Feitos todos os esclarecimentos das partes 1, 2 e 3, podemos enfim analisar os argumentos que Felipe Sabino de Araújo Neto levantou, no artigo O racionalismo dos irracionais, ao que pensa ser minha postura quanto à questão dos paradoxos bíblicos. Ele começa dizendo:
"Aqueles que acusam a posição de Clark (e de outros influenciados por ele) de racionalismo demonstram não somente ignorância do assunto sobre o qual estão falando, mas também o quão arbitrários eles são em suas críticas. O motivo é que, em geral, a explicação de Clark para a suposta tensão entre soberania divina e responsabilidade humana (e outras doutrinas controversas) é mencionada como um exemplo do seu racionalismo. Alguns, como o Dr. Roger Nicole (embora de forma muito mais branda, e em tom investigativo, e não acusatório), veem racionalismo inclusive na sua explicação do supralapsarianismo (a qual, como Clark demonstra, é totalmente exegética)."
A primeira coisa que noto nesse trecho é que ele atesta, mediante sua referência a Roger Nicole, que é possível considerar Clark racionalista sem que isso constitua xingamento, contrariando frontalmente o que o autor afirmou numa parte anterior do mesmo texto. Além dessa observação, tudo o que tenho a dizer sobre o trecho acima é que não nego que haja, de minha parte, muita ignorância quanto ao pensamento de Clark. Por exemplo, não tenho a menor ideia de como é sua explicação do supralapsarianismo. De modo geral, aliás, jamais atribuí a mim mesmo a posição de especialista em Clark, Crampton, Wright ou qualquer outro dos que critiquei nesses cinco anos de vida blogueira. Contudo, a afirmação de que sou ignorante demais até para ser capaz de detectar racionalismo em qualquer desses teólogos permanece por demonstrar, e creio que essa demonstração não poderá vir senão de alguém que ao menos entendeu previamente o que quero dizer quando acuso alguém de ser racionalista. Desse modo, resta do parágrafo acima apenas a asserção de que "a explicação de Clark para a suposta tensão entre soberania divina e responsabilidade humana (e outras doutrinas controversas) é mencionada como um exemplo do seu racionalismo", tema que Sabino desenvolve melhor adiante e que, por isso, não comentarei de imediato.
No parágrafo seguinte, Sabino desenvolve a ideia de que "enquanto essas pessoas acusam Clark de racionalismo ao tentar conciliar essas verdades bíblicas, ninguém levanta sequer uma palavra contra aqueles que, por exemplo, tentam conciliar 'Deus ser amor' e 'Deus enviar pessoas para o inferno'". Com base nisso, o artigo lança o argumento do parágrafo seguinte, que é onde fui citado pelo nome:
"Diante disso, não podemos deixar de perceber a arbitrariedade desses irmãos. Dependendo de quais doutrinas estão sendo conciliadas, a pessoa pode ser racionalista ou não. Se forem doutrinas que esses irmãos não consideram contraditórias, então podemos conciliá-las sem nos tornarmos racionalistas. Mas se forem doutrinas que eles consideram contraditórias e irreconciliáveis, então só um racionalista tentará harmonizar tais ensinos. Mas Clark recusa fazer isso pois ele está totalmente sujeito à autoridade e suficiência da Escritura. Abraçar esse padrão duplo de julgamento é ir além da Escritura, pois não encontramos nos registros bíblicos que podemos tentar conciliar a doutrina A e N, mas não a C e G. Dessa forma, esses irmãos tornaram-se não somente juízes da consciência alheia, mas o padrão de inteligência e compreensão das Escrituras ao qual todos devem se submeter e não ousar ultrapassar. Felipe não pode achar a doutrina X clara e harmoniosa com a doutrina Y, se André insistir que elas não o são. Por sua vez, Marcelo não pode dizer que não vê contradição em Deus ser soberano e o homem responsável, se Leonardo detecta uma contradição aqui. Se eles viram uma contradição, que Deus não permita vermos um ensino claro e coerente. Se eles não entenderam, que não ousemos compreender."
Há vários trechos de minhas postagens sobre o assunto que tratam dessa questão. Abordei o tema, em primeiro lugar, já no quarto parágrafo de minha primeiríssima postagem sobre o texto de Crampton. Este, em seu artigo, citou a seguinte declaração de John Gerstner: "Nós não vemos por que é impossível para Deus predestinar que um ato aconteça por meio da escolha deliberada de indivíduos específicos". Sobre isso, comentei:
"Devemos recordar que nenhum dos teólogos até agora criticados por Crampton, que são todos calvinistas, nega que tal coisa seja possível a Deus. Apenas negam compreender como Deus faz isso, o que não é a mesma coisa. Se Gerstner ou outro qualquer acredita ter a solução para o enigma (sei que Clark, por exemplo, acreditava), não vejo problema algum."
Essas últimas quatro palavras, que agora coloquei em negrito, bastam para provar que Sabino também não me entendeu adequadamente quanto a esse aspecto da questão, pois eu deixei claro que não vejo problema onde ele diz que vejo. Em que, então, eu vejo problema? Em vários pontos, é claro, ou não teriam sido necessários quatro posts para criticar as posições de Crampton. Mas, naquele momento, era apenas o que expliquei na continuação do quarto parágrafo e início do quinto:
"Mas vou descrever uma situação pela qual certamente muitos leitores já passaram: alguém propõe uma questão difícil - pode ser uma charada numa roda de amigos ou uma questão numa lista de exercícios na escola - que deixa todos os presentes quebrando a cabeça, até que chega alguém e anuncia que a solução, na verdade, é muito fácil e não oferece dificuldade alguma. Em alguns casos esse é de fato o caso, e os outros, depois de ouvir a solução, ficam tentando descobrir como não pensaram nela antes. Mas em muitos outros casos a solução proposta apenas evidencia aos demais presentes que seu autor não chegou a compreender bem a natureza do problema. Quem garante que não é esse o caso de Gerstner ou Clark? A única maneira de solucionar a dúvida seria expor as soluções disponíveis e colocá-las em debate. Mas Crampton não faz isso, pois não é esse seu objetivo. Ele não está interessado em provar que as soluções racionais existem (o que seria a única maneira válida de mostrar que não há paradoxos lógicos na Bíblia), e sim em condenar de antemão os que, por uma razão qualquer, não se satisfazem com as soluções existentes. Parece-me um procedimento flagrantemente injusto."
Implicitamente, a mesma ideia pode ser encontrada no mais recente de meus textos sobre o tema, a quarta parte da série Sutilezas causais, na qual, em meio a outros pontos, critiquei a análise que Wright fez do posicionamento de William Shedd. O segundo ponto que levantei contra Wright, no quarto parágrafo do referido post, foi o seguinte:
"[...] a exposição do pensamento de Shedd também não justifica qualquer menção a 'mistério, paradoxo ou antinomia'. Shedd claramente não fez uso de nada disso; ao contrário, ele buscou - e julgou ter encontrado - uma solução racional para o problema. Talvez se possa dizer que a solução que ele encontrou não é válida; nesse caso, caberia a Wright demonstrar isso, coisa que ele não fez. De qualquer modo, o fato é que em lugar algum, a julgar pela descrição de sua argumentação dada pelo próprio Wright, Shedd apelou a um 'mistério, paradoxo ou antinomia'. Aqui a capacidade de leitura de Wright foi prejudicada pelo que ele andou lendo em outros lugares."
Essa crítica destoa consideravelmente da que eu teria feito se minha opinião a respeito do tema fosse a que Sabino me atribuiu. Nesse caso, eu teria dito não só que Wright é racionalista por pretender uma compreensão racional do problema, mas também que o próprio Shedd é racionalista por ter idêntica pretensão, ainda que propondo uma solução diferente da preferida pelo primeiro. Contudo, eu não afirmei nada parecido com isso, o que mostra que o problema que denunciei, uma vez mais, não está onde o artigo O racionalismo dos irracionais o coloca. Onde, então, está o problema? A resposta pode ser encontrada, em outros termos, no texto anterior, isto é, na parte 3 da série Sutilezas causais. Alan Myatt parece ter tido a mesma impressão de Sabino quanto a esse ponto a propósito de minha crítica a Wright, de modo que lhe dirigi um esclarecimento nos seguintes termos:
"Concordo quando o sr. diz que 'não é racionalismo não bíblico recusar-se a crer em contradições quando existem explicações razoáveis, tanto filosóficas como exegéticas, para removê-las'. Naturalmente, eu não acusaria alguém de racionalismo (bíblico ou não) apenas por fornecer explicações razoáveis para algo. Apenas não acho que Wright tenha fornecido essas explicações razoáveis. Acuso Wright de racionalismo por fornecer explicações irrazoáveis à maneira racionalista."
Não sei, portanto, de onde Sabino extraiu as conclusões que aparecem em seu parágrafo que transcrevi por último. Eu jamais acusei alguém de racionalismo por causa das doutrinas específicas que essa pessoa estava tentando conciliar, e sim com base em duas classes de motivos: primeiro, a natureza racionalista dessas tentativas e seus resultados; e, segundo, a insistência na convicção de que essas conciliações são mais importantes do que de fato são. Se um dia eu tiver acesso (por mim mesmo ou através de outra pessoa) a uma conciliação racional impecável entre a soberania divina e a responsabilidade humana, ou sobre qualquer outra questão, não hesitarei em endossá-la. Até lá, porém, não me julgo na obrigação de concordar com nenhuma das explicações já apresentadas, as quais rejeito, não por serem explicações, mas porque padecem de racionalismo e reducionismo, em parte pelas razões que mencionei em minha crítica a Wright, e em parte por outras razões, que pretendo expor neste blog num futuro não tão distante. E muito menos me julgo na obrigação de crer que Deus nos garante a existência de uma teoria de todo correta e acessível à nossa mente sobre essas questões.
Os irmãos que chamo de racionalistas erram justamente na suposição de que tenho essas duas obrigações. Considero que os que tentam impô-las sobre mim tornaram-se não somente juízes da minha consciência, mas o padrão de inteligência e compreensão das Escrituras ao qual todos devem se submeter e não ousar deixar de alcançar. Não foi por outra razão que dei à minha crítica a Crampton o título O direito ao mistério, e não O dever do mistério ou algo parecido: para ele, a admissão de paradoxos nas Escrituras é nada menos que uma concessão à neo-ortodoxia - o que é acusação grave aos olhos de qualquer calvinista conservador. Para mim, Crampton e os que pensam como ele incorrem no mesmo erro que criticam: o tom de reprovação moral comum a todas essas investidas contra o que chamam de "irracionalismo" não é proporcional à qualidade dos argumentos com que as sustentam.
"Aqueles que acusam a posição de Clark (e de outros influenciados por ele) de racionalismo demonstram não somente ignorância do assunto sobre o qual estão falando, mas também o quão arbitrários eles são em suas críticas. O motivo é que, em geral, a explicação de Clark para a suposta tensão entre soberania divina e responsabilidade humana (e outras doutrinas controversas) é mencionada como um exemplo do seu racionalismo. Alguns, como o Dr. Roger Nicole (embora de forma muito mais branda, e em tom investigativo, e não acusatório), veem racionalismo inclusive na sua explicação do supralapsarianismo (a qual, como Clark demonstra, é totalmente exegética)."
A primeira coisa que noto nesse trecho é que ele atesta, mediante sua referência a Roger Nicole, que é possível considerar Clark racionalista sem que isso constitua xingamento, contrariando frontalmente o que o autor afirmou numa parte anterior do mesmo texto. Além dessa observação, tudo o que tenho a dizer sobre o trecho acima é que não nego que haja, de minha parte, muita ignorância quanto ao pensamento de Clark. Por exemplo, não tenho a menor ideia de como é sua explicação do supralapsarianismo. De modo geral, aliás, jamais atribuí a mim mesmo a posição de especialista em Clark, Crampton, Wright ou qualquer outro dos que critiquei nesses cinco anos de vida blogueira. Contudo, a afirmação de que sou ignorante demais até para ser capaz de detectar racionalismo em qualquer desses teólogos permanece por demonstrar, e creio que essa demonstração não poderá vir senão de alguém que ao menos entendeu previamente o que quero dizer quando acuso alguém de ser racionalista. Desse modo, resta do parágrafo acima apenas a asserção de que "a explicação de Clark para a suposta tensão entre soberania divina e responsabilidade humana (e outras doutrinas controversas) é mencionada como um exemplo do seu racionalismo", tema que Sabino desenvolve melhor adiante e que, por isso, não comentarei de imediato.
No parágrafo seguinte, Sabino desenvolve a ideia de que "enquanto essas pessoas acusam Clark de racionalismo ao tentar conciliar essas verdades bíblicas, ninguém levanta sequer uma palavra contra aqueles que, por exemplo, tentam conciliar 'Deus ser amor' e 'Deus enviar pessoas para o inferno'". Com base nisso, o artigo lança o argumento do parágrafo seguinte, que é onde fui citado pelo nome:
"Diante disso, não podemos deixar de perceber a arbitrariedade desses irmãos. Dependendo de quais doutrinas estão sendo conciliadas, a pessoa pode ser racionalista ou não. Se forem doutrinas que esses irmãos não consideram contraditórias, então podemos conciliá-las sem nos tornarmos racionalistas. Mas se forem doutrinas que eles consideram contraditórias e irreconciliáveis, então só um racionalista tentará harmonizar tais ensinos. Mas Clark recusa fazer isso pois ele está totalmente sujeito à autoridade e suficiência da Escritura. Abraçar esse padrão duplo de julgamento é ir além da Escritura, pois não encontramos nos registros bíblicos que podemos tentar conciliar a doutrina A e N, mas não a C e G. Dessa forma, esses irmãos tornaram-se não somente juízes da consciência alheia, mas o padrão de inteligência e compreensão das Escrituras ao qual todos devem se submeter e não ousar ultrapassar. Felipe não pode achar a doutrina X clara e harmoniosa com a doutrina Y, se André insistir que elas não o são. Por sua vez, Marcelo não pode dizer que não vê contradição em Deus ser soberano e o homem responsável, se Leonardo detecta uma contradição aqui. Se eles viram uma contradição, que Deus não permita vermos um ensino claro e coerente. Se eles não entenderam, que não ousemos compreender."
Há vários trechos de minhas postagens sobre o assunto que tratam dessa questão. Abordei o tema, em primeiro lugar, já no quarto parágrafo de minha primeiríssima postagem sobre o texto de Crampton. Este, em seu artigo, citou a seguinte declaração de John Gerstner: "Nós não vemos por que é impossível para Deus predestinar que um ato aconteça por meio da escolha deliberada de indivíduos específicos". Sobre isso, comentei:
"Devemos recordar que nenhum dos teólogos até agora criticados por Crampton, que são todos calvinistas, nega que tal coisa seja possível a Deus. Apenas negam compreender como Deus faz isso, o que não é a mesma coisa. Se Gerstner ou outro qualquer acredita ter a solução para o enigma (sei que Clark, por exemplo, acreditava), não vejo problema algum."
Essas últimas quatro palavras, que agora coloquei em negrito, bastam para provar que Sabino também não me entendeu adequadamente quanto a esse aspecto da questão, pois eu deixei claro que não vejo problema onde ele diz que vejo. Em que, então, eu vejo problema? Em vários pontos, é claro, ou não teriam sido necessários quatro posts para criticar as posições de Crampton. Mas, naquele momento, era apenas o que expliquei na continuação do quarto parágrafo e início do quinto:
"Mas vou descrever uma situação pela qual certamente muitos leitores já passaram: alguém propõe uma questão difícil - pode ser uma charada numa roda de amigos ou uma questão numa lista de exercícios na escola - que deixa todos os presentes quebrando a cabeça, até que chega alguém e anuncia que a solução, na verdade, é muito fácil e não oferece dificuldade alguma. Em alguns casos esse é de fato o caso, e os outros, depois de ouvir a solução, ficam tentando descobrir como não pensaram nela antes. Mas em muitos outros casos a solução proposta apenas evidencia aos demais presentes que seu autor não chegou a compreender bem a natureza do problema. Quem garante que não é esse o caso de Gerstner ou Clark? A única maneira de solucionar a dúvida seria expor as soluções disponíveis e colocá-las em debate. Mas Crampton não faz isso, pois não é esse seu objetivo. Ele não está interessado em provar que as soluções racionais existem (o que seria a única maneira válida de mostrar que não há paradoxos lógicos na Bíblia), e sim em condenar de antemão os que, por uma razão qualquer, não se satisfazem com as soluções existentes. Parece-me um procedimento flagrantemente injusto."
Implicitamente, a mesma ideia pode ser encontrada no mais recente de meus textos sobre o tema, a quarta parte da série Sutilezas causais, na qual, em meio a outros pontos, critiquei a análise que Wright fez do posicionamento de William Shedd. O segundo ponto que levantei contra Wright, no quarto parágrafo do referido post, foi o seguinte:
"[...] a exposição do pensamento de Shedd também não justifica qualquer menção a 'mistério, paradoxo ou antinomia'. Shedd claramente não fez uso de nada disso; ao contrário, ele buscou - e julgou ter encontrado - uma solução racional para o problema. Talvez se possa dizer que a solução que ele encontrou não é válida; nesse caso, caberia a Wright demonstrar isso, coisa que ele não fez. De qualquer modo, o fato é que em lugar algum, a julgar pela descrição de sua argumentação dada pelo próprio Wright, Shedd apelou a um 'mistério, paradoxo ou antinomia'. Aqui a capacidade de leitura de Wright foi prejudicada pelo que ele andou lendo em outros lugares."
Essa crítica destoa consideravelmente da que eu teria feito se minha opinião a respeito do tema fosse a que Sabino me atribuiu. Nesse caso, eu teria dito não só que Wright é racionalista por pretender uma compreensão racional do problema, mas também que o próprio Shedd é racionalista por ter idêntica pretensão, ainda que propondo uma solução diferente da preferida pelo primeiro. Contudo, eu não afirmei nada parecido com isso, o que mostra que o problema que denunciei, uma vez mais, não está onde o artigo O racionalismo dos irracionais o coloca. Onde, então, está o problema? A resposta pode ser encontrada, em outros termos, no texto anterior, isto é, na parte 3 da série Sutilezas causais. Alan Myatt parece ter tido a mesma impressão de Sabino quanto a esse ponto a propósito de minha crítica a Wright, de modo que lhe dirigi um esclarecimento nos seguintes termos:
"Concordo quando o sr. diz que 'não é racionalismo não bíblico recusar-se a crer em contradições quando existem explicações razoáveis, tanto filosóficas como exegéticas, para removê-las'. Naturalmente, eu não acusaria alguém de racionalismo (bíblico ou não) apenas por fornecer explicações razoáveis para algo. Apenas não acho que Wright tenha fornecido essas explicações razoáveis. Acuso Wright de racionalismo por fornecer explicações irrazoáveis à maneira racionalista."
Não sei, portanto, de onde Sabino extraiu as conclusões que aparecem em seu parágrafo que transcrevi por último. Eu jamais acusei alguém de racionalismo por causa das doutrinas específicas que essa pessoa estava tentando conciliar, e sim com base em duas classes de motivos: primeiro, a natureza racionalista dessas tentativas e seus resultados; e, segundo, a insistência na convicção de que essas conciliações são mais importantes do que de fato são. Se um dia eu tiver acesso (por mim mesmo ou através de outra pessoa) a uma conciliação racional impecável entre a soberania divina e a responsabilidade humana, ou sobre qualquer outra questão, não hesitarei em endossá-la. Até lá, porém, não me julgo na obrigação de concordar com nenhuma das explicações já apresentadas, as quais rejeito, não por serem explicações, mas porque padecem de racionalismo e reducionismo, em parte pelas razões que mencionei em minha crítica a Wright, e em parte por outras razões, que pretendo expor neste blog num futuro não tão distante. E muito menos me julgo na obrigação de crer que Deus nos garante a existência de uma teoria de todo correta e acessível à nossa mente sobre essas questões.
Os irmãos que chamo de racionalistas erram justamente na suposição de que tenho essas duas obrigações. Considero que os que tentam impô-las sobre mim tornaram-se não somente juízes da minha consciência, mas o padrão de inteligência e compreensão das Escrituras ao qual todos devem se submeter e não ousar deixar de alcançar. Não foi por outra razão que dei à minha crítica a Crampton o título O direito ao mistério, e não O dever do mistério ou algo parecido: para ele, a admissão de paradoxos nas Escrituras é nada menos que uma concessão à neo-ortodoxia - o que é acusação grave aos olhos de qualquer calvinista conservador. Para mim, Crampton e os que pensam como ele incorrem no mesmo erro que criticam: o tom de reprovação moral comum a todas essas investidas contra o que chamam de "irracionalismo" não é proporcional à qualidade dos argumentos com que as sustentam.