24 de fevereiro de 2010

Definições reformadas

Ao percorrer as cerca de setecentas páginas da Teologia sistemática de Louis Berkhof, um dos grandes sistematizadores da doutrina calvinista no século XX, tive a ideia de reunir num único post todas as definições ali apresentadas para os termos teológicos principais da teologia reformada. Não sei se consegui listar todos eles abaixo, mas creio ter conseguido incluir pelo menos a maior parte deles. Convém observar que essas definições não esgotam os tópicos principais do livro. Há, inclusive, termos importantes que são extensamente discutidos e caracterizados sem que deles se apresente uma definição explícita. Apesar disso, acredito que as informações transcritas a seguir fornecem uma boa introdução ao vocabulário reformado. Muitas das definições são de autoria do próprio Berkhof. Em outros casos, porém, ele se contenta em transcrever definições dadas nas confissões e catecismos calvinistas, ou fornecidas por teólogos anteriores. Esses casos são devidamente indicados no texto.

1. Teologia: "o conhecimento sistematizado de Deus".

2. Imutabilidade de Deus: "a perfeição pela qual não há mudança nEle, não somente em Seu Ser, mas também em Suas perfeições, em Seus propósitos e em suas promessas".

3. Infinidade de Deus: "a perfeição de Deus pela qual Ele é isento de toda e qualquer limitação".

4. Eternidade de Deus: "a perfeição de Deus pela qual Ele é elevado acima de todos os limites temporais e de toda sucessão de momentos, e tem a totalidade da Sua existência num único presente indivisível".

5. Imensidade de Deus: "a perfeição do Ser Divino pela qual Ele transcende todas as limitações espaciais e, contudo, está presente em todos os pontos do espaço com todo o Seu Ser".

6. Conhecimento de Deus: "a perfeição de Deus pela qual Ele, de maneira inteiramente única, conhece-se a Si próprio e a todas as coisas possíveis e reais num só ato eterno e simples".

7. Sabedoria de Deus: "a perfeição de Deus pela qual Ele aplica o Seu conhecimento à consecução dos Seus fins de um modo que O glorifica o máximo".

8. Veracidade de Deus ou verdade de Deus: "a perfeição de Deus em virtude da qual Ele responde plenamente à ideia da Divindade, é perfeitamente confiável em sua revelação, e vê as coisas como realmente são".

9. Bondade de Deus: "a perfeição de Deus que O leva a tratar benévola e generosamente todas as Suas criaturas".

10. Amor de Deus: "a perfeição de Deus pela qual Ele é movido eternamente à Sua própria comunicação".

11. Graça de Deus: "a imerecida bondade ou amor de Deus aos que perderam o direito a ela e, por natureza, estão sob a sentença de condenação".

12. Misericórdia de Deus: "a bondade ou amor de Deus demonstrado para com os que se acham na miséria ou na desgraça, independentemente dos seus méritos".

13. Longanimidade de Deus: "o aspecto da bondade ou amor de Deus em virtude do qual Ele tolera os rebeldes e maus, a despeito da sua prolongada desobediência".

14. Santidade ética de Deus: "a perfeição de Deus, em virtude da qual Ele eternamente quer manter e mantém a Sua excelência moral, aborrece o pecado, e exige pureza moral em Suas criaturas".

15. Justiça absoluta de Deus: "a retidão da natureza divina, em virtude da qual Deus é infinitamente reto em Si mesmo".

16. Justiça relativa de Deus: "a perfeição de Deus pela qual Ele se mantém contra toda violação da Sua santidade e mostra, em tudo e por tudo, que Ele é Santo".

17. Vontade de Deus como faculdade de autodeterminação: "a perfeição do Seu Ser pela qual Ele, num ato sumamente simples, dirige-se a Si mesmo como o Sumo Bem (isto é, deleita-se em Si mesmo como tal) e as Suas criaturas por amor do Seu nome e, assim, é a base do ser e da continuada existência delas".

18. Poder de Deus: "a perfeição do Seu Ser pela qual Ele é a causalidade absoluta e suprema".

19. Poder absoluto de Deus (potentia Dei absoluta): segundo Charnock, "o poder pelo qual Deus é capaz de fazer o que Ele não fará, mas que tem possibilidade de ser feito".

20. Poder ordenado de Deus (potentia Dei ordinata): "a perfeição de Deus pela qual Ele, mediante o simples exercício da Sua vontade, pode realizar tudo quanto está presente em Sua vontade ou conselho".

21. Geração do Filho: "o ato eterno e necessário da primeira pessoa da Trindade, pelo qual Ele, dentro do Ser Divino, é a base de uma segunda subsistência pessoal, semelhante à Sua própria, e dá a esta segunda pessoa posse da essência divina completa, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança".

22. Espiração: "o eterno e necessário ato da primeira e da segunda pessoa da Trindade pelo qual elas, dentro do Ser Divino, vêm a ser a base da subsistência pessoal do Espírito Santo, e propiciam à terceira pessoa a posse da substância total da essência divina, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança".

23. Decreto de Deus: segundo o Catecismo menor de Westminster, "o Seu eterno propósito, segundo o conselho de Sua vontade, pelo qual, para Sua própria glória, Ele predestinou tudo o que acontece".

24. Predestinação: "o conselho de Deus concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição soberana de uns e a justa reprovação dos restantes".

25. Eleição: "o ato eterno de Deus pelo qual Ele, em Seu soberano beneplácito, e sem levar em conta nenhum mérito previsto nos homens, escolhe um certo número deles para receberem a graça especial e a salvação eterna"; ou, mais resumidamente, "o propósito de Deus de salvar certos membros da raça humana, em Jesus Cristo e por meio dEle".

26. Reprovação: "o decreto eterno de Deus pelo qual Ele determinou deixar de aplicar a um certo número de homens as operações da Sua graça especial, e puni-los por seus pecados, para a manifestação da Sua justiça".

27. Criação, no sentido estrito: "o livre ato de Deus pelo qual Ele, segundo a Sua vontade soberana e para a Sua própria glória, produziu no princípio todo o universo, visível e invisível, sem uso de material preexistente, e assim lhe deu uma existência distinta da Sua própria e, ainda assim, dele dependente".

28. Providência: "o permanente exercício da energia divina, pelo qual o Criador preserva todas as Suas criaturas, opera em tudo que se passa no mundo e dirige todas as coisas para o seu determinado fim".

29. Preservação: "a obra contínua de Deus pela qual Ele mantém as coisas que criou, juntamente com as propriedades e poderes de que as dotou".

30. Concorrência: "a cooperação do poder divino com todos os poderes subordinados, em harmonia com as leis pré-estabelecidas de sua operação, fazendo-os agir precisamente como agem".

31. Governo de Deus: "a contínua atividade de Deus pela qual Ele rege todas as coisas teleologicamente a fim de garantir a realização do propósito divino".

32. Pecado: "falta de conformidade com a lei moral de Deus, em ato, disposição ou estado".

33. Pecado original: "o estado e condição de pecado em que os homens nascem".

34. Aliança da redenção: "o acordo entre o Pai, dando o Filho como o Chefe e Redentor dos eleitos, e o Filho, tomando voluntariamente o lugar dos que Lhe foram dados pelo Pai".

35. Aliança da graça: "o acordo feito, com base na graça, entre o Deus ofendido e o pecador ofensor, porém eleito, no qual Deus promete a salvação mediante a fé em Cristo, e o pecador a aceita confiantemente, prometendo uma vida de fé e obediência".

36. Realeza de Cristo: "Seu poder oficial de governar todas as coisas do céu e da terra, para a glória de Deus e para a execução de Seu propósito de salvação".

37. Ordem da salvação (ordo salutis): "o processo pelo qual a obra de salvação, realizada em Cristo, é concretizada subjetivamente nos corações e vidas dos pecadores".

38. Graça comum: podem ser "as operações gerais do Espírito Santo pelas quais Ele, sem renovar o coração, exerce tal influência sobre o homem por meio da Sua revelação geral ou especial, que o pecado sofre restrição, a ordem é mantida na vida social, e a justiça civil é promovida"; ou então "as bênçãos gerais, como a chuva e o sol, a água e alimento, roupa e abrigo, que Deus dá a todos os homens indiscriminadamente, onde e quanto Lhe parece bom fazê-lo".

39. União mística: "união íntima, vital e espiritual entre Cristo e Seu povo, em virtude da qual Ele é a fonte da sua vida e poder, da sua bendita ventura e salvação".

40. Vocação real (vocatio realis): "o chamamento externo dirigido aos homens por meio da revelação geral de Deus, uma revelação da lei e não do Evangelho, para reconhecerem, temerem e honrarem a Deus como o seu Criador".

41. Vocação verbal (vocatio verbalis): "o ato gracioso de Deus pelo qual Ele convida os pecadores a aceitarem a salvação oferecida em Cristo Jesus".

42. Regeneração: no sentido mais restrito, "o ato de Deus pelo qual o princípio da nova vida é implantado no homem, e a disposição dominante da alma é tornada santa"; no sentido amplo, dado de modo a incluir a ideia do novo nascimento, convém acrescentar: "e o primeiro exercício santo desta nova disposição é assegurado".

43. Conversão ativa: "o ato de Deus pelo qual Ele faz com que o pecador regenerado, em sua vida consciente, se volte para Ele com arrependimento e fé".

44. Conversão passiva: "o resultante ato consciente do pecador pelo qual ele, pela graça de Deus, volta-se para Deus com arrependimento e fé".

45. Fé salvadora: "uma certa convicção, produzida pelo Espírito Santo no coração, quanto à veracidade do Evangelho, e uma segurança (confiança) nas promessas de Deus em Cristo".

46. Santificação: "a graciosa e contínua operação do Espírito Santo pela qual Ele liberta o pecador justificado da corrupção do pecado, renova toda a sua natureza à imagem de Deus, e o capacita a praticar boas obras".

47. Perseverança: "a contínua operação do Espírito Santo no crente, pela qual a obra da graça divina, iniciada no coração, tem prosseguimento e se completa".

48. Igreja: de acordo com a Segunda Confissão Helvética, "uma assembléia dos fiéis, convocada e reunida do mundo, uma comunhão de todos os santos, isto é, daqueles que verdadeiramente conhecem e retamente adoram e servem o verdadeiro Deus em Jesus Cristo, o Salvador, pela palavra do Espírito Santo, e que pela fé participam de todos os benefícios gratuitamente oferecidos mediante Cristo"; de acordo com a Confissão de Fé de Westminster, "A igreja católica ou universal, que é invisível, consta do numero total dos eleitos que já forma, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, sua cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas"; e, segundo Calvino, é a "multidão de pessoas espalhadas pelo mundo, que professam adoração a um só Deus em Cristo; são iniciadas nesta fé pelo batismo; dão testemunho da sua unidade e amor por sua participação na Ceia; estão de acordo na Palavra de Deus, e pela pregação dessa Palavra mantêm o ministério ordenado de Cristo".

49. Sacramento: "uma santa ordenança instituída por Cristo, na qual, mediante sinais perceptíveis, a graça de Deus em Cristo e os benefícios da aliança da graça são representados, selados e aplicados aos crentes, e estes, por sua vez, expressam sua fé e sua fidelidade a Deus".