Nesta postagem e na próxima farei algumas considerações sobre o segundo capítulo do livro A soberania banida, escrito pelo teólogo R. K. McGregor Wright, intitulado A incoerência da teoria do livre-arbítrio. Adianto que, embora o título pareça atraente a calvinistas como eu, não gostei do tom geral do capítulo, e o propósito predominante do presente texto é crítico. Entretanto, sua leitura me ensinou algumas coisas, uma das quais é importante o suficiente para que valha a pena mencioná-la.
Sempre considerei no mínimo inconsequente a suposição de que a tensão entre a liberdade humana e a soberania divina pode ser resolvida simplesmente negando-se a existência da primeira. Apesar disso, entre os que negam a liberdade do homem e os que negam a soberania de Deus, não penso duas vezes antes de declarar minha preferência irredutível pelos primeiros. Afinal, eles podem estar cometendo um erro filosófico, mas não creio que esse erro tenha o poder de acarretar perigos espirituais graves, embora possa ser em si mesmo um sintoma de um erro grave. Wright reforçou essa minha impressão ao citar e comentar em poucas palavras o livro Divine sovereignity and human responsibility [Soberania divina e responsabilidade humana], do conhecido teólogo reformado D. A. Carson. No capítulo The boundaries of free will [As fronteiras do livre arbítrio], Carson mostra que os textos bíblicos não só se isentam de qualquer tentativa de explicar a contradição entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem, mas sequer dão sinais de considerá-las contraditórias. A Bíblia não necessariamente nega a liberdade humana no sentido em que, apesar dos malfadados esforços de Wright, dos quais falarei em seguida, a teologia reformada compreende esse termo. Mas também não lhe dedica a imensa atenção por ela recebida em muitos círculos teológicos cristãos, para não falar em amplos setores de diversas correntes humanistas. Portanto, existe uma chance considerável de que essa ênfase equivocada seja o produto da interferência indevida de uma cosmovisão antibíblica sobre a mente dos cristãos. Por mais que eu discorde de Wright, como farei a seguir, por me parecer que ele também cede demais a uma outra cosmovisão antibíblica, cabe-lhe o mérito de me abrir os olhos para esse perigo.
Há no capítulo em questão uma grande quantidade de afirmações com as quais devo concordar, mas elas, na realidade, não me acrescentaram muito. Por isso, passarei agora à exposição dos desacordos. Não desejo, no entanto, transmitir a impressão de que o capítulo é uma porcaria, e é por isso que fiz questão de começar pelo que ele tem de melhor. Antes de prosseguir, deve ser observado que a expressão "livre-arbítrio" é a tradução da expressão inglesa free will, que literalmente significa "livre vontade". Ter consciência dessa ambiguidade pode vir a ser útil para a correta apreensão da descrição que farei a seguir. É importante, para começar, que prestemos atenção às seguintes palavras do autor:
"Pelo termo livre-arbítrio eu quero dizer a crença de que a vontade humana tem um poder inerente de escolha com a mesma facilidade entre alternativas. [...] Essa crença não alega que não haja influências que possam afetar a vontade, mas ela insiste em que normalmente a vontade pode vencer esses fatores e escolher a despeito deles. Definitivamente, a vontade é livre de qualquer causação necessária. Em outras palavras, ela é autônoma de qualquer determinação externa."
A primeira coisa que noto é que a segunda afirmação contradiz a primeira. Se Wright queria dizer simplesmente que, segundo a teoria do livre-arbítrio, a vontade pode tomar uma decisão apesar das influências em contrário, não devia ter falado em "escolha com a mesma facilidade entre alternativas". E a segunda coisa que noto é a presença de um advérbio não explicado na segunda sentença: "normalmente". Ao que parece, Wright admite que a teoria do livre-arbítrio comporta exceções. Mas quais seriam elas? Não há explicações no texto; entretanto, elas são importantes para o fim que ele tem em vista, que é o combate ao arminianismo. Afinal, o autor declara mais adiante que "os arminianos querem que a vontade seja livre de interferência externa", o que me parece ser uma afirmação que não admite exceções. Portanto, deveria haver alguma explicação para o "normalmente".
Essas duas observações iniciais parecem indicar que Wright não tem uma mente rigorosa o suficiente para dar um tratamento adequado a tão espinhosa questão; e isso parece confirmar uma impressão que havia sido despertada em mim ainda durante a leitura do capítulo inicial, como declarei aqui. Se o leitor acha que essa minha conclusão é exagerada, e que estou tentando desqualificar o autor com base em detalhes sem importância, sinto dizer que só há uma explicação possível: o leitor compartilha do defeito de Wright, pois a intenção dele é justamente a de fornecer uma refutação filosófica rigorosa e inescapável à crença na liberdade humana. Indícios adicionais dessa falta de rigor aparecem quando Wright discute o significado de termos como determinismo e acaso. Vejamos:
"Por determinismo, então, queremos dizer a ideia que afirma que nenhum evento finito pode acontecer puramente por acaso, mas que todos os acontecimentos são causalmente determinados na sua natureza e ação por um estado de coisas anterior - que não há acontecimentos não causados no mundo. O oposto do determinismo é o indeterminismo, que sustenta que pelo menos alguns acontecimentos não são causados por condições prévias, sendo que os atos livres da vontade estão entre eles."
No glossário do fim do livro, o autor define "indeterminismo" da seguinte maneira: "Teoria de que pelo menos alguns acontecimentos não possuem causas anteriores. Normalmente coexiste com uma dependência do acaso para explicar as coisas." O "normalmente" está aí de volta, mas desta vez com um propósito bem nítido: essa definição mostra que o autor tem consciência de que negar o determinismo não é necessariamente o mesmo que invocar o acaso como explicação válida para os eventos. Entretanto, como o trecho citado acima deixa claro, a definição de indeterminismo dada no segundo capítulo não leva isso em conta. E, na verdade, nada mais na argumentação desenvolvida pelo autor ao longo do segundo capítulo é compatível com a distinção feita de modo implícito no glossário. No trecho a seguir, por exemplo, Wright descreve a posição antagônica à sua e em seguida a critica. Vejamos como ele o faz:
"A vontade é automovida em resposta ao que a mente conhece e pode causar tanto a ação de ceder às influências quanto a resistência a elas. A vontade é livre para seguir ou resistir a qualquer que seja a opção que a mente lhe apresente. O problema mais sério aqui é que esse tipo de espontaneidade é indistinguível do acaso. Precisamos apenas perguntar: o que faz com que a vontade escolha um caminho e não outro? Se ela não é causada, ela é puramente acaso. Se sua ação é causada, então ela não é livre de causação."
Aqui, como se vê, Wright parece de todo hostil à ideia de que possa existir algum indeterminismo sem acaso, contrariando as implicações imediatas do que ele mesmo disse no glossário. Isso reforça os comentários que já fiz sobre o uso impensado e inconsequente das palavras, que é uma das marcas características de uma mente indisciplinada. Fiquei com a impressão de que o "normalmente" aparece motivado apenas pela cautela do autor, ao menos em parte cônscio de sua ignorância. Mas essa cautela desaparece de todo quando chega a hora de argumentar com o devido rigor. Nesse momento, ele deseja que seus leitores esqueçam as sutilezas que podem aparecer para atrapalhar e imaginem que todos os seus eventuais opositores pensam de modo idêntico.
De qualquer modo, seu argumento não me convence. Por que é que acaso e determinismo seriam as únicas alternativas disponíveis? Não atribuímos a nenhuma das duas categorias as decisões do próprio Deus, por exemplo. Não dizemos que Deus decreta os acontecimentos sem motivo algum, como se todas as opções disponíveis lhe fossem indiferentes; ao mesmo tempo, porém, não dizemos que Deus os decreta por não dispor de liberdade para escolher outras possibilidades, pois nesse caso a contingência da criação (no todo e em cada uma de suas partes) estaria arruinada. Esse fato deveria bastar ao menos para levantar a possibilidade de que o universo dos seres pessoais, entre os quais se encontra o próprio Deus, não seja regido pela mesma categoria de leis que se aplica ao universo inanimado. Neste, sim, tudo se resume (talvez) a "determinismo ou acaso"; naquele, não necessariamente. A incapacidade de vislumbrar essa alternativa me parece semelhante a um daqueles vícios de pensamento que aparecem de modo muito mais evidente em pensadores materialistas. E isso não é coincidência, pois, como já mostrei em outra parte, o racionalismo está fortemente presente em ambos os casos.
Há leitores que talvez não me conheçam, e por isso podem estar pensando que estou defendendo o arminianismo ou o semipelagianismo contra o conceito calvinista da soberania de Deus. O próprio Wright, aliás, deseja que seus leitores pensem que sua posição é calvinista por excelência, e que qualquer tentativa de conciliar a soberania divina com a liberdade humana só pode se originar de uma antipatia pela "autêntica" posição reformada e bíblica. Entretanto, ele gasta boa parte do tempo criticando postulados caracteristicamente arminianos (ou mesmo pelagianos, em alguns casos) que não tenho o menor interesse em defender, como o de que Deus jamais interfere na vontade humana, ou o de que a vontade é neutra do ponto de vista moral e espiritual. Contudo, ele também critica posições de grandes teólogos reformados cujas simpatias pelo arminianismo eram nulas. Na próxima postagem analisarei um exemplo disso, mostrando problemas adicionais com a tese determinista de Wright.
Sempre considerei no mínimo inconsequente a suposição de que a tensão entre a liberdade humana e a soberania divina pode ser resolvida simplesmente negando-se a existência da primeira. Apesar disso, entre os que negam a liberdade do homem e os que negam a soberania de Deus, não penso duas vezes antes de declarar minha preferência irredutível pelos primeiros. Afinal, eles podem estar cometendo um erro filosófico, mas não creio que esse erro tenha o poder de acarretar perigos espirituais graves, embora possa ser em si mesmo um sintoma de um erro grave. Wright reforçou essa minha impressão ao citar e comentar em poucas palavras o livro Divine sovereignity and human responsibility [Soberania divina e responsabilidade humana], do conhecido teólogo reformado D. A. Carson. No capítulo The boundaries of free will [As fronteiras do livre arbítrio], Carson mostra que os textos bíblicos não só se isentam de qualquer tentativa de explicar a contradição entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem, mas sequer dão sinais de considerá-las contraditórias. A Bíblia não necessariamente nega a liberdade humana no sentido em que, apesar dos malfadados esforços de Wright, dos quais falarei em seguida, a teologia reformada compreende esse termo. Mas também não lhe dedica a imensa atenção por ela recebida em muitos círculos teológicos cristãos, para não falar em amplos setores de diversas correntes humanistas. Portanto, existe uma chance considerável de que essa ênfase equivocada seja o produto da interferência indevida de uma cosmovisão antibíblica sobre a mente dos cristãos. Por mais que eu discorde de Wright, como farei a seguir, por me parecer que ele também cede demais a uma outra cosmovisão antibíblica, cabe-lhe o mérito de me abrir os olhos para esse perigo.
Há no capítulo em questão uma grande quantidade de afirmações com as quais devo concordar, mas elas, na realidade, não me acrescentaram muito. Por isso, passarei agora à exposição dos desacordos. Não desejo, no entanto, transmitir a impressão de que o capítulo é uma porcaria, e é por isso que fiz questão de começar pelo que ele tem de melhor. Antes de prosseguir, deve ser observado que a expressão "livre-arbítrio" é a tradução da expressão inglesa free will, que literalmente significa "livre vontade". Ter consciência dessa ambiguidade pode vir a ser útil para a correta apreensão da descrição que farei a seguir. É importante, para começar, que prestemos atenção às seguintes palavras do autor:
"Pelo termo livre-arbítrio eu quero dizer a crença de que a vontade humana tem um poder inerente de escolha com a mesma facilidade entre alternativas. [...] Essa crença não alega que não haja influências que possam afetar a vontade, mas ela insiste em que normalmente a vontade pode vencer esses fatores e escolher a despeito deles. Definitivamente, a vontade é livre de qualquer causação necessária. Em outras palavras, ela é autônoma de qualquer determinação externa."
A primeira coisa que noto é que a segunda afirmação contradiz a primeira. Se Wright queria dizer simplesmente que, segundo a teoria do livre-arbítrio, a vontade pode tomar uma decisão apesar das influências em contrário, não devia ter falado em "escolha com a mesma facilidade entre alternativas". E a segunda coisa que noto é a presença de um advérbio não explicado na segunda sentença: "normalmente". Ao que parece, Wright admite que a teoria do livre-arbítrio comporta exceções. Mas quais seriam elas? Não há explicações no texto; entretanto, elas são importantes para o fim que ele tem em vista, que é o combate ao arminianismo. Afinal, o autor declara mais adiante que "os arminianos querem que a vontade seja livre de interferência externa", o que me parece ser uma afirmação que não admite exceções. Portanto, deveria haver alguma explicação para o "normalmente".
Essas duas observações iniciais parecem indicar que Wright não tem uma mente rigorosa o suficiente para dar um tratamento adequado a tão espinhosa questão; e isso parece confirmar uma impressão que havia sido despertada em mim ainda durante a leitura do capítulo inicial, como declarei aqui. Se o leitor acha que essa minha conclusão é exagerada, e que estou tentando desqualificar o autor com base em detalhes sem importância, sinto dizer que só há uma explicação possível: o leitor compartilha do defeito de Wright, pois a intenção dele é justamente a de fornecer uma refutação filosófica rigorosa e inescapável à crença na liberdade humana. Indícios adicionais dessa falta de rigor aparecem quando Wright discute o significado de termos como determinismo e acaso. Vejamos:
"Por determinismo, então, queremos dizer a ideia que afirma que nenhum evento finito pode acontecer puramente por acaso, mas que todos os acontecimentos são causalmente determinados na sua natureza e ação por um estado de coisas anterior - que não há acontecimentos não causados no mundo. O oposto do determinismo é o indeterminismo, que sustenta que pelo menos alguns acontecimentos não são causados por condições prévias, sendo que os atos livres da vontade estão entre eles."
No glossário do fim do livro, o autor define "indeterminismo" da seguinte maneira: "Teoria de que pelo menos alguns acontecimentos não possuem causas anteriores. Normalmente coexiste com uma dependência do acaso para explicar as coisas." O "normalmente" está aí de volta, mas desta vez com um propósito bem nítido: essa definição mostra que o autor tem consciência de que negar o determinismo não é necessariamente o mesmo que invocar o acaso como explicação válida para os eventos. Entretanto, como o trecho citado acima deixa claro, a definição de indeterminismo dada no segundo capítulo não leva isso em conta. E, na verdade, nada mais na argumentação desenvolvida pelo autor ao longo do segundo capítulo é compatível com a distinção feita de modo implícito no glossário. No trecho a seguir, por exemplo, Wright descreve a posição antagônica à sua e em seguida a critica. Vejamos como ele o faz:
"A vontade é automovida em resposta ao que a mente conhece e pode causar tanto a ação de ceder às influências quanto a resistência a elas. A vontade é livre para seguir ou resistir a qualquer que seja a opção que a mente lhe apresente. O problema mais sério aqui é que esse tipo de espontaneidade é indistinguível do acaso. Precisamos apenas perguntar: o que faz com que a vontade escolha um caminho e não outro? Se ela não é causada, ela é puramente acaso. Se sua ação é causada, então ela não é livre de causação."
Aqui, como se vê, Wright parece de todo hostil à ideia de que possa existir algum indeterminismo sem acaso, contrariando as implicações imediatas do que ele mesmo disse no glossário. Isso reforça os comentários que já fiz sobre o uso impensado e inconsequente das palavras, que é uma das marcas características de uma mente indisciplinada. Fiquei com a impressão de que o "normalmente" aparece motivado apenas pela cautela do autor, ao menos em parte cônscio de sua ignorância. Mas essa cautela desaparece de todo quando chega a hora de argumentar com o devido rigor. Nesse momento, ele deseja que seus leitores esqueçam as sutilezas que podem aparecer para atrapalhar e imaginem que todos os seus eventuais opositores pensam de modo idêntico.
De qualquer modo, seu argumento não me convence. Por que é que acaso e determinismo seriam as únicas alternativas disponíveis? Não atribuímos a nenhuma das duas categorias as decisões do próprio Deus, por exemplo. Não dizemos que Deus decreta os acontecimentos sem motivo algum, como se todas as opções disponíveis lhe fossem indiferentes; ao mesmo tempo, porém, não dizemos que Deus os decreta por não dispor de liberdade para escolher outras possibilidades, pois nesse caso a contingência da criação (no todo e em cada uma de suas partes) estaria arruinada. Esse fato deveria bastar ao menos para levantar a possibilidade de que o universo dos seres pessoais, entre os quais se encontra o próprio Deus, não seja regido pela mesma categoria de leis que se aplica ao universo inanimado. Neste, sim, tudo se resume (talvez) a "determinismo ou acaso"; naquele, não necessariamente. A incapacidade de vislumbrar essa alternativa me parece semelhante a um daqueles vícios de pensamento que aparecem de modo muito mais evidente em pensadores materialistas. E isso não é coincidência, pois, como já mostrei em outra parte, o racionalismo está fortemente presente em ambos os casos.
Há leitores que talvez não me conheçam, e por isso podem estar pensando que estou defendendo o arminianismo ou o semipelagianismo contra o conceito calvinista da soberania de Deus. O próprio Wright, aliás, deseja que seus leitores pensem que sua posição é calvinista por excelência, e que qualquer tentativa de conciliar a soberania divina com a liberdade humana só pode se originar de uma antipatia pela "autêntica" posição reformada e bíblica. Entretanto, ele gasta boa parte do tempo criticando postulados caracteristicamente arminianos (ou mesmo pelagianos, em alguns casos) que não tenho o menor interesse em defender, como o de que Deus jamais interfere na vontade humana, ou o de que a vontade é neutra do ponto de vista moral e espiritual. Contudo, ele também critica posições de grandes teólogos reformados cujas simpatias pelo arminianismo eram nulas. Na próxima postagem analisarei um exemplo disso, mostrando problemas adicionais com a tese determinista de Wright.
16 comentários:
Rapaz, eu ganhei o livro, comecei a ler e parei, acho que vou voltar.
Pra acompanhar suas séries.
"Se as obras deixarem"
Grande abraço.
Aguardando parte II, para incremento diferencial (por incompetência do leitor e não do autor) em minha capacidade argumentativa crítica.
Sendo eu um arminiano, seu texto causou-me bastante estranheza. Eu julgava que todos os calvinistas pensassem com Wright, pois essa argumentação dele, eu vejo o tempo todo. Nunca entendi o motivo de tais pessoas não perceberem que negam a liberdade do Eterno, com esses argumentos.
André
Peço, por gentileza, que você exclua o comentário que coloquei inadivertidamente em nome de minha esposa.
Grato
Caro André,
Depois de ler seu comentário tenho que admitir que fiquei meio perplexo. Conheço Dr. Wright há 30 anos e passei muitas horas falando com ele sobre estes assuntos. Uma coisa que posso afirmar sem nenhuma dúvida; ele tem a mente mais disciplinada que eu conheço. Tudo bem que você descorda dele em alguns pontos mas este tipo de acusação não ajuda nada.
É uma pena que ele não fala português porque sei que ele responderia. No lugar dele eu gostaria de fazer umas observações.
Você acusa ele de se contradizer, como se ele estivesse querendo propor uma definição de livre arbítrio coerente. "Se Wright queria dizer simplesmente que, segundo a teoria do livre-arbítrio, a vontade pode tomar uma decisão apesar das influências em contrário, não devia ter falado em 'escolha com a mesma facilidade entre alternativas'." Porque ele não deveria ter falado nisso? É claro que é uma contradição. O ponto do argumento dele é que a teoria de livre arbítrio é cheio de contradições. O que ele está fazeno aqui é apenas descrevendo o que os próprios arminianos acreditam, o que pode ser verificado através de uma leitura dos seus livros, como os de Clark Pinnock por exemplo. São eles, os arminianos, que propõem definições com estes problems. O Dr. Wright está apenas colocando diante do leitor a definição deles da qual ele não tem nenhuma obrigação de fazer coerente, já que na visão dele isto não pode ser feito.
E depois, "E a segunda coisa que noto é a presença de um advérbio não explicado na segunda sentença: 'normalmente'. Ao que parece, Wright admite que a teoria do livre-arbítrio comporta exceções." Mas ele não admitiu nada aqui. A palavra "normalmente" descreve a crença dos arminianos, não do Dr. Wright. Quando ele disse "os arminianos querem que a vontade seja livre de interferência externa" ele está relatando um fato que é simples de confirmar nos escritos dos arminianos. Se o "normalmente" contradiz isso, é o problema deles e não do Dr. Wright, porque são eles que o introduziram na discussão. Novamente, ele não está fazendo um argumento aqui, mas sim, descrevendo o que os ariminano defendem, seja coerente ou não. Ele não é obrigado a remover as contradições do sistema arminiano. Muito pelo contrário, o propósito é as revelar.
Agora temos isso: "No glossário do fim do livro, o autor define 'indeterminismo' da seguinte maneira: ´Teoria de que pelo menos alguns acontecimentos não possuem causas anteriores. Normalmente coexiste com uma dependência do acaso para explicar as coisas.' O 'normalmente' está aí de volta, mas desta vez com um propósito bem nítido: essa definição mostra que o autor tem consciência de que negar o determinismo não é necessariamente o mesmo que invocar o acaso como explicação válida para os eventos." Não. A definição não mostra nada assim. Novamente, a definição mostra a contradição que existe no pensamento arminiano. Ele está dissendo que, enquanto normalmente a crença em livre arbítrio é acompanhado pela dependência do acaso para explicar as coisas, ele nem sempre é. Alguns que acreditam em livre arbitrio tentam negar a dependência do acaso. Mas Dr. Wright afirma que tal postura é uma contradição. Na verdade, ele acredita, junto com Cornelius Van Til, que o homem que defende a autonomia da vontade está sempre se mudando entre acaso, de um mão e o determinismo impessoal, do outro mão, dentro de uma contradição inevitável.
Apesar de não entender ele corretamente nestes pontos, você acertou nisso: "Aqui, como se vê, Wright parece de todo hostil à ideia de que possa existir algum indeterminismo sem acaso" Agora, não vejo nenhuma razão para a sentença segunite, que é nada mais que um argumento ad hominem. Mas o ponto mais sério aqui é que a refutação que você colocou não é convincente. Como Calvinista e Van Tilliano, eu sei que Dr. Wright concorda que Deus é totalmente livre e que ele também não é impelido de agir por acaso o nenhuma outra força fora de si mesmo. Tudo bem. Não vejo como isto serve para comprovar que o mesmo seja possível no caso do homem. Deus é autocontido, como Van Til disse. Ele é a origem de tudo, inclusive de todos os eventos de historia. Ele predestinou e determinou tudo que acontece, como Calvino e Van Til (e Paulo, Ef. 1:11) ensinavam.
Agora, o homem não é autocontido. Ele existe no universo, no ambiente, no qual Deus o criou. Necessariamente, as condições nas quais o homem tem de agir e fazer suas escolhas são radicalmente diferentes das de Deus. Já que o homem é criado, ele não é autonomo. No contexto do universo, negar que Deus tivesse determinado tudo que acontece levanta a questão de, então quem, ou o que, o determinou? O arminiano gostaria de dizer ou nada, ou o próprio homem. Mas o fato é, a coisa não causada, no caso de um ente finito, deve ser resultado do acaso. Qual seria a possibilidade intermediário? Deus é o único ser auto causado. O homem é, e sempre será, uma criatura.
Eu imagino que nesta altura do jogo você talvez acuse Dr. Wright (e eu) de ser racionalista. Creio que a questão agora seria uma de exegese, para ver se a Bíblia realmente ensina a noção de livre arbítrio, no sentido no qual os arminianos (e talvez você, mas não sei com certeza) acreditam. Creio que ele mostrou que essa doutrina não existe nas escrituras. Eu creio que exsitem mistérios na Bíblia que a mente humana não consegue entender. O Dr. Wright acredita assim também. Agora, não é racionalismo não bíblico recusar crer em contradições quando existem explicações razoáveis, tanto filosóficas como exegéticas, para remové-las.
Alan Myatt
(teve que respostar a segunda parte porque a primeira vez nem tudo apareceu)
Alexsandro, leia sim, e acompanhe as postagens. A maior parte será no Tamos Lendo!. Algumas já saíram, inclusive. É um bom livro, embora cometa algumas faltas graves.
Metralha, estou sempre às ordens. Em breve devo lhe escrever.
Aprendiz, se não me engano esse é seu primeiro comentário em meu blog. Seja muito bem-vindo, meu caro.
Sua declaração me preocupa um pouco, por ser um indício de que os calvinistas de outras vertentes não são muito bons de propaganda. hehe Na verdade, o calvinismo de Wright é um desvio relativamente recente, que, no meu entender, tem feito um certo estrago, como o racionalismo sempre faz.
Quando tiver um tempinho livre, não deixe de ler uma série em quatro partes que escrevo no final do ano passado e publiquei aqui mesmo neste blog: "O direito ao mistério". Acho que vai ser útil para você entender melhor a natureza do problema que eu vejo nesse tipo de abordagem, e também para entender melhor as controvérsias internas do calvinismo.
Na semana que vem deve sair a continuação desse post. Não percam! Abraços a todos!
Caro Dr. Myatt, respondi aos demais comentaristas antes de ver seu comentário. Não lhe responderei devidamente ainda, pois amanhã devo viajar a trabalho, e não sei como serão minhas oportunidades de acesso à internet nos próximos dias. Mas peço que tenha paciência enquanto a resposta não sai, e que não perca a continuação do post, que já está pronta e deve sair na semana que vem.
Abraços, e até logo!
André,
Mais uma pergunta. Você disse, "Na verdade, o calvinismo de Wright é um desvio relativamente recente, que, no meu entender, tem feito um certo estrago, como o racionalismo sempre faz." O que, exatamente, é o desvio? Explique por favor. Dr. Wright é PhD na história da teologia, a área dele sendo a Reforma e os Puritanos. Ele está bem na tradição de Puritanos como Owen. Você está dizendo que a negação de livre arbitrio que ele faz é um desvio recente? O que é este desvio e qual evidência existe que é uma novidade?
Também, qual é a natureza do estrago que isto tem feito? Você disse que é difícil definir o que é rationalismo. Eu li seu artigo sobre Crampton e concordo com alguns pontos. Também, rejeito racionalismo. Mas tudo depende também na definição.
Agora, com mais que trinta anos de pesquisas na filosofia e teologia contemporânea, inclusive o pósmodernismo, posso dizer que eu entendo bem a irracionalismo da teologia e filosofia de nossa época. Em qual sentido é sua posição diferente?
Alan
André,
Aguardo sua resposta.
Abraço irmão,
Alan
Caro Myatt e caro André,
Fiquei um tanto atônito com a necessidade em chamar a autoridade do tempo... Decepcionou-me.
Fora isso, parece-me que o ponto central do texto foi perdido. E este é a necessidade de rigor para uma refutação que se pretende, entre outras, filosófica. Não é verdade que não é necessária uma boa definição da posição contrária. Fazer uma caricatura e combatê-la é até divertido, mas não é rigor filosófico.
Quanto a isto ainda, embora eu discorde pontualmente do texto do André, devo concordar que, ao menos aqui, faltou rigor a Wright.
Sobre a autonomia, quem dera definições em conversas alhures seguissem essa trilha que evitaria certas ambiguidades. Assim não é, entretanto. Porém, posso assegurar, ainda que não esteja a responder por ele, que o André não crê em tal coisa.
De resto, também gostaria de algo mais propositivo do André, embora já saiba que não era o objetivo do texto. Quem sabe estas questões nos premiem com algo neste sentido.
Só para terminar como convém...
Abraços. No Senhor,
Roberto
Roberto,
Exatamente em qual ponto faltou rigor na definição que Wright deu? Como eu já disse, o que ele colocou pode ser confirmado nos escritos de vários arminianos. Um bom exemplo existe nos livros editados por Clark Pinnock, Grace Unlimited e The Grace of God and the Will of Man. A descrição de livre arbítrio que Wright deu no seu livre é perfeitamente consistente com as que se encontra nestes livros e outros. Não é uma caricatura que ele está combatendo, mas sim, a crença comum de arminianismo.
Abraço,
Alan
Caro Alan,
Permita-me responder com algumas perguntas...
Wright pretende uma definição do arminianismo ou do arminianismo comum ou de Pinnock?
Caso pretenda a segunda, se também quer uma refutação (filosófica, entre outras), isto deve ficar claro. Está? Se sim, então não há caricatura. Se não, há.
Caso queira a primeira, então sua definição deve dar conta do que o André chama de "arminianos melhores". Aqui não preciso perguntar, pois o texto do André aponta para isto suficientemente (e, volto a dizer, embora discorde dele em algum aspecto, concordo que deve haver mais rigor). E há, neste caso, caricatura. Aliás, exatamente como os arminianos fazem de nós. Mas podemos ser melhores, não?
Entretanto, não me interprete mal. Ainda não li Wright (o livro aguarda prioridades). Não o estou criticando eu. Estou concordando com o André a partir das informações que ele me deu no texto (restrição feita acima já pela segunda vez) e discordando de você quando diz, ou sugere, que uma refutação não implica em uma definição rigorosa da posição contrária.
Já quanto às definições comuns de livre-arbítrio não tenho razão para discordar de você, dada a informação "comuns".
No mais, aguardo o debate entre vocês. E estou torcendo para que você arranque do André mais do que eu pude até agora. (E ele de você, claro!)
No Senhor,
Roberto
Prezado Dr. Myatt,
Em resposta às suas indagações e críticas, acabo de publicar o primeiro de dois posts. Fique à vontade para comentá-los ali ou aqui mesmo. Logo vou postar a continuação e, depois, a segunda parte do texto, que já estava pronta.
Abraços!
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