17 de setembro de 2008

Sexta colheita, ou: mais cartas de uma bruxa

Nesta postagem terminarei o que comecei na anterior, isto é, a atenção aos comentários recebidos a propósito do post Uma dúzia de tiranos. Resta ainda o comentário do Bruno, em resposta ao qual vi-me obrigado a me delongar um pouco a fim de fazer-lhe justiça. Como os e-mails que enviei ao Gustavo e ao Otávio, este também foi enviado em 16 de julho, e não recebi resposta até o momento. Transcrevo abaixo o comentário dele e a minha resposta:

"Então ele critica as pessoas, não as idéias, avaliando se suas vidas são coerentes com uma determinada moral, que não é a que estes intelectuais defendiam, talvez nem mesmo a mais comum na época em que viveram? É assim que idéias são desqualificadas?

Dizer que Marx não gostava de banho, Russell era incompetente para atividades mecânicas e Sartre abusava de álcool e drogas, torna suas obras menos relevantes, ou menos coerentes?"


"Olá, caro Bruno! Finalmente consegui arrumar um tempo para dizer algo sobre o primeiro comentário feito por você no meu blog, comentário esse que foi, devo dizer, uma surpresa muito agradável para mim. Mas vamos ao que interessa.

Uma pessoa que tivesse seu comentário como única fonte de informação sobre o livro em questão concluiria facilmente o seguinte: 1. Paul Johnson julga os intelectuais não segundo os critérios da moral que eles mesmos defendiam, e sim segundo os de alguma moral que eles rejeitavam, ou que talvez nem fosse a predominante nos seus respectivos meios sociais. 2. Partindo desse fundamento em si mesmo altamente questionável, o autor piora a situação ao tentar impugnar as concepções teóricas defendidas por esses intelectuais por meio de um simples argumentum ad hominem. 3. E, como se não bastasse, as deficiências encontradas por Johnson nas pessoas que analisa são objetivamente insignificantes, presumivelmente porque ele não pôde encontrar nenhuma acusação mais sólida para fazer. Em resumo, o espírito do livro é algo tão besta quanto 'Marx não tomava banho, portanto o marxismo é uma fraude' e bobagens semelhantes.

Porém, se uma pessoa atingisse tais conclusões a respeito do conteúdo do livro, ela facilmente perceberia, quando começasse a lê-lo, que havia se enganado imensamente. Tão imensamente que ela poderia chegar a suspeitar que você, caro Bruno, tentou enganá-la propositalmente. Se me dou ao trabalho de dizer algo sobre esse seu comentário, é apenas porque não acho provável que você tenha dito tais coisas por desonestidade. Não sei se você leu o livro, mas a caricatura que você faz dele é tão monstruosamente distorcida que só o fato de não tê-lo lido pode lhe servir de desculpa. Os exemplos que você cita (sobre Marx, Russell e Sartre) demonstram ao menos que você tem alguma outra fonte de informação sobre o livro. Prefiro, portanto, acreditar que você acreditou de boa fé nas bobagens que encontrou nessa fonte e as repetiu no meu blog sem saber direito o que dizia. Chego a essa conclusão por crer que é meu dever pensar das pessoas o melhor que as circunstâncias permitem, pois a ignorância me parece algo bem menos grave que a desonestidade.

O único fragmento de razão existente em tudo o que você disse reside no fato de que Johnson, em algumas passagens, critica as atitudes dos intelectuais examinados a partir de fora, e não das concepções defendidas por eles próprios. Assim, por exemplo, ele critica Shelley com base na forte evidência de que ele pretendeu, numa certa época, transar com sua irmã de doze anos, e tudo indica que só não chegou a fazer isso por pura falta de oportunidade. Evidentemente é uma crítica do tipo que você mencionou, já que o grande poeta visivelmente era pervertido demais para ver algo errado nisso. De qualquer forma, não se trata de defender uma moral alheia à que era aceita na sociedade de então; não conheço muitas culturas, mesmo entre as mais hediondas, em que essa prática seja aceitável. Além disso, em boa parte dos casos Johnson critica os intelectuais por atitudes que violam não apenas as normas aceitas na sociedade em que viviam, mas também as normas que sempre foram aceitas em todos os tempos onde quer que tenha havido seres humanos. Refiro-me a coisas como pagar o que se deve, trabalhar para levantar o próprio sustento, não mentir apenas para se dar bem (sobretudo quando isso envolve calúnia), se preocupar com o bem estar dos próprios filhos, ser honesto no relacionamento com o cônjuge (ou seu equivalente), não ser ingrato com os que nos ajudaram, e assim por diante. Cada uma dessas normas absolutamente elementares foi violada sistematicamente por pelo menos um dos intelectuais analisados no livro.

Devo dizer ainda que, ao contrário do que você dá a entender, a crítica de Johnson não se limita a detalhes bobos como falta de banho ou de habilidades mecânicas (não incluo aqui o vício em álcool e drogas, que é algo bem mais grave). Aliás, o próprio Johnson não dá grande importância a essas coisas, mencionando-as apenas de passagem e como meio de quebrar um pouco a seriedade da narrativa. Fazer de conta que essas coisinhas constituem o núcleo da argumentação do autor só pode ser resultado de desonestidade ou burrice. Prova muito maior da incapacidade moral dos tais intelectuais se encontra na recusa de Russell de assumir a responsabilidade pelo conteúdo dos seus próprios pronunciamentos (como, por exemplo, quando ele negou ter dito que a extinção da humanidade era preferível ao mero risco da ascensão de um governo comunista mundial - idéia que ele havia defendido em pelo menos dez ocasiões diferentes), ou no fato de Sartre ter chamado Charles de Gaulle de nazista, desconsiderando o fato de que o general havia sido o líder da resistência francesa durante a ocupação alemã, enquanto o próprio Sartre transitava livremente, escrevendo artigos para revistas que colaboravam com a ocupação.

Porém, o melhor exemplo de todos ainda é o de Marx. O caso dele basta para ilustrar dois fatos. O primeiro é que uma parcela significativa das críticas que Johnson faz aos intelectuais em questão diz respeito justamente à incoerência entre suas atitudes e aquilo que eles mesmos pregavam. É chocante descobrir que o mesmo homem que criticou ferozmente os empresários por pagarem salários tão baixos aos seus funcionários tinha uma 'empregada' que jamais recebeu salário algum - sendo, portanto, uma escrava. E é pior ainda descobrir que o mesmo homem que, nas páginas do Manifesto comunista, vociferou contra os burgueses que se aproveitavam sexualmente das mulheres pobres teve um caso com a 'empregada', engravidou-a e não assumiu o filho.

O segundo fato é que Johnson é bem mais consistente do que você parece crer quando resolve, com base em suas considerações biográficas, questionar a validade dos sistemas teóricos erigidos pelos filósofos em questão. O caso de Rousseau também é muito instrutivo, mas para não me estender demais eu vou continuar falando de Marx. Concordo que a antipatia pelo sabonente não milita contra as teses de Marx. Mas não se pode dizer o mesmo da constatação de que suas conclusões sobre o estado final da humanidade já estavam substancialmente prontas muito antes que ele começasse a estudar o que quer que fosse. Esse fato no mínimo fornece razões para suspeitarmos de que sua teoria não é uma dedução a partir dos fatos, e sim um critério a partir do qual os mesmos deveriam ser julgados. E essa suspeita ganha muita força quando começam a surgir evidências de inúmeras fraudes na forma como ele usou os dados para argumentar em favor de sua tese, ignorando ou distorcendo dados que a contrariavam. Esses fatos denunciam uma deficiência moral particularmente grave, ainda mais vindo de alguém que se considerava o grande defensor do socialismo 'científico' contra as versões 'utópicas' de seus predecessores.

Há muito mais que eu poderia dizer, mas vou parar por aqui. Apenas dois adendos, antes de encerrar. Primeiro: Johnson também se esforça para encontrar características positivas nos intelectuais analisados, o que em alguns casos requer um esforço verdadeiramente monumental. E segundo: sendo Sartre um existencialista, e insistindo em construir toda a sua filosofia - inclusive a ontologia - tomando como ponto de partida sua própria subjetividade, é perfeitamente válido e até natural que julguemos a validade de suas idéias pela riqueza ou pobreza de sua experiência interior. E, lendo as coisas que ele escreve, elas me parecem paupérrimas.

Aguardo sua resposta. Abraços!"

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Cumprindo minha outra promessa feita no post anterior, transcrevo abaixo meu e-mail, até o momento não respondido, ao tal B.M.:

"Olá, B.M.! Sim, eu acompanhei a briga, ou pelo menos o que saiu no blog Pensamentos Cativos e no do Gustavo. Eu, pessoalmente, não tenho do que reclamar, e não me senti ofendido em momento algum. O que tenho a reprovar nas suas atitudes está em sua relação com outras pessoas, não comigo mesmo. Mas parece-me que você sabe exatamente onde errou, e de qualquer forma não sou dado a fazer sermões. Esqueçamos tudo isso, portanto.

Quanto ao que realmente importa, direi apenas o estritamente suficiente para tornar mais claro o que eu disse na minha última participação. O Gustavo não disse em momento algum que considera o Lula um completo imbecil, e nem que considera o Alckmin um melhor administrador público. Eu tampouco disse algo nessa linha; e, embora me pareça que esse é um fato, minhas maiores razões para preferir Alckmin a Lula não têm nada a ver com isso. Seu maior erro, caro B.M., está em supor que programas oficiais de governo e capacidade administrativa devem ser o critério decisivo em política. O Igor citou alguns problemas adicionais: 'Sabemos, o homem tem outros defeitos, como ser ou, pelo menos, ter sido, excessivamente chegado ao álcool; usar metáforas cretinas freqüentemente; ser vulgar; declarar-se sem pecado, e muitos etc.' Eu subscrevo todos esses motivos, com ênfase sobre o último, que é um sinal inconfundível de incapacidade moral. Mas há outros, dentre os quais destaco a notória simpatia do Lula pelo chavismo, pelo castrismo e por outras ditaduras comunistas ao redor do mundo; sua efetiva aliança, mal disfarçada durante anos a fio, com entidades criminosas como o MIR e as FARC, sendo que a primeira esteve ativamente envolvida em seqüestros de cidadãos brasileiros, e a segunda, através de seus contatos escusos com o PCC, tem abarrotado de drogas o mercado nacional, fomentado o crime organizado e provocado o assassinato de dezenas de milhares de brasileiros; o fato de que o próprio Lula fundou e presidiu por doze anos a coordenação estratégica das entidades comunistas na América Latina, que age por todos os meios, legais e ilegais; e, enfim, o viés nitidamente totalitário do PT e da ideologia adotada por ele. Outros motivos poderiam ser citados, mas menciono esses apenas para deixar claro que nem todas as pretensões de poder de um partido, assim como nem todas as ações efetivamente realizadas, aparecem nos planos de governo. Nunca conversei diretamente com o Gustavo a respeito, mas o conheço suficientemente para ter certeza de que ele está consciente desse fato. Você, ao contrário, não dá o menor sinal disso, dando a impressão de que política se resume a questões de administração pública. Por pensar dessa forma, inferi eu, você deve achar que, por conhecer os programas de governo dos candidatos e respectivos partidos, você sabe muito de política. Sinta-se livre para rejeitar minha crítica, se achar que ela não se justifica. Apenas espero que agora minhas razões para atingir essa conclusão estejam mais claras para você.

Quanto à sua última pergunta, minha posição é simples: o Estado não tem direito algum de dizer às pessoas o que elas devem considerar interessante ou importante. Se uma pessoa chega à conclusão de que não deve se interessar por política, não vejo porque ela deveria ser obrigada a sair de casa para demonstrar isso. Obrigar o cidadão a ir até a urna e dar-lhe, simultaneamente, a opção de não votar em ninguém parece-me, antes de tudo, um incômodo perfeitamente dispensável e, portanto, ilógico. Feitas essas considerações, a minha resposta é: sim, o fato de o Gustavo ser obrigado a sair de casa, andar alguns minutos e enfrentar uma fila, grande ou pequena, é uma afronta à liberdade dele, por mais insignificante que ela seja.

Abraços!"

16 de setembro de 2008

Quinta colheita, ou: cartas de uma bruxa

De tudo o que tenho publicado neste blog nos últimos meses, nada chamou a atenção mais que este post, no qual fiz pouco além de reproduzir um texto que não é meu. Eu mesmo seria o último a afirmar que isso é uma injustiça. Ainda assim, eu pretendia elaborar, num futuro não muito distante, alguns comentários relacionados ao tema do livro Os intelectuais. Ainda pretendo, aliás, mas vou adiar um pouco essa empreitada a fim de dar a atenção devida aos quatro comentários que aquela postagem recebeu. Talvez eu devesse dedicar a eles um texto escrito decentemente e que possuísse uma certa continuidade. Contudo, minha preguiça me leva a escolher outro caminho. Mantenho há tempos o hábito de responder por e-mail aos comentários que recebo. Posso ter deixado de fazer isso em uma ou outra ocasião, por puro esquecimento; e, não raras vezes, demoro para responder. Além disso, ocasionalmente recebo comentários de pessoas que não conheço e cujos endereços não tenho como descobrir. Mas nada disso aconteceu no caso em questão: tive o trabalho de enviar quatro e-mails, que expressam bem o que eu tinha a dizer sobre os comentários que recebi. Reproduzo abaixo três desses comentários e as respostas que enviei aos respectivos autores, acompanhadas de breves esclarecimentos. O outro caso, por ser mais extenso, será publicado à parte, dentro de alguns dias.

O primeiro comentário é justamente o que vou deixar para depois. Temos a seguir o do Otávio, que foi este:

"Então, eu não li o livro ainda mas pelo que entendi do post e do trecho o livro é justamente uma crítica a isso que se faz contra certos líderes, julgando seu carater ou seus 'péssimos' hábitos.

Algo que achei interessante é que ele faz uma crítica direcionada aqueles que criticam autoridades religiosas, por exemplo, por sua conduta dentro de seus preceitos e valores pregados pela instituição. Entretanto, apesar de não ter lido o livro e tomando somente base nos trechos transcritos aqui, ele faz exatamente a mesma coisa com esses intelectuais.

É só isso! Abração!"

A minha resposta foi esta:

"Olá, meu caro amigo! Em momento algum, no trecho do livro que transcrevi ou em qualquer outro, aparece qualquer reprovação ao ato de criticar alguém por não viver de acordo com os princípios que prega. Se foi isso o que você entendeu desculpe, mas você não leu direito. Johnson não critica os intelectuais por fazerem críticas aos líderes religiosos com base em suas condutas pessoais; ele os critica porque o que motiva essas críticas não é a repulsa pela hipocrisia, e sim o oportunismo político que se apóia sobre uma hipocrisia maior ainda. Isso tudo foi muito bem sintetizado pelo meu amigo Gustavo, que comentou logo depois de você. Sugiro que você dê uma lida no comentário dele, caso ainda não o tenha feito.

Abraços, e obrigado pela participação!"

O terceiro comentário foi feito pelo Gustavo Nagel. Ele transcreveu uma breve consideração escrita por ele mesmo e publicada no seu blog (que, para meu desgosto, ele deletou recentemente) em 22 de junho do ano passado, o qual dizia o seguinte:

"A impressão que me ficou da leitura de parte de Os Intelectuais, de Paul Johnson, é que só se conhece um pensador, um filósofo moderno, ou algo do tipo, através da leitura de sua correspondência. O sujeito se mostrava um anjo enquanto escrevia seus ensaios filosóficos, intencionando neles um desejo sublime de amar e salvar toda a humanidade, mas em carta dirigida a uma das dez mulheres que tinha, por exemplo, ele a mandava ao inferno umas trezentas vezes. Donde concluí que amar a 'humanidade', para alguns desses demagogos, era o modo mais fácil de odiar as pessoas; bem como aprendi que se é muito mais verdadeiro quando não se tem a pretensão de ser visto, lido, ouvido: eles eram o que eram não enquanto escreviam suas belas obras humanísticas, ou proferiam seus ardorosos discursos messiânicos, mas enquanto, longe dos olhos da multidão, sem toda aquela afetação, odiavam as pessoas mais próximas."

A isso o Gustavo acrescentou as seguintes palavras: "Paul Johnson se ocupa, é verdade, com a vida dos intelectuais em questão, mas apenas na medida em que elas notadamente contradizem seus apelos quase messiânicos etc.". E, em resposta, eu disse o seguinte:

"Olá, Gustavo! Apesar da demora, estou escrevendo para agradecer seu comentário ao meu post Uma dúzia de tiranos. Você sintetizou muito bem aquilo que meus dois amigos esquerdistas que comentaram antes de você não puderam ou não quiseram ver. Daqui a pouco vou responder a eles também, e desenvolver melhor alguns pontos pertinentes. Dentro de algumas semanas deverei publicar um novo post comentando os resultados dessas discussões. E aproveitarei para fazer menção a esse parágrafo que você publicou no seu blog a respeito do livro no ano passado. Eu havia até me esquecido disso, mas o fato é que foi através desse seu post que eu soube da existência desse livro (embora já conhecesse o autor), e resolvi que o leria se um dia tivesse a oportunidade.

Abraços, e obrigado mais uma vez!"

Os e-mails acima foram enviados em 16 de julho, e não recebi resposta a nenhum deles (no caso do Gustavo, obviamente, nem havia mesmo motivo para responder). Já a Ludmila, autora do quarto comentário, estabeleceu comigo uma interessante discussão, que se prolongou ainda por mais três e-mails de cada parte. Interessante para mim, é bom deixar claro, já que o ânimo da minha amiga diminuiu na proporção exata em que o meu ia crescendo, até que ela decidiu que não valia a pena discutir com um representante moderno da Idade das Trevas. Não transcreverei aqui o debate todo, que acabou se desviando consideravelmente rumo a várias outras questões, algumas das quais eu pretendo abordar em posts futuros. Além disso, ainda não parei para analisar quais das questões discutidas (e até que ponto) são diretamente pertinentes do ponto de vista do que expus no post. Talvez (e apenas talvez) algumas se relacionem ao tema, ou aos desenvolvimentos adicionais que pretendo fazer. De qualquer forma, mesmo que apenas para justificar o título que dei a este post, transcrevo abaixo minha resposta ao comentário da Ludmila.

O comentário foi a respeito de uma única frase de Johnson; aquela em que ele afirma que os intelecuais "não apenas devem ser mantidos bem afastados das engrenagens do poder como devem ser objeto de uma desconfiança particular quando procuram dar conselhos coletivos." Ela disse: "É a caça às bruxas do século XXI." E a minha resposta foi:

"Olá, Ludmila! Espero que esteja tudo bem com você. Fiquei surpreso e feliz ao ver seu comentário. Não esperava que você tivesse algum interesse em ler o que escrevo (no caso, transcrevo), nem sei o que a levou a isso. Mas, já que é o caso, creio que devo dizer o que penso sobre o seu comentário.

Apesar de ter sido feito em apenas uma frase, ele tece uma comparação equivocada num aspecto fundamental: por suas pretensões de poder e por seu papel social efetivo, os intelectuais não se assemelham às bruxas, e sim ao clero que as punha nas fogueiras. Paul Johnson foi muito perspicaz ao descrever os sacerdotes, escribas e profetas de antigamente como 'primeiras encarnações' dos intelectuais. É óbvio que todos eles têm em comum a pretensão de possuir a sabedoria necessária para guiar a sociedade, e é igualmente óbvio que os intelectuais seculares de fato orientam a sociedade atual, tanto quanto os religiosos orientaram as sociedades do passado. É claro que, insatisfeitos com a dose de poder de que já dispõem, eles se queixam constantemente de que são uma pobre minoria perseguida por contrariar os interesses dos donos do poder, numa tentativa de conquistar mais poder ainda. (E é um truque bastante eficaz, como se nota no fato de que você mesma considera a restrição dos poderes deles como algo comparável à carbonização de bruxas.) Isso tudo é papo furado. Eles não são as bruxas, e sim os inquisidores. A bruxa aqui sou eu.

Beijos."

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Aproveitarei este espaço para comentar outro fato. Dos quatro comentários à minha postagem mais recente, A amizade das leis, apenas um é de fato um comentário acerca do que diz o texto. Os outros dizem respeito a uma discussão que começou em outro lugar, e na qual me envolvi apenas de passagem. Trata-se de um curto post do Gustavo em um blog que ele mantém em conjunto com três amigos dele. Ali, depois de expor suas razões para preferir o voto nulo, e de ter mencionado que abriu mão desse preceito na última disputa presidencial apenas para impedir a reeleição do Lula, ele recebeu uma crítica estúpida (em ambos os sentidos: racionalmente idiota e desnecessariamente grosseira) de um tal B.M.. Fiz ali um comentário em apoio ao meu amigo, e então o B.M. voltou sua atenção para mim também. Tivemos uma breve discussão, num tom não muito amistoso, mas também sem novos insultos ou grosserias. Toda a minha participação nessa história resume-se aos três comentários do post que indiquei. Mas outras pessoas se envolveram, e o bate-boca prolongou-se por outros posts do mesmo blog. O tal B.M. deu continuidade a ela nos comentários deste post do João (post excelente, aliás, e sem qualquer relação com o problema). Depois o Igor, outro membro do blog, dedicou ao B.M. este post, e parte deste outro, ambos os quais renderam mais bate-boca nos comentários. Paralelamente, o B.M. também foi falar bobagens e proferir grosserias no agora extinto blog do Gustavo. Enfim, depois de ter cassado seu direito à manifestação em ambos os blogs, veio me procurar para se desculpar por possíveis ofensas proferidas contra mim, e para pedir certos esclarecimentos sobre as últimas coisas que eu havia dito. Tudo isso ficará claro para quem ler o que o B.M. escreveu aqui no meu blog à luz do post original do Gustavo e dos seus comentários publicados ali. O restante da discussão eu só recomendo a quem queira se divertir um pouco. Estou contando essa história aqui apenas para esclarecer, a leitores possivelmente perplexos, o que um comentário sobre os méritos relativos de Alckmin e Lula, a legitimidade do voto obrigatório e coisas do gênero está fazendo num post sobre um diálogo de Platão. No próximo post, embora eu não esteja certo de que realmente devo fazer isso, transcreverei o e-mail que enviei ao B.M. em resposta ao seu comentário.