Já é tempo de comentar brevemente certas reações geradas por alguns de meus posts nos últimos tempos. Limitar-me-ei aqui, como de costume, a prestar alguns esclarecimentos que julgo necessários a respeito de meus textos, deixando de lado as conversas que, embora muito interessantes e motivadas pelos mesmos, acabaram se desviando demais do assunto principal.
Em seu comentário ao meu post A trindade na diversidade, meu amigo Marco levantou a hipótese de que as três correntes mencionadas (evolucionismo, criacionismo e design inteligente) podem perfeitamente conter, cada uma delas, uma parcela de razão. Não posso discordar dele nesse ponto, pois me parece que é isso mesmo o que ocorre. Mas é consideravelmente difícil discorrer sobre o grau de correspondência de cada uma com a realidade, e a principal causa dessa dificuldade reside, como apontei no próprio texto, no fato de que cada uma das três vertentes possui um grande número de subdivisões. Não se pode, por exemplo, impugnar alguma versão não-darwiniana do evolucionismo a partir de argumentos específicos contra as correntes darwinistas, assim como não se podem apresentar evidências da antiguidade do planeta senão contra os criacionistas que interpretam os dias da criação no Gênesis em sentido estritamente literal. É impossível, portanto, sustentar uma discussão séria no nível dos fatos da natureza (ou mesmo dos princípios metodológicos da investigação) sem levar em conta essas muitas particularidades das opiniões de cada indivíduo ou grupo que defende uma posição sobre o assunto. Não fiz nada disso no meu post, pela simples razão de que não era meu objetivo avaliar, de maneira geral ou específica, os méritos relativos de cada concepção, e tampouco fornecer qualquer descrição dos argumentos utilizados por cada uma. Eu pretendia apenas definir apropriadamente os termos que designam os grupos mais amplos envolvidos no debate, de forma que qualquer indivíduo que tenha uma opinião sobre o assunto possa, em última análise, ser encaixado em um dos três sem ambigüidades. Esse é um problema que me esforcei para resolver, e creio que agora o consegui. Mas não tenho tanta certeza disso, pois um amigo me informou durante uma conversa que Francis Collins, coordenador do famoso Projeto Genoma Humano, defende em seu livro recém-publicado, The language of God, uma concepção que se distingue de todas as três que apresentei aqui. Como eu ainda não li o livro e meu amigo não pôde me dar informações mais detalhadas porque também não havia terminado a leitura, não posso me pronunciar a respeito por enquanto, e limito-me agora a prometer que retornarei ao tema num post futuro se constatar que a minha classificação tripartidária se tornou desatualizada, ou se houver mais algo interessante a ser dito sobre o tema.
Enquanto isso não ocorre, o que convém assinalar é que, com relação aos pontos específicos que utilizei na distinção entre os três grupos, dizer que todos estão certos ou parcialmente certos parece-me uma pura impossibilidade lógica, já que eu defini os termos justamente de modo a eliminar essa possibilidade. Há duas alternativas: ou a evolução se deu sob processos inteiramente naturais ou não. No primeiro caso, o evolucionismo é verdadeiro; no segundo, temos duas opções: ou o exame científico dos objetos inteligentemente projetados permite inferir legitimamente algo sobre seu projetista ou não. No primeiro caso, o criacionismo é verdadeiro; no segundo, é verdadeiro o design inteligente. Não vejo como escapar a essa conclusão. Ainda assim como apontei anteriormente, a questão levantada pelo Marco permanece válida no seguinte sentido: se tomarmos as opiniões defendidas por algum cientista envolvido nessa controvérsia (qualquer que seja a posição fundamental defendida por ele) em sua totalidade, e não apenas em relação a esses dois pontos específicos, é óbvio que muito do que ele disser será aproveitável. Ou seja, embora nos pontos distintivos um dos grupos esteja necessariamente certo e os outros dois necessariamente errados, isso não impede que cada um tenha muito a aprender com os demais.
Ainda sobre esse mesmo texto, meu amigo Nelson fez um comentário que se relaciona muito de perto com uma questão mais ampla sobre a qual ainda pretendo escrever mais detalhadamente. Ele leu num artigo da Wikipédia que a hipótese da complexidade irredutível, desenvolvida pelo bioquímico Michael Behe contra a onipotência dos processos evolutivos naturais e a favor do design inteligente, já foi refutada. Sem entrar, por enquanto, na discussão propriamente científica dessa questão, farei duas observações que considero úteis. A primeira é que os argumentos do design inteligente não se limitam à tese da complexidade irredutível. E a segunda é que, lendo o artigo indicado por meu amigo (este aqui), constatei algo bastante interessante, embora não inédito. O artigo afirma, citando a sentença do famoso julgamento de Dover, que "a reivindicação do professor Behe em favor da complexidade irredutível foi refutada em artigos de pesquisa revistos por pares e rejeitada pela comunidade científica em larga escala". Mas, um pouco abaixo, afirma que o design inteligente "não é falseável, não é empiricamente testável". Ninguém parece se incomodar com o fato de que essas duas afirmações contradizem-se mutuamente. A primeira implica que o design inteligente é algo cientificamente demonstrável como falso, enquanto a segunda implica que, não satisfazendo o critério erigido por Karl Popper para distinguir o que é ciência do que não é (segundo esse renomado filósofo, a ciência define-se por lidar com proposições que podem, em princípio, ser refutadas), o design inteligente não é sequer passível de investigação científica. O artigo sustenta, portanto, que o design inteligente possui ambos os defeitos: é algo tão anticientífico que não pode ser refutado, e no entanto conseguiu sê-lo mesmo assim. Não acho que seja injusto dizer que isso no mínimo cheira a empulhação. Algum dia vou dedicar um post a considerações mais aprofundadas sobre o comportamento da comunidade científica diante de teorias minoritárias, especialmente quando estas defendem posições ideologicamente indesejáveis (como o design inteligente e a negação do aquecimento global antropogênico), e veremos que não é muito diferente disso. Porém, levando em conta que o alvo imediato é apenas um artigo da Wikipédia, o espaço que lhe dediquei já é suficiente.
Depois que publiquei o post A mais grandiosa das aventuras em resposta à pergunta de um amigo sobre a relação entre a soberania de Deus e a liberdade do homem, a discussão entre nós dois continuou por e-mail; e parece que, depois de termos em parte aprofundado e em parte desviado o assunto, finalmente consegui convencê-lo da validade da posição que defendi. Não vou entrar em detalhes sobre a nossa discussão, mas há um ponto levantado por meu amigo que considerei digno de esclarecimento. Ele perguntou se o que eu disse sobre o erro de usar termos temporais em referência a eventos ocorridos fora do tempo não seria, contrariamente ao que eu disse no final do post, um posicionamento contra a doutrina da predestinação. A resposta é não. O que eu disse não deve ser entendido como uma referência à mera raiz lingüística da palavra. Existe uma diferença conceitual importante entre a idéia da predestinação (ou, em geral, dos decretos divinos) e a idéia de que "Deus já sabe o que vai acontecer". Neste segundo caso há uma referência temporal insuperável, enquanto no primeiro isso não ocorre. Embora etimologicamente a palavra indique uma referência ao passado, o conceito que ela descreve não o faz; da mesma forma, usamos a palavra "átomo" para denotar um objeto facilmente divisível em nossas usinas nucleares. De qualquer forma, minhas considerações sobre o tempo foram apenas um esclarecimento introdutório destinado a prevenir meu trabalho posterior contra a ignorância de certos leitores potenciais (o que não inclui esse meu amigo). O argumento principal só foi analisado a partir do quinto parágrafo, conforme eu reconheci ali mesmo ao dizer: "Parece que, mesmo deixando de lado a questão cronológica, que é mera infantilidade, resta ainda um problema lógico que merece consideração mais atenta."
Devo ainda fazer algumas pequenas ressalvas sobre meu post Diálogo sobre as mortes, no qual fiz alguns comentários ao texto Athrabeth, de Tolkien. O primeiro é que, no segundo parágrafo, falando sobre as duas traduções disponíveis, respectivamente, nos sites Valinor e Duvendor, eu afirmei: "A primeira está melhor [...] e possui algumas notas, de modo que a utilizarei em eventuais citações." Porém, eu escrevi o restante do post e acabei não fazendo citação alguma. Devo, portanto, retratar-me por não ter revisado esse trecho antes de publicar o texto. Além disso, tendo lido o Athrabeth já há um bom tempo, não me lembrei do conteúdo da segunda nota, escrita pelo próprio autor: "Isto seria por volta do ano 409 da Longa Paz. Nesse época Belemir e Adanel eram idosos na medida dos Homens, tendo cerca de 70 anos de idade; mas Andreth estava na plenitude do vigor, ainda não tendo 50." No texto eu afirmei que o diálogo não tinha data bem definida, no que obviamente me equivoquei, embora eu tenha acertado ao dizer que "certamente não foi muito antes do ano 455 da Primeira Era do Sol". Da mesma forma, errei ao dizer que Andreth já era idosa na ocasião, embora de fato já não fosse jovem.
Finalmente, recebi há pouco de um certo Fernando um comentário acerca das cartas de Lewis e Vanauken. Ele parece achar um absurdo que a religião cristã, a despeito de sua apologia da humildade, tenha a pretensão de declarar-se verdadeira. Não tenho idéia de quem seja esse tal Fernando, e não tenho meios de entrar em contato privado com ele, de modo que terei de responder-lhe aqui mesmo. Mas antes lhe faço um aviso: se quiser continuar a discussão, queira ter a gentileza de me enviar seu endereço de e-mail ou algo do tipo, pois eu só dedico posts a responder comentários dos meus leitores, como estou fazendo hoje, em média uma vez a cada não sei quantos meses.
Eu disse que o Fernando comentou as cartas de Lewis e Vanauken, mas a realidade não é bem essa. O que ele fez foi comentar duas palavras que encontrou nelas, "humildade" e "verdade", associando-as de uma maneira totalmente arbitrária do ponto de vista do próprio texto, embora bastante comum entre os pseudocéticos de hoje em dia. Ele parece achar que um sujeito humilde (pelo menos intelectualmente falando) é alguém que jamais se sente no direito de afirmar coisa alguma. Ora, essa pode ser a pretensa humildade dos agnósticos (à qual ainda vou dedicar um post qualquer hora dessas), mas não tem nada a ver sequer com a humildade socrática, e muito menos com a cristã. Não sei bem como explicar a esse sujeito em poucas palavras o que é a autêntica humildade cristã, mas acho que posso dar ao menos dois passos nesse sentido. O próprio Fernando concluiu seu comentário com as seguintes palavras: "O único Lewis que trouxe algo de novo e importante para o mundo foi mesmo o Gilbert Newton, os outros nada..." Para ter o direito de dizer isso, naturalmente, ele deve não apenas conhecer razoavelmente bem a vida e o pensamento de C. S. Lewis, mas também de todos os Lewis razoavelmente famosos que existem. Se não conhece, então o próprio Fernando torna-se o contra-exemplo perfeito da humildade intelectual. É claro que não o estou acusando de nada, já que nem o conheço; esse é um exemplo hipotético que ele pode perfeitamente contestar como inverídico, e espero que o faça, mas ainda assim permanece como boa ilustração. Se isso não serve para esclarecer o que os cristãos entendem por humildade, passo então ao passo seguinte, que é simplesmente transcrever estas esclarecedoras considerações, embora breves, de um grande escritor cristão (e ex-agnóstico), G. K. Chesterton:
"Mas o que sofremos hoje é a humildade no lugar errado. A modéstia saiu do órgão da ambição e fixou-se no órgão da convicção, onde nunca deveria estar. Um homem deveria estar duvidoso acerca de si mesmo, mas confiante acerca da verdade; isso foi inteiramente invertido. Hoje em dia a parte do homem que ele afirma é exatamente a parte que ele não deveria afirmar: ele próprio. A parte da qual ele duvida é exatamente a parte da qual ele não deveria duvidar: a Razão Divina. Huxley pregou uma humildade que se contentava em aprender da natureza. Mas o novo cético é tão humilde que duvida que possa aprender. Assim, estaríamos errados se disséssemos apressadamente que não há uma humildade típica do nosso tempo; apenas acontece que é, na prática, uma humildade mais venenosa que as mais selvagens prostrações do asceta. A velha humildade era uma espora que impedia o homem de parar, não um prego na bota que o impedia de prosseguir. Pois a humildade fazia o homem duvidar de seus esforços, o que poderia fazê-lo trabalhar mais. Mas a nova humildade leva o homem a duvidar de suas metas, o que o fará suspender completamente o trabalho."
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