vez que se admita um universo feito de matéria, energia, tempo, espaço e leis físicas, não há nenhum meio pelo qual possa resultar alguma dimensão moral, mesmo que apenas ilusória. A consciência moral é impossível nesse quadro, porque a própria consciência é impossível em todos os domínios. Esse é um problema para o qual eu tinha esperança de ver alguma discussão no artigo de Brink. Mas é mais um tema sobre o qual ele parece jamais ter pensado adequadamente.</span><br />
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"></span><span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br />O parágrafo final resume as conclusões centrais do artigo - todas equivocadas, como já creio ter demonstrado. Talvez fosse bom eu fazer um resumo de meus argumentos, mas estou com pouco tempo para isso. Porém, nem tudo nesse parágrafo final é mera repetição. Ao exaltar mais uma vez a autonomia da ética, o Dr. Brink afirma que <i>"é esta concepção moralizada dos deuses que afasta Sócrates do género de politeísmo sem princípios dos seus antecessores e contemporâneos"</i>. Ainda que isso seja verdade, apenas reforça minha impressão de que, em se tratando de religião, a estrutura de plausibilidade de Brink está fortemente circunscrita ao ambiente politeísta onde a filosofia nasceu. Sua tentativa de analisar o monoteísmo judaico-cristão sem perceber que precisa refinar ou reformular suas categorias de pensamento é o grande responsável, no plano teórico, pelo seu fracasso - aquilo que na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/04/deveres-sem-pessoas-parte-3.html">terceira parte</a> designei como um politeísmo de um deus só.<br /><br />Porém, o fracasso filosófico geralmente tem motivações mais profundas, e o parágrafo final também dá mostras disso. O breve comentário sobre Sócrates transcrito acima é seguido por uma nota que diz: <i>"Esta concepção moralizada dos deuses pode ser também responsável por Sócrates ter sido levado a tribunal, acusado de impiedade, ainda que possamos pensar que esta concepção moralizada é mais piedosa do que a sua rival sem princípios"</i>. Desconheço evidências de que seja esse o motivo da acusação feita a Sócrates, mas o que me parece mais notável é o fato de Brink se referir à sua própria concepção como <i>"moralizada"</i> e <i>"mais piedosa"</i>, ao passo que a dos religiosos por ele criticados ao longo de todo o artigo é <i>"sem princípios"</i>. Brink vê aqui uma versão milenar do duelo entre sua <i>"autonomia da ética"</i> e o voluntarismo que ele definiu como o vilão do artigo. Repito que não aceito essas categorias, mas é o ponto de vista de Brink que importa aqui. Se ele elogia Sócrates, é porque olha o velho filósofo grego e vê sua própria imagem refletida. Sua intenção, no fim das contas, é bastante autolaudatória; e, falando de uma perspectiva mais ampla, boa parte do esforço despendido nesse artigo, se não no restante de sua obra, consiste em provar, para os outros e para si mesmo, que ele pode ser bom sem depender de Deus para isso.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-30028194490878656132013-10-29T21:48:00.000-02:002013-10-29T21:48:26.991-02:00Deveres sem pessoas - parte 13<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Esta é a mais longa série de postagens que já publiquei neste blog. Ao longo dela, venho tecendo comentários sobre o artigo <a href="http://dmurcho.com/docs/autoetica.pdf"><i>A autonomia da ética</i></a>, no qual o filósofo ateu David Owen Brink buscou mostrar que não há papel para Deus na objetividade moral. Nesta postagem, passo a me dedicar à seção <i>Motivação moral e a autoridade da moralidade</i>, [10.3-12.5]. Nela o autor busca excluir Deus do terceiro papel possível que ele pode ter na moral: o da motivação para uma conduta correta (as duas primeiras eram o papel metafísico e o epistemológico). Brink dá início à seção, em [10.3], declarando que <i>"Deus desempenha um papel motivador na ética se fornece um incentivo necessário para sermos morais"</i>. Naturalmente, ele não crê que seja o caso. Mas nesse parágrafo inicial ele apenas descreve esse possível papel. Vejamos como o faz:<br /><br /><i>"Se calcularmos apenas os custos e benefícios terrenos da virtude, parece que não podemos sempre mostrar que é sempre melhor para nós sermos morais. Mas se a justiça exige que se puna o vício e se recompense a virtude, a justiça perfeita de Deus parece implicar que ele usaria o Céu e o Inferno para recompensar a virtude e punir o vício. Porque a vida depois da morte é eterna, as suas sanções e recompensas tornariam irrelevantes os custos e benefícios terrenos da virtude e do vício. Segue-se que a perspectiva de sanções e recompensas divinas poderia fornecer uma motivação prudencial para a moralidade que parece ausente se restringirmos a nossa atenção às sanções e recompensas seculares."</i><br /><br />É essa a tese que o Dr. Brink pretende refutar no restante da seção. Considero interessante destacar que nesse ponto, embora o autor ainda não tenha sequer começado a argumentar, seu equívoco já está mais que evidente: o tratamento que ele dá à questão é estritamente "prudencial". O único papel motivacional que Brink é capaz de conceber para Deus é o de executor de um princípio impessoal de justiça, cuja existência torna pouco recomendável que cada um aja como bem entende. Como em todo o restante do artigo, nenhuma consideração séria de Deus como um ser pessoal é tentada aqui.<br /><br />Que outras motivações Deus poderia exercer sobre a moralidade? Ora, imaginemos que o Dr. Brink chegue em casa certo dia e diga à sua esposa: "Querida, andei pensando e concluí que sua presença em minha vida é um excelente motivo para eu não procurar outras mulheres. Afinal, a probabilidade de você descobrir tudo é sempre alta, e isso geraria para mim consequências desagradáveis que vão desde o clima ruim aqui em casa até a perda da admiração de pessoas que eu prezo, o que fatalmente ocorreria se você contasse a elas sobre minhas escapulidas. Além disso, se você resolvesse se divorciar de mim, seria pior ainda: eu iria à falência pagando a pensão das crianças. Por isso, alegre-se: você tem para mim um papel motivador muito forte." Nesse caso, a sra. Brink teria algum motivo para se sentir amada e lisonjeada? Acharia ela que seu marido tem uma noção correta do que significa o casamento? Que ele está se privando do adultério pelos motivos corretos? É claro que não. Ao contrário, ela teria plena razão em se sentir insultada e humilhada.<br /><br />No entanto, o <i>"papel motivador"</i> que Brink atribui a Deus nesse parágrafo é idêntico, exceto pelo fato de que Deus seria mais eficiente em descobrir seus deslizes. Brink insulta Deus com uma naturalidade tal que torna o insulto ainda mais grave. Sequer lhe ocorre que alguém possa ser motivado a uma vida moralmente correta por outros fatores: por amor a Deus (que leva naturalmente ao desejo de agradar a pessoa amada), por gratidão às tantas bênçãos recebidas da parte dele, por desejar glorificar seu nome no mundo, por desejar a semelhança de Cristo, por ter consciência de sua própria treva interior e estar convencido de que só Deus pode nos libertar dela... Não; Brink não tem nenhum interesse em Deus como pessoa, e não é capaz de conceber que alguém possa tê-lo. Para ele, Deus é só uma instância jurídica infalível. É assim que as motivações excusas do coração humano, em sua perversão e rebeldia contra Deus, são "inocentemente" convertidas em premissas dogmáticas de sofisticadas teorias filosóficas. A atitude do Dr. Brink em [10.3], bem como em todo o restante da presente seção, é uma excelente ilustração do que a filosofia reformada chama de "efeitos noéticos do pecado".<br /><br />De [11.1] em diante, Brink passa a se ocupar da <i>"razão pela qual havemos de dar importância às exigências morais"</i>; em outras palavras, <i>"procura-se uma defesa prudencial da autoridade da moralidade"</i>. Assim, ao menos por enquanto, o autor prosseguirá na mesma limitação auto-imposta declarada no parágrafo anterior, a qual é bastante artificial. Segundo Brink, não podemos <i>"estar à procura de uma razão moral para sermos morais"</i>. Não vejo por que não, exceto pelo fato de que, para a teoria moral secular, é difícil responder a essa pergunta. A objetividade da moral é em si uma razão suficiente para sermos morais, pois taz como implicação imediata a normatividade do aspecto moral da realidade. E todo o problema do compromisso de Brink é que ele não é capaz de fundamentar adequadamente essa objetividade.<br /><br />Não obstante, uma vez constatada a (ao menos possível) tensão entre as exigências da moral e o nosso interesse próprio, é necessário responder a ela. Brink começa uma <i>"defesa secular tradicional da moralidade"</i> dizendo, em resumo, o seguinte em [11.2]:<br /><br /><i>"Apesar de poder ser desejável ficar com os benefícios do cumprimento alheio das normas de temperança e cooperação sem incorrermos nós próprios nesse ónus, as oportunidades para o fazer são <b>infrequentes</b>. [...] Por esta razão, o cumprimento é <b>tipicamente</b> necessário para usufruir dos benefícios do cumprimento constante dos outros. [...] o cumprimento é <b>muitas vezes</b> necessário para evitar sanções sociais."</i><br /><br />Os destaques são meus, e os fiz a fim de mostrar que Brink reconhece as limitações desse método. Isso fica explícito em [11.3], quando ele diz que, <i>"desde que entendamos a justificação prudencial da moralidade em termos de vantagem instrumental, a coincidência secular entre a moralidade relativa aos outros e o interesse próprio iluminado tem de ser sempre imperfeita. [...] A coincidência imperfeita entre a moralidade e o interesse próprio implica que a imoralidade não tem sempre de ser irracional"</i>. De fato, e talvez aqui resida o maior mérito de Brink nessa seção. Na medida em que reduz a moralidade à racionalidade, essa visão não pode deixar de conceder ao indivíduo o direito (moral) de avaliar racionalmente quais são as exceções que valem a pena. Assim, essa justificativa falha completamente. Afinal, os critérios podem variar de pessoa para pessoa. E, ainda que o juízo de alguém sobre a conveniência de agir mal em um dado caso seja equivocada, só poderemos acusar essa pessoa de ser pouco inteligente, mas não de ser imoral.<br /><br />Em [12.1], Brink volta a introduzir Deus na conversa: <i>"É claro que um Deus omnisciente, omnipotente e perfeitamente bom poderia fazer sanções e recompensas eternas, de modo a tornar perfeita a coincidência entre a moralidade e o interesse próprio"</i>, e assim <i>"poderia fortalecer a justificação prudencial secular da moralidade"</i>. Embora reconheça isso, no entanto, Brink levanta objeções ao papel motivador de Deus na moralidade. A primeira é que talvez a moralidade não exija <i>"uma justificação prudencial perfeita"</i>, e <i>"o que é moralmente correto não seja sempre prudente"</i>. Sem dúvida, a moralidade secular precisa lidar com essa possibilidade. Mas esse fato não chega a ser uma objeção, pois depende de um <i>"talvez"</i> para cuja demonstração não é feito nenhum esforço. E, na verdade, só a inexistência de Deus poderia constituir prova suficiente, de modo que, dado o escopo do artigo, o argumento é circular. Pois, se Deus existe, o que é moral é sempre prudente.<br /><br />Na próxima postagem trarei o restante de minhas considerações sobre essa seção, e também os comentários finais ao artigo e, com isso, a conclusão desta série.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-18325438972366577202013-09-08T14:04:00.000-03:002013-09-08T14:04:02.672-03:00Deveres sem pessoas - parte 12<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/08/deveres-sem-pessoas-parte-11.html">última postagem</a> dei início aos comentários sobre a seção <i>Indício moral e vontade divina</i> do artigo <a href="http://dmurcho.com/docs/autoetica.pdf"><i>A autonomia da ética</i></a>, em que o filósofo ateu americano David Owen Brink argumenta que Deus não é necessário para a objetividade moral. A referida seção ataca especificamente a questão do papel epistemológico de Deus na moralidade. No parágrafo [10.1], o penúltimo da seção, Brink apresenta seu segundo argumento, defendendo que não temos uma revelação divina clara o suficiente para guiar nossa percepção da realidade moral. Esse argumento é dividido em três partes, e na postagem anterior eu havia analisado as duas primeiras. Agora, portanto, passo à seguinte.<br /><br />A terceira parte do segundo argumento de [10.1] é um pouco mais complexa que as anteriores, mas nem por isso menos simplória. Nos <i>"casos em que a tradição e a escritura falam inequivocamente"</i>, Brink questiona <i>"se o que é afirmado deve ser interpretado literalmente"</i>. Seguem-se dois exemplos, cujo efeito retórico depende primariamente da confiança do autor em que os leitores do artigo os considerarão nada menos que absurdos ou ridículos. Ambos são retirados de Deuteronômio (21.18-21 e 22.13-21, respectivamente) e dizem que <i>"os pais podem e devem matar à pedrada os filhos rebeldes"</i> e que <i>"a comunidade pode e deve apedrejar até à morte qualquer esposa cujo marido descubra que não era virgem quando do casamento"</i>.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;"><br />Digo que esse argumento é simplório porque ele reduz demais o problema ao ignorar, por exemplo, que a aceitação da Bíblia como Palavra de Deus não nos obriga a observar toda a letra da Lei de Moisés. À luz do conceito dos pactos sucessivos (tratados, por exemplo, pelo teólogo O. Palmer Robertson em seu clássico <i>O Cristo dos pactos</i>), entender a questão como simples opção entre a literalidade ou não de certas normas jurídicas veterotestamentárias significa nada menos que privar-se de entender a doutrina cristã ao enquadrá-la em categorias que não lhe são próprias. Esse modo de entender (ou, melhor dizendo, de não entender) a Bíblia constitui analfabetismo teológico na medida em que faz abstração da questão importantíssima (e algo controversa) de determinar o que é provisório e o que é permanente na antiga dispensação. Esse é um tópico sempre presente no pensamento cristão, como demonstram as discussões narradas nos Atos dos Apóstolos e a Epístola aos Hebreus inteirinha. Brink não tem o direito de discorrer sobre a literalidade das leis do Antigo Testamento ignorando um tema tão básico. Mas o fato é que o ignora completamente.<br /><br />Contudo, eu havia dito que essa terceira parte do segundo argumento pode, por sua vez, ser subdividida em duas partes. A primeira é a discutida no parágrafo anterior. Mas a segunda também é deveras interessante e reveladora, pois, em vez de tratar de questões morais, como o restante do artigo, faz um desvio em direção às ciências naturais: <i>"uma leitura literal do Antigo Testamento fornece uma data para a idade da Terra e afirmações sobre a história das espécies vegetais e animais que é contradita pelos registos fósseis e geológicos"</i>. Uma afirmação tão peremptória e fora de escopo não merece que eu me dedique a examinar sua veracidade, o que exigiria uma atitude incompatível com tamanho simplismo. É suficiente, para os propósitos desta série, examinar o papel retórico dessa sentença, que busca dar plausibilidade à conclusão do parágrafo: <i>"Temos mais razões para aceitar as afirmações científicas e morais seculares do que para aceitar uma leitura literal destes textos religiosos particulares"</i>. O objetivo retórico evidente dessa manobra é emprestar (por osmose) às suas especulações <i>"morais seculares"</i> o prestígio que as ciências naturais possuem na cultura ocidental contemporânea e, por consequência, vestir nos críticos religiosos dessas mesmas especulações a famosa caricatura do fundamentalista de mente estreita que rejeita fatos científicos porque contradizem sua fé.<br /><br />Não é difícil ver que uma associação tão superficial e gratuita como essa é muito pouco para caracterizar como científicas as elucubrações delineadas na seção <i>Variedades de naturalismo</i>. Já demonstrei isso em minhas críticas ao conteúdo daquela seção (nas partes <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/06/deveres-sem-pessoas-parte-8.html">8</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/07/deveres-sem-pessoas-parte-9.html">9</a> e <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/07/deveres-sem-pessoas-parte-10.html">10</a> desta série), e não tenho nada a acrescentar. A tática é pueril o suficiente para que sua aparição em um artigo com tantas qualidades possa ser considerada decepcionante. Não obstante, desejo fazer apenas uma observação sobre a conduta argumentativa do Dr. Brink nesse ponto. Como já observei na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/03/deveres-sem-pessoas-parte-1.html">postagem inicial</a> da presente série, ele mesmo se define em sua <a href="http://philosophyfaculty.ucsd.edu/faculty/dbrink/">página pessoal</a> como estudioso de <i>"teoria ética, história da ética, psicologia moral e jurisprudência"</i>, sendo portanto, um amador tanto em ciências naturais quanto em teologia. É razoável, portanto, afirmar que suas opiniões sobre ambos os temas se baseiam amplamente na autoridade de pessoas que os estudaram de modo bem mais profundo que ele.<br /><br />Dada essa condição, seria razoável também esperar que o Dr. Brink fosse igualmente cônscio de sua ignorância em ambas as áreas, e não fosse mais desconfiado de uma classe de especialistas que de outra. Ou, caso isso não ocorresse, seria de se esperar que ele tivesse consciência do fato como algo que necessita de explicação, e então a fornecesse no artigo, ainda que em uma sentença breve e simplória, como é seu costume ao tratar de temas que ignora. Afinal, Brink não tem conhecimento de primeira mão sobre os pormenores técnicos e científicos dos debates entre evolucionistas e criacionistas, ou entre evolucionistas e evolucionistas, assim como desconhece os pormenores culturais, históricos e teológicos pertinentes ao esforço de harmonização de contradições bíblicas.<br /><br />Contudo, isso não acontece. Além de fazer afirmações sobre ciência e teologia com a mesma desenvoltura com que discorre sobre seus temas de especialidade, Brink desconsidera a autoridade acadêmica dos teólogos e outros estudiosos cristãos com a mesma naturalidade com que aceita a dos cientistas e outros estudiosos seculares. Quase todos os secularistas que conheço acham essa parcialidade bastante natural e justa. Mas não é, e o Dr. Brink, ao adotá-la, apenas demonstra que é um dogmático da pior espécie: a dos que sequer têm consciência de que possuem dogmas; para eles, seus dogmas são a verdade única e universal, que só um idiota completo é capaz de colocar em discussão. Mas tal procedimento não se justifica racionalmente. Afinal, Brink pretende provar, de um ponto de vista racional e neutro, que Deus não tem um papel epistemológico na moral. Nesse caso, pressupor que os cristãos estão errados e os secularistas estão certos em temas epistemológicos gerais não passa de uma petição de princípio, na melhor das hipóteses.<br /><br />Na verdade, o problema do Dr. Brink é um pouco mais grave do que dei a entender ao contrapor os intelectuais cristãos aos secularistas. Justiça seja feita: a autoridade da ciência, apesar de tudo, não é uma unanimidade entre estes últimos. No brevíssimo artigo <a href="http://blog.karaloka.net/2006/11/13/o-provincianismo-neo-ateu/"><i>O provincianismo neo-ateu</i></a>, publicado na revista<i> Época</i> há vários anos, Marcelo Cavallari afirmou que <i>"Richard Dawkins, Daniel Dennett e os demais autores que se dedicam ao recente ateísmo militante parecem figuras saídas do século XIX"</i>, pois <i>"escrevem como se a filosofia da ciência não existisse"</i>. Não sei quanta semelhança há entre os neo-ateus citados e o Dr. Brink; mas, nesse ponto, a identidade é perfeita. Depois de um século repleto de figuras como Thomas Kuhn, Paul Feyerabend, Michael Polanyi e Michel Henry - apenas alguns dos eminentes pensadores não-cristãos que fizeram críticas avassaladoras à concepção tradicional de ciência, aquela que ainda aprendemos na escola -, o papel que Brink desempenha aqui não pode ser considerado menos que ridículo. Embora pretenda dar aulas de epistemologia, ele desconsidera por completo os debates internos do próprio secularismo sobre os méritos e deméritos da ciência moderna - coisas que aparecem qualquer obra introdutória básica sobre filosofia da ciência.<br /><br />Porém, mais que revelar a ignorância do autor sobre temas acadêmicos relevantes, o parágrafo [10.1] - que, como já afirmei no último post, é um dos mais interessantes do artigo - revela suas lealdades (palavra muito importante que já apareceu na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/05/deveres-sem-pessoas-parte-5.html">quinta parte</a> desta série) e o papel delas em sua cosmovisão. Como observei na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/04/deveres-sem-pessoas-parte-2.html">segunda parte</a>, Brink é bastante honesto quanto às motivações que o impelem a defender a autonomia da ética: além de evitar o relativismo e o niilismo morais, ele deseja também evitar o compromisso com o "teísmo", salvaguardar a <i>"separação entre igreja e estado"</i> e combater a influência cultural e política dos religiosos. A argumentação assimétrica desenvolvida em [10.1] mostra o quanto ele está comprometido com essas metas, e o quanto elas influenciam sua conduta. É importante que fique claro que as motivações vêm necessariamente antes da argumentação e determinam os critérios pelos quais a questão é avaliada - aquilo que os sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann chamam de <i>"estrutura de plausibilidade"</i>. A pretensão de ter excluído o papel epistemológico de Deus na moralidade por meio da argumentação racional e imparcial é uma ilusão que o Dr. Brink alimenta porque não tem suficiente senso autocrítico. Seus compromissos políticos, culturais e espirituais constituem causa, e não consequência, de sua rejeição da moral "teísta".<br /><br />Antes de passar ao próximo parágrafo e encerrar meus comentários a essa seção, pretendo chamar rapidamente a atenção para o padrão que se estabelece aqui. Comentando as atitudes de Brink na postagem anterior, aludi várias vezes à sua "preguiça" de resolver certas dificuldades que se apresentam no estudo da moralidade sob pressupostos "teístas" (na prática, cristãos), em contraste com sua firme convicção de que dificuldades análogas na moral secular não constituem problema. E mostrei na segunda postagem da série que, embora de modo inconsistente com seu materialismo, o autor conseguiu fugir a essa tentação até certo ponto; agora, no entanto, isso não aconteceu. Aqui, como lá, essa preguiça altamente seletiva brota de certos compromissos prévios com uma ontologia e uma epistemologia determinadas. Decorre daí a alegação, tantas vezes repetida, de que é difícil conhecer isto ou aquilo. De fato, dados os pressupostos do ateísmo, conhecer o que quer que seja é impossível, e não apenas difícil; o fracasso retumbante da seção <i>Variedades de naturalismo</i> é um ótimo exemplo disso. Mas e daí? Os cristãos não estão comprometidos com os pressupostos seculares que o autor, de modo inconsciente e dogmático, introduz a todo instante como obviedades. Assim como a incapacidade da ciência de provar a existência de Deus revela uma limitação da ciência, e não de Deus, a incapacidade do Dr. Brink de encaixar a moral cristã em seus critérios seculares revela um problema desses critérios, e não daquela moral. Se o próprio Dr. Brink sequer desconfia dessa possibilidade, é porque, uma vez mais, ele é dogmático demais para suspeitar de si mesmo.<br /><br />Pelas razões que já expus, a seção <i>Indício moral e vontade divina</i> é, em minha opinião, a mais lamentavelmente pobre do artigo. Mas não quero encerrar meus comentários sobre ela sem fazer a Brink um elogio merecido. Em [10.2] ele comenta que uma solução comum aos problemas apresentados no parágrafo anterior consiste em <i>"sancionar a interpretação da tradição e da escritura que fornecem a concepção moralmente mais aceitável da vontade de Deus"</i>. Mas Brink é esperto o suficiente para perceber que, nesse caso, <i>"são as nossas crenças sobre a natureza da moralidade que fornecem indícios sobre a vontade de Deus"</i>, e não o contrário. Embora seja lamentável que ele tenha apresentado apenas essa possível solução ao problema, quando há outras muito melhores à disposição, o fato é que ele tem toda a razão nessa crítica. Esse tipo de solução, tão presente nas teologias liberais e neo-ortodoxas, resulta no vão esforço de enquadrar a verdade bíblica em critérios modernos ou pós-modernos e, dessa forma, fazer concessões a uma cultura tão depravada e carente de redenção quanto qualquer outra que já tenha existido. Uma visão consistente da soberania de Deus sobre a esfera moral não admite julgamentos morais autônomos quanto à veracidade ou pertinência da revelação. Meia autonomia da ética não é preferível a uma inteira.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-81175978097100895142013-08-31T17:42:00.000-03:002013-08-31T17:42:04.228-03:00Deveres sem pessoas - parte 11<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Estou há meses escrevendo e publicando aos poucos um comentário ao artigo <a href="http://dmurcho.com/docs/autoetica.pdf"><i>A autonomia da ética</i></a>, do filósofo ateu americano Dr. David Owen Brink. Na última postagem, ainda tratando da seção <i>Variedades de naturalismo</i>, fiz algumas considerações de ordem epistemológica. A seção seguinte, <i>Indício moral e vontade divina</i>, tem apenas cinco parágrafos, [9.3-10.2], e trata justamente do papel epistemológico de Deus na moralidade. Sua questão central fica clara já no parágrafo inicial:<br /><br /><i>"Mesmo que Deus não faça algo ser moralmente bom ou mau, poderá mesmo assim ser um indicador de confiança do que o é, fornecendo-nos indícios sobre os nossos deveres morais. Na verdade, se Deus existe e é moralmente perfeito e omnisciente, então a sua vontade tem de ser um indicador perfeito do que é (independentemente) valioso. Não daria isto à religião um papel epistemológico significativo na moralidade?"</i></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Como era de se esperar, Brink responde negativamente. Passo agora a analisar os argumentos apresentados nessa seção, começando na presente postagem e terminando na próxima. Naturalmente, tal discussão pressupõe o que o autor julga já ter demonstrado nas seções anteriores. Da mesma forma, minha réplica pressupõe a validade das críticas que já fiz nas dez postagens precedentes, de modo que o que se segue pode ser melhor compreendido à luz do que foi dito. É o caso, por exemplo, do primeiro argumento levantado por Brink, em [9.4]:<br /><br /><i>"Mesmo que Deus fornecesse uma fonte de indícios sobre as exigências da moralidade, não teria de ser a única ou a mais importante. Afinal, se o naturalismo for verdadeiro, as exigências da moralidade têm uma fonte metafísica que não a vontade de Deus. As exigências morais serão presumivelmente uma questão de promover a justiça, os direitos e a felicidade. Temos a possibilidade de raciocinar directamente sobre estas questões morais, entregando-nos ao raciocínio moral secular, em vez de o fazermos obliquamente através da consulta {a} um barómetro divino destas matérias."</i><br /><br />Como se vê, o argumento depende, de modo explícito e consciente, da premissa de que Deus não tem um papel metafísico na moral. O autor defendeu essa tese na seção <i>Voluntarismo, naturalismo e o problema de Êutífron</i>. Dessa forma, levando em conta sua confiança em métodos secularistas de pesquisa moral, como os apresentados na seção <i>Variedades de naturalismo</i>, é natural que o Dr. Brink veja Deus como um mediador dispensável. Contudo, dediquei cinco posts (partes <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/04/deveres-sem-pessoas-parte-3.html">3</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/04/deveres-sem-pessoas-parte-4.html">4</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/05/deveres-sem-pessoas-parte-5.html">5</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/05/deveres-sem-pessoas-parte-6.html">6</a> e <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/05/deveres-sem-pessoas-parte-7.html">7</a>) à refutação dos argumentos de Brink contra o papel metafísico de Deus na moralidade, e três (partes <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/06/deveres-sem-pessoas-parte-8.html">8</a>, <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/07/deveres-sem-pessoas-parte-9.html">9</a> e <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/07/deveres-sem-pessoas-parte-10.html">10</a>) à crítica de seus métodos seculares. Brink se engana ao supor que há uma lei moral à parte do caráter de Deus; consequentemente, ainda que ele não saiba disso, seus métodos nada mais são que tentativas de entender o caráter de Deus desconsiderando o próprio Deus, o que não tem sentido. Isso se nota especialmente em algo que já denunciei na última postagem, mas que convém trazer à tona novamente: ao "presumir" que as "exigências morais serão [...] uma questão de promover a justiça, os direitos e a felicidade", Brink ignora solenemente a justiça, os direitos e a felicidade do próprio Deus, como se não tivéssemos deveres em relação a ele.</span></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Segue na mesma direção o segundo argumento, apresentado em [9.5]:<br /><br /><i>"Os ateístas pensarão que estes indícios directos e seculares {são} tudo o que há. Mas mesmo os teístas devem reconhecer a existência destes indícios directos e preferi-los no caso de os indícios indirectos sobre a vontade de Deus {serem} suficientemente difíceis de obter."</i><br /><br />O terceiro argumento, que busca demonstrar essa dificuldade, será apresentado em seguida e constitui, na verdade, a parte mais interessante da seção. Mas, antes de passar a isso, quero apenas relembrar que, como venho dizendo desde a <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/04/deveres-sem-pessoas-parte-2.html">segunda parte</a>, o autor não tem a menor ideia de qual é o fundamento metafísico da moralidade. Sendo assim, que garantia ele pode nos dar de que a opinião de Deus é um indício menos direto que a razão humana, ou que qualquer outra faculdade humana? Essa afirmação é dogmática e gratuita, dados seus pressupostos. O ateu tem todo o direito de discordar de Brink nesse ponto e concluir que, dada a falta de fundamentação racional dessa proposta, devemos considerar que as verdades morais inexistem ou que não temos acesso a elas, de modo que cada um faz bem em perseguir seus interesses sem preocupações dessa ordem. Como já observei antes, as premissas de Brink não lhe permitem sustentar a objetividade da ética de modo consistente.<br /><br />Além disso, como já observei na oitava parte, Brink é bastante ignorante em matéria de teologia, e as consequências disso se manifestam também aqui. Mostrei no último post que suas metodologias de pesquisa no terreno da moral não têm valor racional; na verdade, nem chegam a constituir autênticas metodologias, e isso justamente porque não dispõem de um absoluto definido que lhes sirva de fundamento. Tal condição é inerente ao ateísmo. Se há, pois, algum método capaz de atender aos anseios de Brink, só pode ser um método baseado em pressupostos teístas, ainda que não seja explicitamente teológico. Em outras palavras, mesmo que o objeto de estudo não seja o conteúdo moral da revelação especial (isto é, a Bíblia), o método não poderá deixar de entender as verdades morais investigadas como parte da revelação geral. Mas Brink ignora, ao menos nesse artigo, o conceito revelação geral, e é aqui (digo, também aqui) que reside sua ignorância teológica. Se fosse mais instruído no assunto, ele saberia que, no contexto da cosmovisão cristã, simplesmente não faz sentido falar em indícios morais que não decorram de revelação divina, ainda que tais indícios, por hipótese, não estejam presentes na Bíblia e possam ser encontrados em outras fontes, pois estas também foram criadas por Deus e o revelam de alguma maneira.<br /><br />Dito isso, podemos passar ao parágrafo seguinte, cujo propósito é mostrar que não há uma revelação confiável da vontade de Deus sobre assuntos morais, isto é, que não dispomos de meios racionalmente seguros para conhecer essa vontade. São levantados dois argumentos, sendo que o segundo se divide em três partes, e essa terceira parte pode ser subdividida em duas. Várias dessas questões poderiam ser (e de fato foram) tratadas amplamente em livros de teologia e apologética. Aqui não posso ter a pretensão de abordar os temas de modo profundo. E tampouco considero isso necessário, pois o Dr. Brink os levantou de modo extremamente superficial e desajeitado, sem qualquer intenção de problematizá-los de fato. Proporcionalmente, minhas respostas serão até profundas demais.<br /><br />O primeiro argumento do parágrafo [10.1] diz que <i>"há múltiplas tradições e escrituras. Na medida em que afirmam coisas opostas sobre a vontade de Deus, não podem ser todas verdadeiras. Mas é difícil saber como determinar quais das tradições e escrituras são mais fiáveis."</i> Observo, de passagem, que a afirmação central já depende de uma certa concepção de Deus. Eu endosso essa concepção, mas o fato de o Dr. Brink apresentá-la como a coisa mais óbvia do mundo é um sinal claro da estreiteza de seu campo de referências - ou, dizendo em português mais claro, de sua ignorância sobre o tema das religiões em geral, muitas das quais não endossariam essa premissa, que considerariam racionalista demais.<br /><br />Mais interessante para a presente discussão, porém, é o fato de que também há múltiplos sistemas seculares sobre o conteúdo da lei moral e seus fundamentos, mas nem por isso o Dr. Brink se exime da árdua tarefa de se lançar ao assunto e estudar profunda e incansavelmente a fim de identificar os méritos e deméritos de cada uma. Uma pequena amostra de suas reflexões desse teor foi apresentada na seção <i>Variedades de naturalismo</i>, nesse mesmo artigo. Nem parece o mesmo homem que agora reclama preguiçosamente que determinar <i>"quais das tradições e escrituras são mais fiáveis"</i> é muito difícil, a tal ponto que ele não pretende sequer dar início à investigação do tema. O contraste entre as duas atitudes é notório, especialmente porque não há nada no artigo que o justifique.<br /><br />O segundo argumento se concentra nas <i>"questões em aberto"</i> existentes até em <i>"uma só tradição religiosa"</i>. Como já mencionei, esse argumento se divide em três partes. A primeira é que, <i>"Sobre alguns tópicos morais possíveis, a tradição e a escritura podem fazer silêncio"</i>. Porém, uma vez mais, o mesmo pode ser dito de qualquer sistema moral. Jean-Paul Sartre, por exemplo, levantou em <i>O existencialismo é um humanismo</i> uma questão moral para a qual não há solução óbvia no sistema kantiano. No entanto, isso não impediu o Dr. Brink de tratar a moral kantiana com muita seriedade no artigo em questão. Ele certamente não acha improvável que, embora Kant não tenha lidado com a referida questão em seus escritos, uma compreensão aprofundada dos princípios subjacentes ao sistema kantiano traga uma solução para o problema. Eu também não duvido que o caso seja justamente esse. Como especialista em jurisprudência, o Dr. Brink sabe que nem tudo está escrito na Constituição, mas que nem por isso as decisões em casos singularmente complicados são necessariamente arbitrárias ou desvinculadas dos princípios constitucionais. Por que isso seria diferente em se tratando de códigos morais fundados em tradições religiosas? E, uma vez mais, o que justifica tamanha preguiça da parte de Brink? Até onde posso ver, nada. E tampouco se justifica que essa preguiça seletiva seja apresentada como argumento tão fulminante que duas linhas bastam para evidenciar sua validade.<br /><br />A segunda parte do segundo argumento consiste na afirmação de que <i>"a tradição e a escritura podem falar [...] de maneiras opostas"</i>. A nota 15 cita como único exemplo a contradição bíblica da <i>"doutrina do </i>'olho por olho'<i> [...] com a doutrina do </i>'oferecer a outra face'<i>"</i>. Sem dúvida isso é melhor que não citar exemplo algum, como no caso que acabo de discutir. Porém, considero relevante o fato de que esse exemplo, justamente por ser clássico, é discutido até nos mais vagabundos manuais de apologética e comentários exegéticos das passagens bíblicas citadas. Isso para não mencionar as obras que tratam teologicamente do tema em um nível bem mais profundo. O fato de o Dr. Brink desconhecer dois milênios de reflexão cristã sobre o tema e apresentar a suposta contradição como a coisa mais óbvia e indiscutível do mundo é nada menos que decepcionante, menos pela ignorância em si que por seu caráter inconsciente, ingenuamente autoconfiante e, em decorrência disso, presunçoso. Brink poderia pelo menos ter refletido um pouco sobre o contraste entre as duas passagens à luz das diferenças entre os deveres da pessoa humana e os da autoridade constituída.<br /><br />A terceira parte do argumento, com suas duas subdivisões, será avaliada no próximo post.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-61180778947082358932013-07-24T23:10:00.000-03:002013-07-24T23:10:22.256-03:00Deveres sem pessoas - parte 10<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/06/deveres-sem-pessoas-parte-8.html">penúltima</a> postagem da presente série fiz uma descrição da metodologia secularista de investigação da moral que David O. Brink propõe na seção <i>Variedades de naturalismo</i> de seu artigo <a href="http://dmurcho.com/docs/autoetica.pdf"><i>A autonomia da ética</i></a>. E na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/07/deveres-sem-pessoas-parte-9.html">última</a>, indo do geral para o específico, descrevi e critiquei separadamente as três abordagens seculares que o autor apresenta ali. É importante não ser injusto com o Dr. Brink. Depois de expor as três alternativas, ele deixa claro em [9.2] que <i>"O nosso compromisso com a autonomia da ética exige apenas que algumas delas pareçam intelectualmente promissoras"</i>. Ele tem razão. Pode-se optar por apenas uma das três, ou mesmo por alguma outra versão não citada do naturalismo ético. Contudo, é razoável supor que, se Brink citou especificamente essas três, deve ser porque as considera mais promissoras que outras possíveis candidatas. E o que tentei fazer na postagem anterior foi justamente mostrar que nenhuma delas é de fato promissora. Lembremos que a pergunta fundamental da seção, enunciada em [6.2], é: <i>"Mas em que consistem as exigências ou qualidades morais se não consistem na atitude ou vontade de Deus?"</i> Guiado por essa questão, em [6.3] ele afirmou: <i>"É relevante para a nossa investigação sobre se a moralidade exige uma fundação religiosa na medida em que a plausibilidade da autonomia da ética depende de haver algumas explicações promissoras do que são as exigências e distinções morais."</i> Nesse caso, formalmente falando, todo o seu esforço é nada mais que um <i>reductio ad absurdum</i>, ou seja, seu fracasso leva necessariamente à conclusão oposta da que pretendia provar.<br /><br />Dito isso, encerrarei meus comentários a essa seção voltando do específico para o geral, a começar por duas breves observações sobre os esforços de Brink e suas consequências. Ambas são aplicações diretas de ideias levantadas e discutidas por dois pensadores cristãos do século XX.<br /><br />O primeiro é Francis Schaeffer. No livreto <i>A igreja do final do século XX</i> há um trecho curioso em que ele enuncia as <i>"únicas três possibilidades"</i> de uma moral social sem Deus. A pergunta que Schaeffer busca responder é basicamente a mesma que Brink enuncia nesta seção, mas com foco sociológico e político em vez de epistemológico. A primeira das três opções é o que ele chama de <i>"hedonismo"</i>: a consciência individual é absoluta, e toda coerção social ou política é moralmente errada. A máxima "é proibido proibir" resume bem essa opção, inclusive em sua autocontradição flagrante. A segunda é a <i>"ditadura dos 51 por cento"</i>, pela qual a verdade moral é a convenção apoiada pela maioria, à qual os restantes têm o dever de se sujeitar. A única imoralidade seria, então, fazer algo que a maioria não deseja que seja feito. E a terceira opção é o <i>"totalitarismo"</i>, pelo qual decidirá o certo e o errado quem tiver poder político para impor sua vontade; ser imoral, nesse caso, é sinônimo de contrariar quem porventura estiver no poder. Essas são as únicas opções humanistas possíveis; são mutuamente incompatíveis, de modo que mesmo uma tentativa de combinar duas delas, ou as três, terá de hierarquizá-las e escolher uma delas como fundamental. Mas a moralidade, como já defendi na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/05/deveres-sem-pessoas-parte-5.html">quinta parte</a>, é necessariamente pessoal. Uma vez que Deus tenha sido retirado da conversa, o único legislador possível é o próprio homem, seja o indivíduo ou a coletividade, exercendo sua função diretamente ou por delegação. As opções epistemológicas aventadas por Brink (vantagem mútua, imparcialidade e responsabilidade) são todas abstratas o bastante para serem incapazes de escapar a esse "trilema" no plano prático - assim como no teórico, como já mostrei. É necessária uma teoria moral que torna imorais simultaneamente o egoísmo individual, a opressão das minorias e a dos que não têm poder político. Nenhuma das três abordagens de Brink oferece isso.<br /><br />O segundo intelectual cristão é o já citado C. S. Lewis. Em <i>Cristianismo puro e simples</i> há um capítulo chamado <i>As três partes da moralidade</i> (esta discussão está cheia de tríades!) em que ele ilustra nossa relação com a moral mediante uma analogia com uma frota de embarcações. As três dimensões da moral seriam análogas, respectivamente, ao bom funcionamento interno de cada embarcação, à manutenção de sua trajetória em relação ao restante da frota e à execução do percurso correto rumo ao destino. Assim, a moral tem uma dimensão individual, uma social e uma teleológica (e, por implicação, teológica). Em outras palavras, ela depende de como lidamos com nós mesmos, com os outros seres humanos e com Deus. Pretendo aqui apenas chamar a atenção para o fato de que só a segunda dessas três categorias de relações é abarcada pelo conjunto das elucubrações éticas do Dr. Brink. Isso sem dúvida é psicologicamente compreensível, mas não se justifica filosoficamente. O silêncio sobre as outras duas partes da moralidade apenas pressupõe dogmaticamente que não temos nenhum dever moral que não seja em relação a outros seres humanos; em particular, que Deus não tem o direito ou o interesse de exigir nada de suas criaturas morais. Em matéria de direitos, portanto, o Deus do Dr. Brink não está sequer em pé de igualdade com suas criaturas; está abaixo delas. Repito que isso é psicologicamente compreensível, e espiritualmente mais ainda. Mas essa característica onipresente na argumentação de Brink refuta, uma vez mais, sua pretensão de estar estabelecendo uma ética mais compatível com o "teísmo". Não obstante, insisto que o Dr. Brink não estava sendo desonesto quando declarou, em [5.3], que sua autonomia da ética é compatível com o teísmo; ele "apenas" não sabia do que estava falando.<br /><br />Os problemas, porém, ainda não acabaram. Terminei a oitava parte dizendo que, para Brink, <i>"O 'ajuste dialético', ou seja, a coerência interna de juízos e intuições estabelecida pela razão, é o critério epistemológico final da 'teoria moral secular'."</i> Mas há vários problemas com esse critério final. O maior deles é o fato de não ser um critério final. Nada impede, por exemplo, que existam vários esquemas internamente coerentes e compatíveis com as intuições morais usadas como ponto de partida e que, no entanto, sejam incompatíveis entre si. Havendo tal coisa, o critério de Brink não ajudará a descobrir qual desses esquemas é o verdadeiro.<br /><br />Da mesma forma, nada em sua argumentação garante que as próprias intuições das quais se parte são corretas, nem que são as únicas relevantes. Consequentemente, a proposta de Brink não diz (e não pode dizer) como se resolverão eventuais desacordos nesse campo. Brink está dizendo apenas que tudo será resolvido por meio da argumentação; mas isso está longe de ser uma metodologia. Ele não chega sequer a propor como ponto de partida o exame das convicções morais comuns a todas as culturas humanas, como fez Lewis. Nenhum método de tratamento de questões antropológicas relevantes, do tipo que ele exaltou em [4.4] ao falar em <i>"propriedades naturais"</i>, aparece neste ponto. Na verdade, não há aqui sequer a consciência mais genérica de que a ética e a epistemologia não podem se sustentar à parte da ontologia.<br /><br />Em resumo, o método consiste em algo assim: pensemos e argumentemos para ver aonde conseguimos chegar. Ora, isso não é um método, e sim a própria definição de falta de método. O autor não tem critérios concretos para determinar o ponto de partida, nem o caminho a ser percorrido. Só lhe resta fazer o papel do Deus que nega, estabelecendo dogmaticamente como premissas fundamentais os princípios preferidos por ele, por sua cultura ou por qualquer outro grupo com o qual ele porventura se identifique. No fim das contas, resta apenas uma grande confusão e arbitrariedade. Esse é o abismo inescapável em que caiu a intelectualidade moderna. E é desse abismo que brotou o relativismo moral que, abolindo toda autoridade moral objetiva, permitiu a politização de toda a realidade e a transformação de todos os desacordos em simples lutas pelo poder. Brink, naturalmente, não apóia isso, mas apenas porque é um homem à moda antiga (isto é, um iluminista tardio, um moderno inconformado com a pós-modernidade), incapaz de levar a sério a ideia de uma moralidade inventada pelo homem. Contudo, ele não tem um método que lhe permita evitar o abismo.<br /><br />Esse fim lamentável ocorre a despeito do bom começo a que aludi na penúltima postagem, quando o Dr. Brink sensatamente criticou o racionalismo de caráter puramente dedutivo de algumas abordagens. Pretendo agora fazer algumas considerações sobre o que o Dr. Brink disse até aqui, relacionando-o com o cristianismo. Faço isso com dois objetivos: o primeiro, mais apologético, é explicar por que a visão cristã da objetividade moral não escoa pelo mesmo ralo que tragou o esforço do Dr. Brink; o outro é mostrar o que os cristãos devem aprender com o que esse mesmo esforço produziu de verdadeiro.<br /><br />Afirmei na oitava parte desta série que a abordagem não-racionalista, adotada em [7.3] e ausente em vários outros pontos do artigo, é compatível com a visão bíblica da ética. Eu disse isso porque a Bíblia não nos apresenta o aspecto moral da criação (ou do Criador) como um conjunto de afirmações, regras e princípios morais a serem descobertos primariamente pela via da razão analítica, deduzindo casos particulares a partir de um princípio abstrato último e auto-evidente. Isso talvez até possa ser feito, mas apenas <i>a posteriori</i> e, acredito, de modo incontornavelmente imperfeito. Deus não concedeu autonomia ou auto-evidência a princípio algum; o fundamento último da moral é Ele próprio, e ninguém menos. Por conseguinte, o esforço de descobrir a verdade moral se assemelha muito menos a uma investigação filosófica que ao processo de conhecer o caráter de uma outra pessoa. Dentro da perspectiva cristã, a abordagem de Brink faz todo o sentido: visto que a fonte da moralidade não é um princípio, e sim uma pessoa, nenhuma proposição moral, seja qual for seu lugar na hierarquia dos valores, tem primazia na <i>"justificação das nossas crenças morais"</i>. Esse fato permite evitar absolutizações indevidas levadas a efeito por quaisquer indivíduos, culturas ou subculturas, ao mesmo tempo em que permite a salvaguarda da objetividade, na medida em que o caráter do qual ela depende é o da Personalidade Absoluta, como diria John Frame.<br /><br />Naturalmente, o que acabo de afirmar indica o caminho para a solução do problema, mas ainda não o resolve. É certo que, se estamos falando de conhecer o caráter do Deus que serve como padrão para todo juízo moral, a revelação que Deus faz de seu caráter nas Escrituras - e na criação em geral, devidamente interpretada pelas lentes das Escrituras - deverá ser a autoridade final. Mas como faremos para identificar a correta interpretação das Escrituras? Afinal, todos sabemos que os cristãos discordam entre si quase tanto quanto quaisquer outros correligionários. Nesse ponto, a discussão quase sempre se volta para o estabelecimento dos princípios corretos de exegese bíblica e suas aplicações. Mas pretendo enfatizar aqui um aspecto mais fundamental, embora muitas vezes ignorado, seja por negligência, seja apenas por jamais vir à consciência.<br /><br />É lugar-comum dizer que os pressupostos pré-exegéticos influenciam nossa compreensão do texto, seja este bíblico ou não. Mas o que isso significa? Creio que, antes de qualquer outra coisa, significa o seguinte: sejam quais forem as questões hermenêuticas, linguísticas, culturais e existenciais que possam influenciar a compreensão do sentido do texto bíblico, o fato é que, em última análise, todo desacordo entre dois cristãos sobre as implicações morais de um texto decorre de diferentes compreensões sobre o caráter de Deus. Afinal, dizer que uma pessoa aprova ou não determinada conduta é dizer algo sobre quem essa pessoa é. Se erramos em nossa compreensão do que Deus deseja, ou se sua vontade nos parece obscura em certos pontos, é porque, em última análise, não o conhecemos devidamente. E aqui me refiro ao conhecimento mais pessoal possível.<br /><br />Também nesse sentido o cristão pode e deve concordar com Brink sobre a extensão de nossa falibilidade. A diferença é que não só temos um texto inspirado com autoridade divina, nem só isso e um método exegético, mas temos também a habitação do Espírito Santo em nossos corações, abrindo nossa mente para o entendimento das Escrituras. Não estou dizendo, é claro, que essa presença torna nossos juízos infalíveis. O que estou tentando mostrar é a qualidade distintiva da epistemologia cristã: a obra do Espírito Santo faz com que o método epistemológico moral do cristão seja algo mais que a combinação do raciocínio analítico abstrato com um conjunto de premissas exegeticamente extraídas de um texto inspirado. Representamos mal o cristianismo quando descrevemos a epistemologia cristã nesses termos. Além da revelação verbal nas Escrituras e da capacidade de pensar, dispomos também de uma relação pessoal direta pela qual aprendemos a conhecer a Pessoa que escreveu o Livro e nos ensinou a pensar. Conhecemos a moral objetiva conhecendo a vontade de Deus, e conhecemos a vontade de Deus conhecendo pessoalmente o Dono dessa vontade. Decorre daí a importância epistemológica da oração. <i>"Se alguém necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente"</i>. A única solução possível para os conflitos de interpretação moral dentro do cristianismo consiste, em última análise, em conhecer melhor o caráter de Deus. Sem dúvida isso não satisfaz os critérios da filosofia analítica, na medida em que nenhuma relação pessoal admite tal redução. Mas o cristianismo pode renunciar à filosofia analítica no nível último - ou, melhor dizendo, recusar-se a absolutizá-la - justamente porque oferece a vida de comunhão pessoal com Deus. Brink não tem isso a oferecer, e por isso seu fracasso na via analítica resulta em um fracasso total.<br /><br />Encerro aqui meus comentários sobre a seção <i>Variedades de naturalismo</i>. Mas estas últimas considerações já começam a entrar no tema da próxima seção do artigo, em que Brink fala do papel epistemológico de Deus na moralidade. Entrarei esse assunto a partir do próximo post.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-38445551.post-64842356072196810872013-07-12T21:47:00.000-03:002013-07-12T21:47:17.399-03:00Deveres sem pessoas - parte 9<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times,"Times New Roman",serif;">Dei início na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/06/deveres-sem-pessoas-parte-8.html">última postagem</a> à análise da seção <i>Variedades de naturalismo</i> do artigo <a href="http://dmurcho.com/docs/autoetica.pdf"><i>A autonomia da ética</i></a>, na qual o Dr. David Owen Brink busca um método de investigação secularista da moralidade. Terminei mostrando que <i>"O </i>'ajuste dialético'<i>, ou seja, a coerência interna de juízos e intuições estabelecida pela razão, é o critério epistemológico final da </i>'teoria moral secular'<i>"</i>, e prometi que faria uma crítica dessa perspectiva. Contudo, creio que será mais proveitoso abordar primeiro as três abordagens seculares e naturalistas da moral que Brink expõe em [8.2], [8.3] e [9.1]. Elas se baseiam, respectivamente, nos princípios da vantagem mútua, da imparcialidade e da responsabilidade. Passo agora a fazer uma breve exposição e crítica de cada uma. Na próxima postagem farei o movimento inverso, passando dos problemas específicos de cada abordagem às dificuldades onipresentes nesta seção.<br /><br />A primeira abordagem diz que <i>"podemos identificar as exigências da moralidade com as normas do comportamento social cuja observância geral é mutuamente benéfica"</i>, e isso <i>"explica o nosso interesse em sermos morais e o interesse da comunidade em instilar um sentido ou consciência moral nos seus membros"</i>. Não discorrerei muito sobre essa vertente porque o próprio Brink parece não gostar muito dela, uma vez que levanta uma objeção em [8.3]: <i>"esta abordagem parece limitar o cuidado moral relativamente àqueles com quem se interage regularmente. [...] O âmbito lato da moralidade pode ser visto como algo que reflecte uma perspectiva que procura </i>transcender<i> os interesses e lealdades pessoais do agente."</i> Em outras palavras, essa abordagem não explica por que devemos agir de modo benéfico à sociedade naquelas situações em que sabemos que não haverá sanção social por agirmos de modo diferente.<br /><br />Eu acrescento que essa abordagem também não conta com o risco de a própria sociedade julgar mal o que é bom para si e, dessa forma, punir pessoas que lhe fazem bem e recompensar as que lhe fazem mal. Os exemplos históricos disso são tantos que não vou citar nenhum. Basta dizer que muitos grupos humanos, de cristãos a ateus, de conservadores a comunistas, acreditam que isso acontece o tempo todo. Sendo assim, é justo perguntar: o indivíduo ou grupo mais lúcido seria imoral se fizesse o que vê como melhor para a sociedade, e não o que a própria sociedade considera bom? A fundamentação da moral no princípio da vantagem mútua é profundamente falha porque não leva em conta o fundamento ontológico (as <i>"propriedades naturais das situações"</i>) à luz do qual as escolhas morais podem ser justificadas. Um código moral sem ontologia não presta para nada. A abordagem moral baseada na vantagem mútua é problemática porque é simplista, abstrata e reducionista. Ela não fornece uma resposta para os dilemas concretos e pungentes da vida.<br /><br />A segunda abordagem, baseada no princípio da imparcialidade, admite duas concepções diferentes sobre o que seu princípio significa. A primeira, que Brink chama de <i>"agregativa"</i>, <i>"exige que um agente tome igualmente em consideração os interesses das partes afectadas, equilibrando os benefícios de alguns com os prejuízos de outros, consoante for necessário, de modo a determinar o resultado melhor para todos"</i>, e assim <i>"identifica o nosso dever com a promoção da felicidade humana ou com outras consequências boas"</i>. Brink também parece não gostar muito dessa opção, que <i>"permite que os interesses de muitos tenham mais peso do que os de poucos"</i>, o que evidentemente poderia justificar uma ampla variedade de injustiças manifestas contra minorias e pessoas que se encontram em situações excepcionais; esse é, aliás, um risco inerente a qualquer coletivismo. A outra interpretação possível do princípio da imparcialidade, que Brink chama de <i>"contratualista"</i>, <i>"rejeita este tipo de equilíbrio interpessoal e insiste que ajamos apenas com base em princípios que ninguém possa razoavelmente rejeitar"</i>.<br /><br />A objeção mais óbvia (e clássica) a essa abordagem é que o valor moral da imparcialidade é apenas pressuposto como auto-evidente. A vertente agregativa esbarra no problema que C. S. Lewis percebeu em <i>Cristianismo puro e simples</i>: <i>"Se pergunto: 'Por que não devo ser egoísta?' e você responde: 'Porque isso é bom para a sociedade', posso então perguntar: 'Por que devo me preocupar com o que é bom para a sociedade a não ser quando isso for benéfico para mim?', e então você terá de responder: 'Porque você não deve ter egoísta', o que simplesmente nos traz de volta ao ponto de partida"</i>. E a vertente contratualista se choca contra o problema que John Frame levantou em <i>Apologética para a glória de Deus</i>: por que nossa razão deveria nos impor algum dever moral de coerência com o que ela percebe como verdadeiro? Em outras palavras, onde está o fundamento da normatividade ética da verdade cognitiva? Já defendi na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/05/deveres-sem-pessoas-parte-5.html">quinta parte</a> que <i>"não há deveres à parte de relações pessoais"</i>; segue-se daí que a verdade só tem implicações morais porque diz respeito ao nosso compromisso ético fundamental com alguém. Quando Brink fala em <i>"princípios que ninguém possa razoavelmente rejeitar"</i>, o <i>"razoavelmente"</i> é cognitivo, mas o <i>"possa"</i> é também moral. Nada em sua filosofia materialista justifica esse salto. No cristianismo, por outro lado, não há salto algum: temos um dever moral para com a verdade porque a apreensão das leis de Deus é um dos propósitos para os quais ele nos deu inteligência; porque Cristo é a verdade (João 14.6); porque Deus é a Personalidade Absoluta, e tudo o que somos e fazemos é expressão de nossa reação ao Pacto.<br /><br />Há mais, porém. De modos diferentes, essas duas vertentes encarnam o mesmo problema fundamental: no primeiro caso, é necessária uma decisão dogmática sobre quais são as <i>"consequências boas"</i> que cada ser humano deve promover; no segundo, sobre quais são os princípios que, de tão razoáveis, ninguém tem o direito de rejeitar. <i>"Felicidade humana"</i> e "razoabilidade" certamente são expressões às quais bem poucos se oporão, mas sobre cujo conteúdo é impossível atingir um consenso, dada a ampla diversidade possível de posições culturais, religiosas, políticas, filosóficas e outras que influenciam o que cada pessoa entende por essas lindas palavras. Como tenho dito várias vezes ao longo desta série, juízos morais têm sempre uma base metafísica e epistemológica que a abordagem "imparcialista" faz questão de abstrair. Assim, em algum momento da discussão, o Dr. Brink, ou quem quer que o represente politicamente, teria de dizer, com base apenas em seus próprios dogmas: "Vejo com clareza que tais princípios trariam a felicidade humana ou outras consequências boas, e portanto todos devem obedecê-los, ainda que não concordem comigo"; ou então: "Tais princípios me parecem tão razoáveis que não concedo a ninguém o direito de questioná-los".<br /><br />Em outras palavras, Brink não é capaz de estabelecer uma moral ateísta (ou compatível com o ateísmo) sem que ele mesmo ou alguma outra pessoa ocupe o papel de Deus - tanto do ponto de vista metafísico quanto do epistemológico, pois as duas coisas são indissociáveis. (E não adianta dizer que esse alguém é a humanidade em geral, pois o problema é justamente o fato de que alguém que não é a humanidade em geral terá de falar em nome dela.) A diferença é que Deus é infalível por definição; mas Brink quer conceder ao homem (melhor dizendo, a algum homem ou grupo seleto) direitos divinos ao mesmo tempo em que manifesta ter consciência da profunda falibilidade (cognitiva e moral) humana. A abordagem naturalista baseada na imparcialidade se fundamenta em uma simples abstração. Ela serve apenas para dar ao seu adepto a ilusão de que pode desprezar o "teísmo" de um modo simultaneamente inteligente e virtuoso por ser capaz de racionalizar dessa forma sua percepção da objetividade moral. E, na medida em que uma filosofia ética se torna abstrata, é também reducionista e impessoal. O efeito disso, no plano político, só pode ser o totalitarismo. Os filósofos pragmatistas que concluíram que o moralmente correto é o que o Estado determina como tal estavam apenas sendo coerentes com suas premissas.<br /><br />A terceira abordagem que Brink apresenta é a kantiana, baseada na ideia de que <i>"Ser um agente moral é ser responsável"</i> e que os <i>"requisitos morais"</i> dependem <i>"do que os agentes valorizam na medida em que são agentes racionais"</i>, isto é, <i>"de características dos agentes morais enquanto tais"</i>. Dessa ênfase na racionalidade decorre o famoso imperativo categórico, pelo qual <i>"devemos tratar todos os agentes racionais como fins em si e nunca meramente como meios"</i>. A filosofia moral de Kant é bem mais complexa, mas felizmente já escrevi um <a href="http://andrelv.blogspot.com/2007/07/no-apenas-o-cu-estrelado.html">post inteiro</a> sobre ela há alguns anos. Embora seja puramente descritiva, essa postagem antiga talvez ajude a compreender melhor minha insatisfação com essa filosofia, que tentarei explicar abaixo.<br /><br />Kant era um racionalista - não no sentido estrito, mas no sentido amplo - e, de acordo com sua inclinação natural, quis construir uma filosofia moral baseada apenas no senso de dever (e, a se crer em Brink, na responsabilidade em um sentido causal). O resultado foi um <i>"imperativo categórico"</i> que nega relevância a tudo o que constitui uma pessoalidade autêntica: felicidade, amor e gratidão, por exemplo. Sua moral só leva em conta o dever e a razão. Ou, melhor dizendo, só leva em conta a razão, pois ela torna possível o dever, que é, no fundo, um dever para com a deusa Razão onde quer que ela se encarne - isto é, em outros seres racionais. Mesmo o brevíssimo resumo do Dr. Brink deixa isso claro.<br /><br />Esse fato gera dois problemas básicos ao uso que Brink faz da moral kantiana. O primeiro é inerente à próprio kantismo, e decorre do fato de que da pura causação não se pode jamais deduzir uma responsabilidade no sentido moral; a filosofia de Kant não nos diz por que, afinal, devemos ser considerados responsáveis por nossas ações. Kant, como Brink, buscou fazer justiça à sua intuição da objetividade moral, mas não disse nada que convencesse alguém que não tivesse assentido de antemão aos pontos centrais de seu sistema filosófico particular. É claro que há nisso um elemento positivo: Kant sabia de algo que Brink quase sempre esquece, como já observei na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/04/deveres-sem-pessoas-parte-2.html">segunda parte</a> desta série: que não há objetividade moral possível sem um fundamento metafísico bem definido. Prova-o o próprio título da obra de Kant sobre o tema: "Fundamentação da metafísica dos costumes".<br /><br />O segundo problema é que Kant jamais concordaria que a moralidade objetiva é compatível com o materialismo, e em parte suas razões para isso são boas; ele sabia que um fundamento transcendente era necessário, pois cria que o dever não é um conceito empírico, isto é, não se fundamenta no mundo fenomênico. A filosofia de Kant é humanista e secularista, sem dúvida, mas não é materialista. Porém, transcendência não basta, e Kant não entendia quão profundamente pessoal é a moralidade; ele não chegou nem perto de perceber que, como argumentei na quinta parte, uma moral objetiva só pode decorrer de uma Personalidade Absoluta. Decorre daí a aridez formalista de seu sistema, que contraditoriamente desconsidera inclusive as <i>"propriedades naturais"</i> das situações, como as que citei na <a href="http://andrelv.blogspot.com/2013/05/deveres-sem-pessoas-parte-7.html">sétima parte</a>, e reduz os agentes morais a simples fagulhas da Razão.<br /><br />Dessa forma, ao recorrer a Kant, Brink se coloca em uma dupla dificuldade: seu terceiro candidato, além de ser problemático por si mesmo, não é um aliado consistente do materialismo. Talvez seja por isso que Brink, ao descrever o pensamento de Kant, concentra-se nos pontos que não se chocam frontalmente com o materialismo. No entanto, a filosofia moral de Kant não pode ser coerentemente dissociada do restante de seu pensamento, que está pressuposto em sua elaboração da ética; tal mutilação seria fatal, inclusive, à sua utilidade como defesa da autonomia da ética.</span></div>
Andréhttp://www.blogger.com/profile/05772825173501715058noreply@blogger.com0