Nota introdutória: esta postagem é continuação da anterior, A estrada para o precipício. Para mais esclarecimentos, vide a note introdutória àquele texto.
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Pode-se notar que mesmo o interesse por um campo tão prático quanto o da política só foi despertado em mim por uma necessidade mais teórica ou mesmo contemplativa. O mundo tem se tornado cada vez mais politizado já há alguns séculos, o que é, penso eu, mais um sintoma da decadência de nossa civilização. Assim, mesmo a contragosto, vi-me obrigado a entender de política a fim de entender o mundo; e só assim passei a julgá-la um tema importante, embora continuasse (e continue até agora) não a considerando intrinsecamente interessante. Tendo chegado a essa conclusão, percebi que estava diante de um novo problema: por onde começar? Afinal, conforme expliquei antes, eu já perdera toda a confiança nos intelectuais. E eu sabia que era imprescindível, como ponto de partida, encontrar alguém digno de confiança, ainda que fosse para criticá-lo posteriormente, visto que não há outra maneira de iniciar o estudo de um novo assunto. Como se pode ver, eu tinha consciência, ao menos parcialmente, do tamanho da minha ignorância. Mas quem poderia ser o meu professor? Eu não via nenhum candidato qualificado para desempenhar tal função. Mas, enquanto aguardava pacientemente que algum se apresentasse, dois eventos importantes ocorreram.
O primeiro foi o surgimento de um novo amigo, o André Luiz, que já mencionei algumas vezes neste blog. Começamos a trocar e-mails sobre assuntos filosóficos, teológicos, literários e outros, e demorou até que começássemos a conversar sobre política. Mas ele tem um excelente hábito, que é o de enviar aos amigos tudo o que encontra de interessante na internet, como vídeos, poemas, notícias e artigos sobre os mais variados assuntos (conservo na minha caixa de e-mails uma pasta que conta atualmente com 1470 dessas mensagens, acumuladas ao longo de um ano e cinco meses). Eu já havia aprendido a confiar na sensatez desse meu amigo quanto a outros assuntos; e, quando comecei a ler os textos que ele ocasionalmente recomendava sobre política (assunto em que os conhecimentos dele são incomparavelmente superiores aos meus), levei um susto: aquilo era diferente de tudo o que eu estava acostumado a ver nos debates veiculados pela imprensa brasileira. Percebi de repente que, mesmo que eu chegasse a compreender plenamente a disputa política nacional, estaria perdendo muita coisa se não passasse daí. O Brasil, de repente, pareceu-me pequeno. E, o que é pior, comecei a ter uma impressão crescentemente irresistível de que a parcela mais sensata do espectro político havia sido exilada bem longe das nossas fronteiras.
O segundo acontecimento confirmou essa impressão. Foi um livro do poeta anglo-americano T. S. Eliot denominado Notas para a definição de cultura, o mesmo de onde retirei a citação com que inaugurei este blog há mais de oito meses. Não é um livro sobre política, e sim sobre antropologia e sociologia, e nele Eliot discute os traços essenciais da cultura e as condições necessárias ou propícias ao seu florescimento. Suas idéias sobre esses assuntos eram infinitamente mais sensatas que qualquer coisa de que eu já tivesse ouvido falar, e depois de tê-las lido eu não poderia considerar as reflexões culturais de Trotsky, por exemplo, como algo mais que um lixo. Assim, as teses de Eliot, embora claramente expressas sem qualquer propósito de militância política, tinham conseqüências políticas bastante óbvias e, para mim, inteiramente novas. O mais surpreendente, porém, é que o autor discorria sobre elas com naturalidade, como se não fosse nada muito diferente do que todo mundo já sabia. Foi isso o que me fez ver, definitivamente, que o problema estava aqui, e não lá. A causa do meu espanto estava menos na genialidade do autor do que na ignorância do leitor. Percebi, enfim, que havia algo tremendamente errado no debate cultural brasileiro, ao qual eu sempre estivera quase inteiramente restrito. O problema, como vim a saber depois, é que eu passara a vida toda ouvindo apenas o discurso cultural da esquerda, o único disponível no mercado nacional de idéias.
Mas, antes que eu percebesse isso, entrou em cena uma nova figura (em mais de um sentido da palavra): o filósofo Olavo de Carvalho. Ele também me foi apresentado pelo meu amigo André, que me enviara vários artigos dele tratando sobre temas filosóficos diversos. Embora eu não concordasse com todas as suas posições, não pude deixar de sentir que o sujeito era digno de atenção e respeito, muito mais que a classe inteira dos intelectuais comuns. Depois de ter lido quatro ou cinco desses artigos, decidi visitar o site do filósofo em questão, onde descobri, com grata surpresa, que ele escrevia muito sobre política. Meu problema estava resolvido: eu já vira intelectuais comprovadamente confiáveis e já vira gente que escrevia muito sobre política, mas era a primeira vez que encontrava as duas características reunidas numa única pessoa. Isso foi há um ano. De lá pra cá estudei seus artigos lado a lado com os de outros, inclusive seus opositores (que, aliás, são bastante numerosos). A quantidade de coisas importantes que aprendi dessa forma é incontável, e não apenas (nem principalmente) sobre política.
Finalmente, procurei saber quais eram as principais doutrinas políticas existentes no mundo. O simples enunciado das respostas bastou para que eu percebesse onde me encaixava. Olhando retroativamente, não havia mesmo outra coisa que eu pudesse ser. Meu desprezo pela ideologia do progresso, meu apego aos valores tradicionais (religiosos inclusive), minha proximidade muito maior aos pontos de vista dos homens comuns do que aos da maior parte das classes cultas, minha forte desconfiança diante da concentração do poder nas mãos de uns poucos (por mais que eles mesmos estejam convencidos de que fazem tudo pelo bem de todos), a minha convicção da existência de uma ordem moral transcendente e da inviolável dignidade individual frente a qualquer tipo de identidade grupal; todas essas idéias, embora não tendo necessariamente muito a ver com política, acabaram por abrir o caminho para o meu futuro posicionamento político. Eu era um conservador. Sempre havia sido, na verdade, embora não totalmente; pois não posso dizer que escapei ileso da revolução cultural gramsciana, manifesta na atmosfera esquerdista do colégio, da universidade e da cultura acadêmica nacional. Assim, por exemplo, durante vários anos não só abriguei uma certa dose do mais vulgar antiamericanismo como cheguei até a acreditar em Michael Moore e na propaganda chavista e castrista. Mais cedo ou mais tarde, porém, eu teria de superar todas essas bobagens, pois o cerne da minha visão de mundo estava incorrigivelmente vinculado ao conservadorismo. E quando comecei a examinar a questão sob esse novo ângulo descobri que praticamente todos aqueles pensadores que eu espontaneamente havia sido levado a admirar profundamente, sem qualquer preocupação com suas convicções políticas, eram essencialmente conservadores: C. S. Lewis, G. K. Chesterton, Francis Schaeffer, T. S. Eliot, Olavo de Carvalho e uma porção de outros.
Não devo concluir este post sem esclarecer uma coisa: não tenho a mínima vergonha de dizer que a política é o último assunto amplo sobre o qual vim a assumir uma posição na vida, e não o fiz antes por pura ignorância a respeito. Se alguma vergonha me restasse, ela sumiria diante da constatação de que muitas pessoas, não menos ignorantes do que eu era, não deixaram que isso as impedisse de abraçar um credo político qualquer (geralmente o primeiro que lhes foi apresentado por algum professor quando elas tinham cerca de quinze anos), e a partir daí recusaram-se a ouvir a opinião de outros, rejeitados de antemão como "inimigos". Mas nessa atitude não há nada peculiar à política, sendo antes uma amostra da cultura brasileira (espero que ninguém pense que estou me referindo à incultura brasileira, que às vezes é até mais sensata).
De qualquer forma, a minha situação é bem diferente dessa, e é por isso mesmo que não lamento decepcionar meio mundo e declarar-me conservador e reacionário, embora esses termos soem como autênticos palavrões na atmosfera ideológica que me rodeia. Isso tem gerado até algumas situações engraçadas. No meu último aniversário, por exemplo, uma amiga que não vejo há um bom tempo enviou-me um recado pelo orkut nos seguintes termos: "Parabéns Sumido. Apesar do que 'political view: right-conservative' possa parecer." Não sei se me sinto envergonhado por sustentar uma visão política tão abjeta ou se me sinto comovido pela bondade superior de pessoas que, a despeito dela, não me negam um recado de aniversário. Mas voltemos a falar sério. Apesar de essas linhas talvez se assemelharem a um manifesto, a essência do que estou dizendo hoje acerca da minha posição não chega a ser uma grande novidade. Além da explícita declaração de posicionamento no meu perfil do orkut, há indícios mais que suficientes espalhados ao longo dos textos publicados anteriormente neste blog para que qualquer leitor interessado e com suficiente conhecimento sobre o espectro político (o que, infelizmente, parece ser muito incomum) pudesse notar sem sombra de dúvida o caráter altamente conservador das minhas idéias. E já que dei início a este texto (no post anterior) com uma citação tão reacionária, vou encerrá-lo com outra, retirada do livro The well and the shallows, de Chesterton, que ilustra bem a minha impressão sobre o presente estado de coisas:
"Os turistas podem estar avançando velozmente, mas os desbravadores estão retrocedendo. Em outras palavras, são exatamente os espíritos audazes e investigativos, dos quais sempre se disse que estão à frente de seu tempo, que estão agora mais duvidosos sobre se é desejável avançar. São exatamente aqueles que se contentam em seguir a tradição, ou a convenção, ou as modas familiares, que ainda estão seguindo (ou assim supõem, pelo menos) a tradição do progresso, a convenção do movimento e as centenas de modas, familiares ao século dezenove, que apelam à esperança de mudança. Os homens são progressistas porque estão um pouco atrás dos tempos, e são reacionários porque estão um pouco à frente deles. Isso soa como um paradoxo, mas é realmente um estado de coisas muito prático e mesmo inevitável, dadas certas condições. Aqueles que estão atrás ainda gritam 'Avante!', e apenas aqueles que estão na linha de frente gritam 'Para trás!', quando a vanguarda do exército chega subitamente à beira de um precipício."
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