28 de novembro de 2007

A origem da bagunça

Recentemente, meu amigo André Luiz deu início a um empreendimento realmente admirável, que é a publicação de uma série de postagens em seu blog acerca do velho problema das investigações históricas sobre Jesus. A quem se interessa pelo assunto, não posso deixar de recomendar que acompanhe essas publicações. Conheço meu amigo o suficiente para saber que ele possui um vasto conhecimento sobre o assunto, fruto de um profundo interesse que motiva seus estudos há décadas (embora o André não seja tão velho assim). E os dois posts já publicados confirmaram plenamente minhas expectativas de aprendizado. Inspirado por esse acontecimento, decidi escrever agora sobre um problema relacionado a esse, que já mencionei de passagem anteriormente: o da crítica textual. Também chamada de "ecdótica", termo criado por Henri Quentin em 1926, essa ciência busca reconstituir a forma original de um texto a partir das cópias conhecidas, todas as quais carregam distorções em maior ou menor grau. Andei estudando algo a respeito ultimamente, e achei o tema não apenas bastante interessante, mas também de importância óbvia para a adequada compreensão da mensagem de qualquer texto antigo. Pois todos os esforços de interpretação serão inúteis se não pudermos ter certeza, em primeiro lugar, de que estamos interpretando o texto correto, e não algum outro.

Apesar de meus estudos pessoais sobre o assunto não terem sido muito profundos, o tema em si é complexo demais para um post só. Hoje falarei sobre um aspecto bem definido, isto é, as origens dos erros que se introduzem nos manuscritos ao longo dos sucessivos processos de cópia. Sem isso não será possível abordar outras questões, como os critérios que orientam o julgamento entre variantes de uma determinada passagem ou a história das diferentes tradições textuais. Não posso, porém, falar sobre a crítica textual em geral, pois só conheço superficialmente sua aplicação a dois conjuntos de textos: o Antigo e o Novo Testamento, que, escritos em línguas e épocas distintas, possuem suas peculiaridades do ponto de vista da crítica textual, embora haja também muito em comum. Para a exposição a seguir, embora tenha me utilizado de outras publicações, minha principal fonte quanto à ecdótica neotestamentária é o livro Crítica textual do Novo Testamento, de Wilson Paroschi, uma obra para iniciantes que recebeu elogios até de Bruce Metzger, de Princeton, uma das principais autoridades mundiais no assunto. Para o Antigo Testamento, utilizei um capítulo de um livro de escopo bem mais abrangente, A survey of Old Testament introduction, de Gleason Archer, perito em línguas semíticas antigas. Sem mais delongas, portanto, apresento a seguir as principais fontes de erro na transmissão dos textos.

Em primeiro lugar, temos aqueles erros derivados simplesmente da falta de atenção do copista. Ela pode resultar na troca de posições entre certas letras ou palavras, assim como na substituição de certas palavras por um sinônimo (casos em que o copista foi provavelmente traído por sua memória). Também algumas letras, sílabas ou mesmo palavras inteiras aparecem repetidas em certos manuscritos; em outros, ao contrário, o copista transcreveu apenas uma vez uma seqüência de caracteres que deveria ser repetida. Algumas palavras, é claro, podem ser omitidas por distração, mesmo quando não estão repetidas. Um caso particularmente interessante e relativamente comum é a omissão de certos trechos que se encontram entre duas palavras iguais e próximas. Presumivelmente o copista, tendo memorizado e copiado o texto até a primeira ocorrência dessa palavra, enganou-se ao retornar ao manuscrito original, recomeçando a cópia a partir da segunda, resultando em um novo manuscrito sem o trecho intermediário. Em vários casos, erros assim podem ser prontamente identificados quando se comparam as variantes, pois o erro torna a frase sem sentido em virtude do fato de ela conter erros gramaticais ou não se adequar ao contexto. Mas essa identificação nem sempre é possível, principalmente no hebraico antigo, o qual, não possuindo representação gráfica para as vogais (que só foram inventadas por volta do século VIII pelos massoretas), dá margem facilmente a leituras alternativas válidas em decorrência desses erros de transcrição. Vale lembrar também, em conexão com isso, que na Antigüidade não existiam parágrafos, nem sinais de pontuação e acentuação.

Outra classe de erros provém de dificuldades que podemos chamar de "físicas". Essas podem ser de vários tipos. Por uma questão de economia de espaço ou por qualquer outra razão, a presença de espaços suficientemente nítidos não era algo comum nos manuscritos antigos. Assim, era natural que o copista fundisse duas palavras separadas ou cindisse em duas uma única palavra. Em outros casos, o copista simplesmente não entendia uma determinada letra e a substituía por outra de aparência semelhante. Ele pode ter sido induzido a erros dessa ordem por uma série de fatores: pode ter se baseado em um manuscrito muito velho ou mal conservado; o autor da cópia anterior talvez padecesse de certas inabilidades gráficas (leia-se "letra feia"); ou o copista possuía deficiências visuais que dificultavam a leitura, em particular o astigmatismo e a presbiopia (não nos esqueçamos que os óculos só foram inventados no século XIV). Há ainda situações em que a confusão é de natureza fonética, e não visual. Muitos manuscritos foram produzidos por escribas que não viam o original, o qual ia sendo ditado a eles por outra pessoa. Conseqüentemente, certas palavras eram ocasionalmente substituídas por outras de som idêntico ou semelhante. Todos esses erros eram facilitados, obviamente, caso o copista não dominasse a língua em questão. Deve ser observado ainda que os erros descritos neste parágrafo também podem derivar da pura distração, embora isso seja menos provável que nos casos descritos no parágrafo anterior. O que foi dito ali, aliás, permanece válido aqui: em certos casos o erro é prontamente identificável, mas em outras situações isso não ocorre.

Há outros tipos de alterações que não se encaixam nos dois grupos definidos acima. O copista podia ser enganado pela própria evolução da língua quanto ao som, à forma das letras ou mesmo às regras gramaticais. O grego foi muito mais suscetível a isso que o hebraico, que mudou menos ao longo dos séculos, embora também haja interessantes exemplos de variantes textuais que se explicam dessa forma no hebraico. De qualquer forma, essas mudanças tornavam semelhantes certas pronúncias originalmente diferentes, ou modificavam certos costumes gramaticais ou gráficos e convenções de abreviação, ou alteravam a forma de certas letras (um campo inteiro de estudos é dedicado ao estudo desta última categoria de mudanças: a paleografia, que aliás é muito importante na datação dos manuscritos). De maneiras diversas, esses fatores acabaram sendo responsáveis pela introdução de certos erros, decorrentes da falha do copista em compreender as intenções do autor do manuscrito disponível. Um outro erro, muito diferente desses, embora também vinculado à incompreensão das intenções do copista anterior, diz respeito às anotações marginais feitas por este. Diversos acréscimos ao texto original explicam-se dessa forma: um copista introduziu uma palavra ou frase na margem do manuscrito em que copiava, a título de esclarecimento ou comentário pessoal. Posteriormente, outro copista empregou esse mesmo manuscrito para produzir sua própria cópia e, erroneamente, considerou essa nota marginal como parte do texto original, inserindo-a, portanto, no corpo do seu texto.

Até agora, no entanto, falei exclusivamente de variantes geradas de maneira não intencional. Estas constituem a quase totalidade das variações textuais do Antigo Testamento, mas possuem um papel muito modesto nos manuscritos neotestamentários, tanto em quantidade quanto em importância. A razão disso não é difícil de entender: os judeus tinham uma longa tradição de profundo respeito por seus livros sagrados e, ao que parece, esforçavam-se grandemente por preservar cada palavra deles em decorrência disso. Entre os cristãos primitivos, que se empenharam em transmitir os ensinos e narrações de Cristo e dos apóstolos, dificilmente haveria semelhante reverência pela letra dos textos. Eles consideravam importante transmitir a essência dos textos, e demorou várias gerações até que a tradição se consolidasse e o ambiente psicológico da Igreja estivesse preparado para que fosse atribuído aos textos sagrados o mesmo tipo de valor que os judeus atribuíam aos seus. A essa altura, porém, muitas alterações intencionais já haviam sido introduzidas. Passo a mencionar agora as principais dentre elas.

Quase todas as variantes intencionais são tentativas de harmonização, em algum sentido. Isso ocorre freqüentemente, por exemplo, em passagens que possuem fortes semelhanças entre si, fato que levou certos copistas a introduzir modificações em uma delas para reduzir suas diferenças em relação à outra. O mesmo ocorria em certos trechos nos quais o autor do texto fazia uma citação de outro livro, sem, contudo, preocupar-se em transcrevê-la letra por letra: alguns copistas resolveram fazê-la mais literalmente. Outros fizeram correções com o objetivo de remover contradições que enxergavam entre o texto em questão e outras passagens, ou com fatos históricos e geográficos conhecidos. Em outros casos, certas passagens foram adaptadas para uso litúrgico, e essas adaptações acabaram agindo no sentido inverso, influenciando a redação das cópias. Não poucos copistas corrigiram também erros gramaticais, ou pelo menos modificaram construções e palavras que lhes pareciam erradas, vulgares, ou demasiado incomuns. Certas partes do Novo Testamento contêm muitos hebraísmos que alguns escribas mais cultos gostavam de reescrever numa forma grega mais elegante. O principal problema, porém, reside nas transliterações de nomes estrangeiros, para os quais não havia qualquer convenção estabelecida, e esse fato é responsável por muitas variações. A existência de variações regionais na escrita e pronúncia do grego helenístico, já bastante coloquial pela sua própria natureza, conferia um incentivo adicional ao surgimento de variantes textuais. Há ainda um outro conjunto de alterações efetuadas com o objetivo de atenuar dificuldades de compreensão em certas passagens difíceis (alterações essas que envolviam, é claro, um esforço exegético, nem sempre acertado) ou mesmo de evitar dificuldades teológicas que o texto parecia impor.

O resultado de todos esses fatores, e outros que não mencionei, é uma bela bagunça, embora, no fim das contas, o grau de distorção dos textos não seja tão elevado quanto essa descrição talvez dê a entender num primeiro momento. Pretendo, numa postagem futura, ilustrar com exemplos as categorias que acabo de mencionar, a fim de fornecer maior nitidez ao panorama traçado. Mas isso tudo é apenas a descrição das causas do problema, sem a qual é impossível compreender a solução do mesmo.

23 de novembro de 2007

Calúnia poética

Recentemente, uma amiga reprovou com suavidade o que ela considera minha "obsessão por C. S. Lewis". Ela disse isso por causa da freqüência com que menciono o escritor irlandês neste blog. Não creio que se trate de uma obsessão, e também não me parece que minha amiga tenha dito isso senão metaforicamente. Ocorre que Lewis foi o primeiro escritor e intelectual que fez mais que conquistar meu respeito ou dar provas de que merecia atenção; conquistou também minha admiração. E sendo ele o escritor de quem mais li livros, é relativamente fácil, para mim, usá-lo como exemplo, mesmo quando estou tratando de assuntos não necessariamente vinculados à sua pessoa. É bem verdade que ele me ensinou muitas coisas que eu poderia ter aprendido com outros escritores ou de outras maneiras, caso houvessem se apresentado primeiro. De qualquer forma, a fim de não irritar ninguém com essa mania, prometo solenemente que esta será a última vez que dedico um texto a C. S. Lewis neste ano.

Meses atrás, num post intitulado Dois discursos diabólicos, falei de um aspecto específico da conversão de Lewis do ateísmo ao cristianismo: a percepção do conflito entre as necessidades da natureza humana e a visão de mundo materialista e pessimista que o autor expôs em dois poemas publicados na sua juventude. Hoje tratarei de um outro aspecto dessa conversão, dentre muitos que poderiam ser abordados. Pretendo futuramente (não neste ano, é claro) falar sobre o lado especificamente intelectual, que é muito interessante. Hoje tratarei do seu elemento moral, e farei isso, uma vez mais, recorrendo a um outro poema do mesmo livro onde fui buscar os anteriores, o Spirits in bondage. Assim como fiz na outra vez, disponibilizo aqui não só o poema na língua original, mas também uma tradução feita por mim mesmo, da maneira menos incompetente possível, a fim de permitir que os que não lêem em inglês possam ao menos compreender o sentido do que é dito.


De profundis

Vinde, maldigamos nosso Mestre antes que morramos,
pois todas as nossas esperanças jazem na ruína sem fim.
O bem está morto. Maldigamos o Deus Altíssimo.

Quatro milênios de labuta, esperança e pensamentos
Em que o homem ascendeu laboriosamente e, embora forjasse
novos e melhores mundos, Tu os tornaste em nada.

Construímos cidades jubilosas, fortes e justas,
buscamos conhecimento e reunimos rara sabedoria.
E todo esse tempo zombaste do nosso esmero,

e subitamente a terra escureceu com o erro,
nossa esperança foi esmagada e nossa canção silenciada,
o céu se encheu do som do choro. Tu és forte.

Vinde então e maldizei o Senhor. Sobre a terra
cai pesada escuridão, e mau foi o nosso nascimento,
e de pouco valor os nossos poucos dias felizes.

Mesmo que não seja tudo um sonho vão
- a antiga esperança que ainda se erguerá novamente -
de um Deus justo que se importa com a dor terrena,

contudo, muito além de nossa dolorosa noite,
ele passeia nas profundezas da luz sem fim,
cantando sozinho suas músicas de regozijo;

apenas o eco distante e exaurido de sua canção
pode atingir nossas masmorras e profundas celas,
e Tu estás mais perto. Tu és muito forte.

Ó força universal, eu bem sei,
não é senão fútil tolice se rebelar;
pois tu és Senhor e tens as chaves do Inferno.

Contudo, eu não me curvarei a ti nem te amarei,
pois olhando em meu próprio coração posso provar-te
e saber que este ser débil e ferido está acima de ti.

Nosso amor, nossa esperança, nossa sede do que é certo,
nossa misericórdia e longa busca pela luz,
trocaremos tudo isso por teu inexorável poder?

Zomba então, e assassina. Despedaça todas as coisas dignas,
continua a amontoar tormento sobre tormento para tua alegria -
Tu não és Senhor enquanto há Homens sobre a terra.


De profundis

Come let us curse our Master ere we die,
For all our hopes in endless ruin lie.
The good is dead. Let us curse God most High.

Four thousand years of toil and hope and thought
Wherein man laboured upward and still wrought
New worlds and better, Thou hast made as naught.

We built us joyful cities, strong and fair,
Knowledge we sought and gathered wisdom rare.
And all this time you laughed upon our care,

And suddenly the earth grew black with wrong,
Our hope was crushed and silenced was our song,
The heaven grew loud with weeping. Thou art strong.

Come then and curse the Lord. Over the earth
Gross darkness falls, and evil was our birth
And our few happy days of little worth.

Even if it be not all a dream in vain
-The ancient hope that still will rise again-
Of a just God that cares for earthly pain,

Yet far away beyond our labouring night,
He wanders in the depths of endless light,
Singing alone his musics of delight;

Only the far, spent echo of his song
Our dungeons and deep cells can smite along,
And Thou art nearer. Thou art very strong.

O universal strength, I know it well,
It is but froth of folly to rebel;
For thou art Lord and hast the keys of Hell.

Yet I will not bow down to thee nor love thee,
For looking in my own heart I can prove thee,
And know this frail, bruised being is above thee.

Our love, our hope, our thirsting for the right,
Our mercy and long seeking of the light,
Shall we change these for thy relentless might?

Laugh then and slay. Shatter all things of worth,
Heap torment still on torment for thy mirth-
Thou art not Lord while there are Men on earth.


O poema não necessita de nenhuma explicação adicional, e o que importa nele, para o meu presente objetivo, é justamente o que aparece da maneira mais óbvia possível: a convicção de que Deus, na forma como os cristãos e monoteístas em geral o concebem, não passa de um tirano egoísta e desumano que, sem se envolver jamais com o sofrimento de suas criaturas, valoriza tudo o que há de mais vil e retrógrado (permito-me utilizar esse termo progressista pela carga psicológica que ele adquiriu na linguagem semipopular da elite semipensante de hoje), e pune severamente todos os esforços dos seres humanos que aspiram a valores mais dignos. Sem dúvida, o Deus assim concebido é apenas um ditador totalitário típico em escala imensamente ampliada, que prevalece pela força e não pelo mérito, e por isso mesmo é moralmente inferior àqueles que gemem sob sua tirania. Significativamente, o título do poema, De profundis (expressão latina que significa "das profundezas"), foi extraído das palavras iniciais do Salmo 130, que é uma oração de súplica em meio ao sofrimento e de esperança fundamentada na bondade divina, oração essa que Lewis inverteu e transformou numa declaração de rebeldia. É claro que ele não cria na existência de tal ser; apenas retratou a forma como enxergava a concepção teológica predominante.

Não é meu propósito discutir a acuidade ou mesmo a coerência lógica das concepções do jovem poeta sobre esse tema. A contradição que pretendo apontar é de natureza algo diferente. Ela salta aos olhos quando comparamos a concepção de Lewis sobre a natureza humana, delineada no poema, com sua própria conduta pessoal nessa fase de sua vida. A revolta contra Deus em De profundis só faz sentido porque a tirania e a insensibilidade divinas contrastam fortemente com a bondade essencial dos homens que, a despeito de todas as limitações (impostas, em última análise, pelo próprio Deus), estão empenhados na busca pelo bem, pela virtude e pelo conhecimento, e interessados em produzir algo de bom a partir disso. Os termos com que Lewis lisonjeia nossa própria espécie chegam a ser comoventes.

Mas quando examinamos a vida do próprio autor nesse período, pelo que se pode depreender de sua autobiografia escrita décadas depois, encontramos um contraste quase patético entre as idéias defendidas no poema e as atitudes do mesmo poeta diante da vida. Essa verdade transparece em diversos momentos do livro. Quando fala de seu primeiro contato com os textos de G. K. Chesterton, por exemplo, Lewis afirma que apreciava a virtude moral desse escritor, mas logo esclarece que isso não significa que ele próprio tivesse qualquer interesse em ser virtuoso. Parece, portanto, que havia um considerável grau de hipocrisia na acusação lançada pelo poeta à face de Deus. E num certo sentido, sem dúvida, havia mesmo. Mas creio ser mais adequado descrever esse interessante fenômeno como decorrente de uma certa inconsciência ou, para ser mais exato, de uma falta de autoconsciência. Na história da conversão de Lewis (e, creio eu, de qualquer conversão autêntica), um papel fundamental é desempenhado por essa percepção progressivamente mais nítida da frivolidade, vileza e maldade do indivíduo em questão, percepção que parece estar totalmente ausente no poema acima.

Os elementos que contribuíram direta ou indiretamente para essa tomada de consciência sobre sua própria condição moral são muitos e variados, mas cabe ressaltar o exemplo dado por muitas pessoas. Isso inclui, por um lado, escritores como Chesterton e Platão, mas também envolve o testemunho eloqüente, embora freqüentemente silencioso, de amigos pessoais; especialmente, no caso em questão, de amigos como Owen Barfield e Bede Griffiths, que nem eram cristãos. Houve ainda algumas novas convicções filosóficas empurrando no mesmo sentido. Mais do que as vias de acesso, no entanto, importam os resultados a que conduziram: um dia, cedendo finalmente à crescente pressão de sua consciência para que passasse do amor teórico pela virtude à prática da mesma, Lewis conta-nos o resultado nas seguintes palavras: "Pela primeira vez examinei a mim mesmo com um propósito seriamente prático. E ali encontrei o que me assustou: um bestiário de luxúrias, um hospício de ambições, um canteiro de medos, um harém de ódios mimados. Meu nome era Legião."

Quando existe uma contenda entre duas partes e nós tomamos irrefletidamente o partido errado, a constatação do equívoco freqüentemente tem início com a percepção de que, à parte do assunto em disputa, aqueles que apoiamos não são tão bons quanto julgávamos que fossem. Daí podemos levar mais a sério a possibilidade de que talvez o outro lado não fosse tão ruim quanto pensávamos. Isso é, no mínimo, um interessante fato psicológico. E no caso de Lewis foi exatamente isso o que aconteceu. Foi apenas depois, e não antes, de ter se livrado daquela presunção autolisonjeira que expressara em termos coletivos no seu poema da juventude, que Lewis pôde reconhecer, por contraste, a bondade divina.

Essa constatação ajuda a compreender também certos aspectos dos seus escritos cristãos produzidos na maturidade. Assim, por exemplo, Lewis não começa sua exposição da doutrina cristã no livro Mere christianity sem antes defender filosoficamente a objetividade das leis morais e apontar a nossa incapacidade de agir em perfeito acordo com ela. O autor não estava apenas sendo coerente com a doutrina cristã, cuja oferta de salvação não poderá ser aceita por um indivíduo que não saiba do quê precisa ser salvo. É mais do que isso: Lewis expôs magistralmente a força da lei moral porque ele próprio a sentiu da maneira mais intensa possível. Da mesma forma, quando disse que "um homem moderadamente mau sabe que não é muito bom, [mas] um homem completamente mau pensa ser completamente bom", ele não estava senão aludindo à sua experiência pessoal, cristalizada num enunciado universal com amplo respaldo na história da humanidade, especialmente nesses últimos séculos.

Lewis não foi capaz, nas profundezas em que se encontrava aos vinte anos, de enxergar a realidade sobre Deus e sobre si próprio. Mas foi plenamente capaz disso pouco mais de dez anos mais tarde, e agiu da única maneira apropriada diante das verdades que descobrira. As palavras abaixo, com as quais encerro este texto, não se referem ainda à sua conversão ao cristianismo, mas marcam o início de seu compromisso com o teísmo em todos os aspectos de sua existência. Nelas, reconhecendo a bondade de Deus e sua própria maldade, Lewis retratou-se pela calúnia cometida nos versos de seu primeiro livro:

"O leitor precisa imaginar-me sozinho naquele quarto em Magdalen, noite após noite, sentindo - sempre que minha mente se desviava por um instante que fosse do trabalho - a aproximação firme e implacável dEle, aquele que com tanta determinação eu desejava não encontrar. Aquilo que eu temera tanto pairava afinal sobre mim. Cedi, enfim, no período letivo subseqüente à Páscoa de 1929, admiti que Deus era Deus, e ajoelhei-me e orei: talvez, naquela noite, o mais deprimido e relutante convertido de toda a Inglaterra. Não percebi então o que se revela hoje a coisa mais ofuscante e óbvia: a humildade divina, que aceita um convertido mesmo em tais circunstâncias. O Filho Pródigo pelo menos caminhou para casa com suas próprias pernas. Mas quem é que pode adorar devidamente esse Amor que abre os portões a um pródigo que é arrastado para dentro esperneando, lutando, ressentido e girando os olhos em torno, à procura de uma chance de fuga? As palavras compelle intrare, forçá-los a entrar, foram tão violentadas por homens impiedosos que chegamos a estremecer diante delas; mas, entendidas de forma correta, elas determinam a profundidade da misericórdia divina. A dureza de Deus é mais bondosa que a suavidade dos homens, e sua coerção é nossa libertação."

17 de novembro de 2007

Briga de família

O assunto de que vou tratar hoje é um tanto complicado pela multiplicidade de seus aspectos. Quem já conversou comigo a respeito sabe que sou um dos protestantes menos anticatólicos que existem. Pretendo agora explicar 1. o que quero dizer precisamente com isso, 2. como vim a adotar essa posição, 3. por que acho que devo permanecer nela, 4. por que acho que seria bom se mais protestantes concordassem comigo, 5. as razões pelas quais acredito que isso não ocorre e 6. quais as conseqüências que isso pode trazer para o corpo de Cristo; não necessariamente nessa ordem, é claro. Farei apenas algumas considerações avulsas, em parte teóricas e em parte autobiográficas, na esperança de lançar alguma luz sobre o tema. Sendo este, aliás, um terreno bastante escorregadio, farei um esforço para não me desviar demais dele, deixando para ocasiões futuras o aprofundamento de certos pontos que porventura pareçam importantes.

Antes de começar, porém, creio que convém fazer dois importantes esclarecimentos, a fim de evitar interpretações equivocadas sobre minhas intenções em relação a este texto. O primeiro é que, embora o próprio objetivo a que me proponho me leve naturalmente a enfatizar os pontos de acordo, isso não significa que não haja de minha parte desacordos razoavelmente severos com relação à Igreja Católica, tanto em sua teologia quanto em certas atitudes dela, ou de parte dela, frente a certos acontecimentos. Minhas objeções ao catolicismo são basicamente todas as que podem existir da parte de um protestante razoavelmente bem informado, e isso é o máximo que posso ter a pretensão de ser. Apenas acho que, numa escala puramente relativa, as posições que temos em comum são mais importantes que aquelas nas quais discordamos. Conseqüentemente (e essa é a minha segunda observação preventiva), a despeito das minhas simpatias pelo catolicismo, sou contrário a qualquer ecumenismo, especialmente se ele envolve alguma tentativa de unificação administrativa ou mesmo litúrgica. Não creio que haja, de nenhum dos dois lados, maturidade suficiente para que a concretização dessa hipótese possa trazer algum bem. Sou favorável ao diálogo amistoso (ou mesmo à briga amistosa), ao esforço sincero de compreensão mútua e à aliança em defesa de interesses comuns, mas podemos perfeitamente fazer tudo isso fora dos horários das missas e cultos.

Nem sempre pensei assim, naturalmente. As razões que me levaram a isso foram surgindo tão discreta e gradualmente que seu efeito se acumulou de maneira quase imperceptível ao longo dos anos. Não, é claro, que eu tenha alguma vez me sentido inclinado a pensamentos, atos ou sentimentos rancorosos. Isso jamais ocorreu, nem encontrei qualquer incentivo nesse sentido por parte da minha família ou da minha igreja. Mas, aos seis anos de idade, a única conclusão a que pude chegar a partir do que me foi ensinado foi a de que a humanidade dividia-se nitidamente em dois grupos: os membros das igrejas genuinamente cristãs, que iam para o céu, e os demais, que iam para o inferno. O critério em questão era, evidentemente, a ortodoxia teológica. É claro que não era necessário ser presbiteriano para ser salvo. Era possível sê-lo mesmo não batizando as crianças ou não crendo na predestinação. Mas os limites do admissível não iam muito além disso.

Embora essa concepção possuísse um horizonte nitidamente estreito, como não poderia deixar de ser vindo de uma criança, ela já continha em si o germe do seu futuro crescimento: a percepção de que ao menos alguma pluralidade de idéias e de instituições era possível dentro do cristianismo autêntico. Já no fim da adolescência, estudando história, descobri que a doutrina não nasceu pronta, e que a formulação de muitos pontos dela foi fruto de intensos debates, em boa parte dos quais não havia razão para duvidar que ambos os lados eram defendidos por cristãos sinceros e piedosos. Mesmo com relação à Reforma e todos os debates e contendas que se produziram em torno dela, logo vi que era ingênua demais a suposição de que um lado contava com todos os cristãos sinceros, inteligentes e bem intencionados e o outro com todos os hipócritas, estúpidos e egocêntricos. E, estudando melhor a história dessas controvérsias, bem como o pensamento católico em geral, logo fui obrigado a abandonar também a noção de que todos os clérigos que permaneceram fiéis ao Papado o fizeram apenas por ignorância, comodismo ou covardia, muito embora esse reconhecimento não tenha me levado a concordar com eles.

Na verdade, a presença contínua do corpo de Cristo, a Igreja invisível, neste mundo, desde a ascensão do Senhor até seu futuro retorno, é um ponto explícito na teologia protestante. Isso bastaria para concluir, diante da inexistência de protestantes até o século XVI, que provavelmente houve ao longo da história muitos nestorianos, ortodoxos e católicos romanos que desfrutaram de uma real comunhão com Deus. E se tais existiam até meio milênio atrás, não há razão para que não possam continuar existindo, já que o conteúdo doutrinário dessas igrejas permanece essencialmente o mesmo. Mas só percebi isso bem depois de ter constatado o óbvio, ainda no começo da minha adolescência: a existência de pessoas com concepções teológicas impecáveis que, não obstante, estavam muito longe de conhecer e viver de fato aquilo que pregavam. Tendo notado que a correlação entre ortodoxia e proximidade em relação a Deus, num sentido mais amplo, não era tão alta quanto eu supunha, pude finalmente deduzir que, se há tantas pessoas com idéias corretas e vidas erradas, é bem possível que haja também pessoas com idéias erradas e vidas corretas, ou seja, atitudes corretas diante de Deus, embora acompanhadas de algumas noções equivocadas a respeito dele, noções essas que ele próprio, por alguma razão qualquer, não julgou necessário corrigir, ao menos de imediato.

Mas essa conclusão é justamente o passo que muitos protestantes não ousam dar, e que no meu próprio caso levou muito mais tempo do que seria necessário. Só pude dá-lo depois que tomei contato com alguns grandes escritores e intelectuais católicos, cuja sabedoria me fez parecer mais fácil duvidar da presença de Deus na minha própria vida do que na deles. E não me refiro apenas aos antigos, mas também aos modernos. Hoje, tendo conhecido J. R. R. Tolkien, G. K. Chesterton, Peter Kreeft, Auguste Etcheverry, Gustavo Corção e Olavo de Carvalho, para mencionar apenas alguns exemplos, sou forçado pelos fatos a reconhecer que há, sim, cristianismo verdadeiro e sabedoria espiritual genuína, enfim, que Cristo está presente também dentro da Igreja Católica, e que seu alcance é muito maior do que eu supunha na infância. Neles, e em vários outros, reconheci membros antes ignorados do mesmo corpo a que também pertenço.

Nesse quadro todo também contribuiu um elemento psicológico que não deve ser desprezado, pois também é responsável em parte pelo atual estado de incompreensão entre protestantes e católicos. Quando eu era criança, as diferenças entre as duas partes pareciam constituir um abismo intransponível pelo simples fato de que abarcavam praticamente toda a diversidade de idéias que eu então conhecia. Entretanto, depois de ter conhecido não só algumas seitas pseudocristãs, mas também o espiritismo, o judaísmo, o islamismo, o hinduísmo, o budismo, o taoísmo e, principalmente, o agnosticismo e o ateísmo, quando voltei minha atenção novamente para o catolicismo, ele pareceu muito menos monstruoso do que parecia quando eu era criança. Isso se fez sentir tanto nos meus estudos filosóficos e teológicos pessoais quanto na minha vida pública, em especial depois que cheguei à universidade. Ali, a profusão de idéias tolas e doutrinas insensatas era tanta que eu não pude jamais deixar de me sentir satisfeito quando encontrava um católico praticante e sincero.

Eu disse que esse efeito é psicológico, mas obviamente há nele um elemento objetivo, pois é um reflexo direto do fato de que, por mais que as desavenças entre protestantes e católicos possam ser importantes em si mesmas, são relativamente insignificantes dentro do quadro geral das idéias em conflito no mundo de hoje. Creio que essa é a percepção que falta a muitas pessoas, ao menos nas igrejas protestantes tradicionais, para as quais o catolicismo parece ser a doutrina mais diferente da sua própria que pode existir, ao menos na prática, isto é, a mais diferente dentre as mais atuantes e significativas dentro do seu campo de visão. Porém, mesmo no século XVI, época em que já floresciam o humanismo racionalista e cultos neopagãos diversos, esse diagnóstico não seria muito exato. Atualmente, numa sociedade muito menos cristã em todos os aspectos, com inimigos se levantando por todos os lados para combater o cristianismo culturalmente, quando não fisicamente, manter essa idéia é um erro completo. No entanto, é isso o que fazem muitos membros das igrejas protestantes, e mesmo alguns de seus líderes: ignoram praticamente todo o resto e combatem com veemência as relativamente pequenas diferenças da Igreja Católica, como se fossem a coisa mais anticristã que já passou pela cabeça de alguém.

O risco que todos, de ambos os lados, corremos com isso é enorme. Se não aprendermos a discernir o estado atual da cultura moderna, se não superarmos o que resta do rancor decorrente das velhas perseguições mútuas (e esse rancor não é tão grande assim; ao menos é bem menor do que a maioria dos que observam de fora normalmente imagina) e, principalmente, se não aprendermos a ouvir a voz de Cristo também do lado de lá das trincheiras que cavamos uns contra os outros, seremos todos presas fáceis da modernidade, e nossas diferenças serão facilmente canalizadas contra nós mesmos por alguns espertalhões totalitários que odeiam o cristianismo sem distinções denominacionais. É loucura ficarmos remoendo as velhas perseguições levadas a cabo pelos inquisidores não sei quantos séculos atrás quando temos diante de nós, agora mesmo, um inimigo comum e pior que mil inquisições (é claro que o mesmo vale para as perseguições movidas por nós contra os católicos). Seremos todos esmagados de repente pelo verdadeiro adversário, que tomou nossas outrora inexpugnáveis fortalezas enquanto estávamos distraídos e desperdiçando todas as nossas energias numa briguinha de família.

11 de novembro de 2007

Bobagem quadrúpede

Dentre as várias objeções que podem ser feitas à doutrina do progresso, entendida como a idéia segundo a qual a humanidade caminha inexoravelmente rumo a um estado cada vez melhor (seja lá o que for esse melhor, já que as diversas correntes progressistas não chegam jamais a um acordo quanto a esse detalhe), poucas me parecem tão evidentes quanto o fato de que elas ignoram o poder das bobagens, em particular o das bobagens perversamente motivadas. Muitos progressistas com os quais tive contato o são por acreditarem inocentemente no poder da verdade para desalojar e exterminar o erro. Não nego que, em última instância, a Verdade tem mesmo esse poder, nem que ela o manifestará plenamente no fim dos tempos, quando tudo o mais tiver fracassado por completo. Enquanto isso não acontece, porém, o fato é que essa confiança plena na rota automática da humanidade em direção à verdade ignora um dos fatos básicos sobre a natureza humana. A falsidade de uma idéia raramente chega a ser um grande obstáculo à sua popularidade, e menos ainda à sua utilização para fins que convenham politicamente a algum grupo. Ao contrário, é perfeitamente conforme a natureza da própria situação que aqueles que têm os melhores argumentos confiem na suficiência do poder da verdade enquanto tal, e assim se disponham a vencer pela argumentação. Enquanto isso, seus opositores, possuindo uma desvantagem óbvia nesse campo, tratarão de contornar os debates e fazer prevalecer suas posições por outros meios. Só assim se explica que uma quantidade aparentemente infindável de idéias flagrantemente absurdas possa ganhar mais força a cada nova demonstração de sua imbecilidade essencial.

O caso de que vou tratar hoje, o do relativismo cultural, é um ótimo exemplo dessa situação. Como todas as outras formas de relativismo, ele é intrinsecamente absurdo por pretender-se absoluto. A forma assumida pela contradição nesse caso específico é que o relativismo cultural propõe que a moralidade é apenas uma construção cultural. Não havendo critério para decidir o que é certo ou errado além do consenso da comunidade, segue-se que é errado julgar moralmente outras culturas. Para notar a incoerência dessa idéia, basta imaginar o que dirá o defensor dessa idéia diante de uma cultura que considera certo fazer esse tipo de julgamento moral. Como se vê, esse relativismo é uma impossibilidade lógica pura e simples, e não são necessárias mais de três linhas para demonstrar isso. Embora seja inútil como descrição da realidade, porém, ele é útil para outros fins, já que oferece orientações práticas, ou melhor, justificativas postiças para a adoção de certas práticas. Sim, pois a utilidade de todos os relativismos, assim como de todos os ceticismos, reside justamente no fato de que na prática eles jamais são empregados imparcialmente contra todos os lados envolvidos numa disputa. E o relativismo cultural, em virtude de sua própria esterilidade intelectual, converte-se automaticamente em instrumento de propaganda ideológica contra as culturas opressoras, tirânicas, imperialistas, e em favor das injustiçadas, minoritárias e perseguidas. Em outras palavras: contra a cultura judaico-cristã, européia, norte-americana e capitalista, contra a cultura islâmica tradicional e em favor de todas as demais, em especial as indígenas de todo o mundo, tão caras aos antropólogos modernistas.

Assim, nota-se que, em virtude dos fins políticos a que se propõe, o relativismo cultural é levado naturalmente a uma dicotomização das culturas que é, em teoria, o oposto exato dele mesmo. Não possuindo qualquer valor racional, ele opera no plano da mera retórica (na acepção vulgar do termo, e não no seu nobre sentido aristotélico) que, tendo dividido as culturas em duas categorias, "boas" e "ruins", tende a compará-las entre si através do justíssimo expediente de ressaltar tudo o que há de bom nas primeiras e de ruim nas últimas. O resultado é o que considero uma das mais pueris de todas as dicotomizações da realidade humana: a dos bons contra os maus, que jamais deveria exceder o universo dos filmes de bangue-bangue. É algo no mínimo aparentado ao mito do "bom selvagem", tão ardorosamente defendido por Rousseau que quase convenceu Voltaire de que o melhor a fazer era andar de quatro (segundo declaração, obviamente irônica, desse farsante iluminado). Tal concepção, muito ao gosto de diversas modas culturais e intelectuais que têm surgido no Ocidente ao longo dos últimos séculos, perpetua-se por meio das mais flagrantes omissões, distorções e inconsistências, das quais darei a seguir apenas uns poucos exemplos:

1. O conquistador espanhol Hernán Cortez é até hoje lembrado como um genocida cruel a serviço de uma nação de gananciosos, que colocou os povos indígenas uns contra os outros e provocou a destruição de uma linda e próspera civilização. O que pouca gente sabe é que a destruição dos astecas foi realizada, contra a vontade de Cortez, por iniciativa dos próprios índios que se aliaram a ele, os quais gemiam sob o pesado jugo daqueles. Dezenas de milhares de vidas humanas eram sacrificadas anualmente nos rituais religiosos astecas, e as vítimas eram recolhidas dentre esses mesmos povos vizinhos que depois auxiliaram os espanhóis. Mas é claro que, relativisticamente falando, o império espanhol era terrível, e o asteca era maravilhoso.

2. Aqui mesmo no Brasil o infanticídio é praticado freqüentemente, tendo resultado na perda de duzentas e uma vidas humanas entre 2004 e 2006, apenas entre os ianomâmis, um dos treze (ou mais) grupos indígenas que mantêm esse costume. Tendo sido cruelmente desalojados de suas terras pelos invasores brancos, e possuindo uma cultura diferente de qualquer outra, os nativos encontram-se livres da obrigação de submeterem-se à Constituição que rege a vida de todos as demais pessoas presentes no território nacional, brasileiras ou não. A Funai e certos antropólogos politicamente corretos consideram isso perfeitamente justo, ao mesmo tempo em que condenam qualquer um que se atreva a tentar impedir tais práticas, mesmo que através do diálogo ou da assistência médica às vítimas. Em contrapartida, o relato bíblico sobre o sacrifício de Isaque por seu pai Abraão (que, aliás, nem chegou a acontecer), é de uma maldade inominável.

3. Por falar em infanticídio, a monstruosa ignorância dos inquisidores medievais, que queimavam mulheres porque criam tratar-se de bruxas, é uma coisa lamentável com conseqüências terríveis, enquanto o costume de certos povos da Nova Guiné de eliminar um dos filhos gêmeos, com base na crença de que era um demônio disfarçado, é apenas uma interessante curiosidade antropológica.

4. Contrasta também com a maldade desses mesmos inquisidores para com as pobres bruxas a atitude de muitos dos nossos antropólogos e sociólogos frente ao candomblé e outras lindíssimas religiões afro-brasileiras que incluem em seu corpo de rituais alguns que, garantem seus praticantes, são eficazes em produzir a morte de indivíduos indesejados. Mas nisso, pelo menos, nossos relativistas são coerentes: tanto no caso antigo quanto no contemporâneo, eles estão sempre do lado das bruxas.

Evitei propositalmente, nos exemplos acima, falar de aspectos culturais referentes a condutas sexuais, direitos de propriedade, tratamento dispensado às mulheres, escravidão e muitos outros, para concentrar-me apenas nas violações do direito à vida, que é evidentemente o mais fundamental dentre todos os direitos humanos. Cabe ressaltar, aliás, que essa posição privilegiada do direito à vida em relação aos demais só é conhecida e aceita no Ocidente por ser esse um valor herdado do cristianismo, e desconhecido por completo em quase todas as demais culturas, antigas ou modernas, civilizadas ou não, inclusive essas que são hoje tão ardorosamente defendidas pelos relativistas de plantão. O fato é que eles são obrigados a utilizar os valores centrais do cristianismo para condenar a cultura cristã, já que dificilmente poderiam fazê-lo a partir dos valores centrais das culturas que defendem. Se tentassem fazê-lo, resultaria daí um relativismo cultural autêntico que, embora não fosse menos contraditório, seria inútil para fins de propaganda ideológica e, portanto, politicamente inócuo. A própria condenação das mortes causadas pela civilização ocidental só é possível porque ela possuía um conceito da dignidade humana ausente em quase todas as demais culturas, assim como só se pode chamar de "roubo" a colonização européia das Américas porque os europeus tinham o conceito de soberania dos estados nacionais, coisa que jamais passou pela cabeça dos ameríndios, os quais viviam de fazer guerras e tomar territórios uns dos outros sem qualquer preocupação dessa ordem. Embora poucos o percebam, na própria condenação proferida pelos relativistas existe uma homenagem velada às culturas amaldiçoadas por eles.

É essa desproporção dos julgamentos, essa duplicidade na aplicação dos valores, que considero terrível acima de tudo. E, de certa forma, as condenações a um dos lados são menos condenáveis que as absolvições do outro. Posso compreender perfeitamente, e concordar em muitos casos, quando alguém critica as Inquisições, os conquistadores espanhóis, os colonizadores europeus em geral e muitas outras pessoas, grupos e atitudes. Posso entender, embora não concorde, quando se afirma que todos eles eram maus. O que não consigo entender de jeito nenhum é a idealização quase idolátrica do outro lado, como se todos os que se opusessem aos "maus" se tornassem bons apenas por isso. A guerra entre Hitler e Stalin é a melhor demonstração histórica de que dois homens podem lutar entre si sem que seja necessário supor que um deles é sequer minimamente bom ou bem intencionado. Quem imagina que os povos primitivos são habitantes tardios do Jardim do Éden, que andam sem roupas por serem inocentes como eram Adão e Eva antes da Queda, que não se preocupam senão em levar uma vida virtuosa e em harmonia com a natureza entre uma baforada e outra do cachimbo da paz, que se conduzem pela mais pura sabedoria e vivem numa sociedade absolutamente igualitária, que praticam uma religião simples e inofensiva, simplesmente desconhece a realidade desses povos, assim como desconhecem a realidade os que preferem as versões mais civilizadas, como o Império Asteca. O relativismo cultural é tanto causa quanto conseqüência da decadência da inteligência e da virtude. No dia em que todos se convencerem dessas bobagens, estaremos próximos de um destino muito pior do que andar de quatro.

2 de novembro de 2007

Visita a um velho conhecido

Não creio que seja um grande exagero dizer que minha vida intelectual começou quando decidi analisar mais detidamente os argumentos de cada uma das partes envolvidas no infindável debate sobre evolução e criação. Acredito que foi muito bom para mim ter começado por aí, já que a própria complexidade das questões e multiplicidade das disciplinas envolvidas não só abriu as portas para o interesse e posterior aprofundamento em cada uma delas (a compreensão adequada do desenrolar desse debate envolve não apenas as ciências naturais em geral, mas também filosofia, teologia, epistemologia, história e até, como hoje percebo, política), mas também me abriu os olhos para certos preceitos de validade muito mais geral, como não se contentar com uma análise superficial do que quer que seja e não confiar na mera autoridade acadêmica de ninguém. Esse é um assunto que me atrai ainda hoje, embora a própria ampliação do meu campo de interesses impeça que eu lhe dedique a mesma atenção que dedicava há cinco ou seis anos. Se não tenho falado muito sobre esse tema neste blog, é apenas porque, como alguns leitores hão de se lembrar, meu primeiro texto vinculado ao assunto rendeu uma discussão enorme numa comunidade do orkut. Ali, meu amigo André Luiz me defendeu contra um certo Gustavo, cujas duras críticas, conquanto não tenham me convencido de que eu estava errado, mereciam, contudo, uma análise cuidadosa que ainda não tive tempo de fazer. E não me sinto muito à vontade em prosseguir falando sobre o assunto como se nada tivesse acontecido. Ao mesmo tempo, porém, sinto imenso desejo de falar sobre o assunto.

A solução que encontrei para esse impasse, e que resultou no texto de hoje, é abordar o assunto apenas indiretamente, de um ponto de vista inteiramente acidental e secundário. Quando comecei a ler debates sobre evolução na internet, o primeiro conjunto de textos anticriacionistas com que me deparei foi o do site Darwin Magazine, textos esses que são, na verdade, traduções do site Creation "science" debunked ("A 'ciência' da criação desmascarada"). O autor é Lenny Flank, um sujeito cujas credenciais acadêmicas no assunto não são superiores às minhas. Nenhum dos vários textos escritos por ele me impressionou tanto quanto um chamado O argumento do design inteligente pode ser considerado científico?, no qual o autor imputa ao design inteligente a acusação de ser apenas um criacionismo disfarçado e, portanto, tão cientificamente ridículo quanto qualquer criacionismo. A prova de que esse texto me impressionou sobremaneira é que escrevi, mais de três anos atrás, um comentário extenso sobre o artigo em questão, sem qualquer intenção de publicá-lo. Esse comentário foi tão detalhado que tudo o que preciso fazer agora é adaptá-lo, reduzindo-o a cerca de um terço de seu tamanho original. Conseqüentemente, o texto que agora publico é bem menos pretensioso que o original: não me proponho a demonstrar que muitas das afirmações científicas feitas nele são puerilmente falsas (por razões que mencionei em parte no post Mitologia bioquímica), nem que criacionismo e design inteligente não são a mesma coisa (expliquei a diferença em A trindade na diversidade), nem vou insistir em que as objeções ao caráter científico deste último são ridículas (expus no texto Terceira colheita uma das minhas razões para pensar assim). Isso basta para tornar desnecessárias refutações mais detalhadas a metade do texto de Flank. Assim, este post será, digamos, o mais longo argumentum ad hominem que já escrevi, e nada mais que isso. Pretendo apenas demonstrar que Lenny Flank, por ignorância, safadeza ou ambas as coisas, não é digno de ser levado a sério. Naturalmente, isso não compromete a causa evolucionista enquanto tal, pois ela pode ser (e tem sido) defendida por pessoas muito mais competentes que ele.

O autor comete alguns erros bobos que mencionarei apenas de passagem. Ele diz, por exemplo, que os criacionistas ilustram a afirmação de que o surgimento da vida por processos naturais é demasiado improvável "apontando que as possibilidades da formação de uma cadeia de DNA através de um mero acaso são as mesmas de um tornado passar por um ferro-velho e formar um Boeing 747 completamente funcional". Mas essa comparação, embora freqüentemente citada por cientistas criacionistas, é de autoria do astrônomo Fred Hoyle, cujas simpatias pelo criacionismo eram absolutamente nulas. Flank afirma também que eventos improváveis ocorrem o tempo todo, de forma que nada permite inferir que algo além do acaso está em jogo, por mais improvável que seja o evento presenciado. Dois dos exemplos com que ele ilustra isso patenteiam sua ignorância dos conceitos estatísticos mais elementares. Um deles é a quantidade de americanos atingidos anualmente por raios, um evento que ele considera muito improvável, sem contudo apresentar qualquer estimativa de quantos casos deveríamos esperar. O outro exemplo envolve cartas de baralho, e nele, diga-se de passagem, as combinações possíveis são apenas 10679, um número muito menor que os envolvidos nos cálculos sobre a origem da vida. O próprio Hoyle, que citei acima, é autor de uma estimativa segundo a qual a probabilidade do surgimento espontâneo da vida nas condições propostas pela teoria tradicional seria de um em 1040000. Embora seja uma estimativa tremendamente otimista (e digo isso sem ironia alguma), ela vale como ilustração. Essa probabilidade é semelhante à de alguém acertar casualmente os resultados de 51404 lançamentos consecutivos de um dado comum, de seis lados. Qualquer ser humano normal teria plena certeza de que o acaso é uma explicação insuficiente se visse alguém acertando tudo isso. Apenas Lenny Flank, coerentemente com seus princípios, coçaria a cabeça e pensaria com seus botões: "Essa é a maior coincidência que já vi!"

Depois de demonstrar sua total ignorância acerca do estado atual da discussão sobre a teoria abiogênica em seus aspectos teóricos e experimentais, para não dizer de conceitos fundamentais de química, Flank chega ao ponto principal do artigo, que é a crítica ao famoso livro A caixa preta de Darwin, do bioquímico americano Michael Behe, adepto do design inteligente. O livro defende que o postulado central da teoria darwiniana ou neodarwiniana, a da evolução gradual pelo acúmulo de alterações minúsculas, não dá conta de explicar o quase inimaginável grau de sofisticação de muitos sistemas bioquímicos, os quais, requerendo a presença simultânea de todos os seus elementos constituintes, não poderiam ser produzidos gradualmente. Sistemas que apresentam essa propriedade são denominados "irredutivelmente complexos", e esse conceito é didaticamente ilustrado no livro por uma ratoeira. Os leitores de Flank que nada sabem sobre Behe são levados a ver neste um fundamentalista fanático e ignorante, e jamais suspeitarão que ele, como católico romano, não tem, nem jamais teve, objeção teológica alguma à evolução, nem que foi por muito tempo um darwinista, convertido afinal ao design inteligente por considerações estritamente científicas, nem que ainda acredita, por exemplo, na ancestralidade comum de todos os seres vivos. Mas deixemos de lado essa péssima caracterização do autor e voltemos ao argumento. Em resposta a ele, Flank declara:

"O argumento de Behe não é realmente novo, é meramente uma reafirmação de um argumento feito há mais de cem anos pelo religioso britânico Paley. Paley argumentava que, se nós encontrarmos um relógio no campo, devemos concluir (pela perfeição de suas funções e pelo intrincado de suas estruturas) que o relógio mencionado foi deliberadamente construído por um projetista. Da mesma forma, afirmava Paley, quando olhamos para o intrincado e para a perfeição do mundo biológico, não nos resta mais nada a não ser concluir, como com o relógio, que ele também é o produto de um projetista, este projetista sobrenatural a quem chamamos Deus."

Porém, mesmo uma leitura superficial do livro de Behe mostra que a alegação de que não há nada de novo em seu argumento é bastante injusta. Behe trata de estabelecer muito claramente a diferença entre seu argumento e o de William Paley:

"No [livro] Natural Theology, Paley indica exemplos biológicos que, afirma, são sistemas de componentes interatuantes, como um relógio, e que, portanto, indicam a presença de um planejador. Os exemplos de Paley mostram de tudo um pouco, variando do realmente impressionante ao apenas interessante e bastante tolo, de sistemas mecânicos a instintos e a meras formas. Quase nenhum de seus exemplos foi especificamente refutado com a demonstração de que as características poderiam ter surgido sem um planejador, mas, uma vez que em muitos deles Paley não utiliza princípio algum que impediria o desenvolvimento em pequenos passos, tem sido suposto desde os dias de Darwin que esse desenvolvimento gradual é possível."

Para Behe, a evidência do design não está, ao contrário do que consta na descrição de Flank, no intrincado, na perfeição ou na beleza de determinados mecanismos bioquímicos. Para que o design possa ser legitimamente inferido não basta constatar que um sistema é muito complexo ou perfeito, uma vez que tais conceitos são vagos e subjetivos. Behe procurou aproveitar apenas a parcela objetiva do argumento de Paley, identificando-a ao seu conceito de complexidade irredutível. Segundo ele, a idéia do planejamento inteligente é "uma idéia simples, fecunda, óbvia, que foi desviada do seu caminho pela concorrência e contaminação de idéias estranhas. Desde o início, o principal concorrente de uma rigorosa hipótese de planejamento foi a sensação confusa de que, se alguma coisa se ajusta à nossa idéia de como as coisas devem ser, então isso é prova de planejamento".

Feitos todos esses esclarecimentos, torna-se notoriamente absurda a declaração de Flank de que "o problema, tanto com o argumento da 'complexidade irredutível', como com o 'argumento do design', é que nenhum dos dois tem algo científico a dizer, e ambos estão baseados somente em pressupostos religiosos". Tudo o que Flank fez foi associar o argumento de Behe ao de Paley, e depois criticar este último, como se ambos fossem idênticos. O próprio Behe já declarara, em entrevista, que seus críticos "tentam condenar o livro através do processo de associação. Eles também não vêem que há uma distinção entre chegar a uma conclusão simplesmente pela observação do mundo físico, como é suposto que um cientista faça, e chegar a uma conclusão baseada nas Escrituras ou em convicções religiosas". Behe estava se referindo a críticos mais dignos de sua atenção, sem dúvida, mas o comentário descreve muito bem a crítica em questão.

Flank extrai ainda de sua própria ignorância a conclusão de que o livro não apresenta nenhuma declaração cientificamente verificável. Mas o que Behe fez foi justamente estabelecer um critério que diz se um mecanismo pode ou não ser formado através de pequenas e sucessivas modificações. E mesmo a maioria de seus críticos qualificados reconhece implicitamente que é um critério válido. A idéia de que um sistema irredutivelmente complexo não pode evoluir gradualmente não tem sido seriamente questionada, pois essa característica é inerente à própria definição do conceito. A questão realmente importante é se existem, nos organismos vivos, sistemas desse tipo. Behe examinou vários sistemas bioquímicos reais e forneceu boas razões para pensarmos que sim. Mas essa idéia é, em princípio, fácil de ser refutada: basta que alguém demonstre como tais sistemas poderiam ter evoluído no estilo darwiniano.

Lenny Flank, porém, toma outro caminho, cometendo nele os mais infantis de todos os seus erros. Primeiro, propondo-se a mostrar que a ratoeira não é irredutivelmente complexa (o que é irrelevante, já que ela serve apenas como ilustração, e o livro não é sobre ratoeiras), ele parte de um sistema muito simplificado, no qual o dono da casa simplesmente coloca uma isca no chão e acerta o rato com o martelo. Flank só não percebeu que, não podendo o martelo acertar o rato por conta própria, segue-se que o dono da casa é parte imprescindível da ratoeira, o que torna a versão inicial da mesma muito mais complexa que a final. Em seguida, Flank sugere que a solução para o impasse reside no conceito de exaptação, pelo qual um sistema complexo se forma aproveitando elementos que inicialmente se destinavam a outros fins e faziam parte de outros sistemas. O articulista chega a sugerir que, se Behe conhecesse tal idéia, não teria aparecido com essa tal complexidade irredutível. Behe, no entanto, menciona explicitamente essa possibilidade: "Uma das partes da ratoeira poderia ter sido usada para algum outro fim que não pegar ratos, o mesmo tendo acontecido com os outros elementos. Em alguma ocasião, várias partes que estavam sendo usadas para outras finalidades reuniram-se, de repente, para produzir uma ratoeira funcional." Behe gasta os seis parágrafos seguintes argumentando contra a validade dessa hipótese, que ele julga incapaz de fazer justiça às especificidades dos sistemas bioquímicos que discute. Não entrarei nesses detalhes. Mas esse episódio demonstra que Flank não leu o livro, ou mentiu deliberadamente aos seus leitores na esperança de que não o tenham lido, ou não entendeu o que leu. Qualquer que seja o caso, ele não tinha nenhum direito de escrever um artigo a respeito.

Depois de rotular o design inteligente como "argumento da ignorância" e acusá-lo de recorrer a um "Deus das lacunas", imputações tão ridículas que tornariam possível dedicar um post exclusivamente a elas, Flank encerra seu amontoado de bobagens apontando que, para terem a pretensão de dizer algo cientificamente válido, os defensores do design inteligente deveriam declarar com precisão "qual seria a aparência de uma biomolécula não projetada". Para sua sorte, ele jamais chegou a perceber, ao que parece, que essas pessoas questionam justamente a possibilidade da existência de tais moléculas; tal constatação o colocaria na desagradável situação de ter de demonstrar essa possibilidade, o que, como fica claro ao longo de todo o texto, seria uma tarefa árdua demais para ele.