5 de setembro de 2011

Sutilezas causais - parte 2

Publiquei recentemente a primeira parte do texto Sutilezas causais. Devo publicar a segunda parte em alguns dias. Porém, a primeira parte já foi alvo das críticas do Dr. Alan Myatt, teólogo americano bem conhecido que morava no Brasil até recentemente, e com o qual tenho amigos em comum. Ele não gostou do teor de meu texto e, na seção de comentários do post, fez-me algumas críticas e também solicitou alguns esclarecimentos. Redigi uma resposta, mas ela ficou grande demais para ser postada (em pequenas prestações) na caixa de comentários. Decidi, pois, transformá-la em dois posts. Publico agora a primeira parte, e deixo a segunda para amanhã. Só depois publicarei a segunda parte do post inicial, que já está escrita há tempos. Esse interlúdio trará, creio eu, a vantagem de permitir uma compreensão mais adequada do que virá depois. Recomendo a todos os leitores que leiam os comentários do Dr. Myatt à primeira postagem, bem como o do Aprendiz e os do Roberto, antes de dar início à leitura do que se segue.

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Olá, Dr. Myatt!

Apesar da demora, estou de volta para dar continuidade à nossa conversa. Eu não quis responder correndo, pois seu comentário merece uma consideração maior que a que eu podia dar de imediato. É realmente uma pena que o autor não possa responder por si mesmo, em virtude da dificuldade linguística. Mas tenho confiança de que o sr. possui competência para fazer uma defesa de seu amigo com eficiência comparável à que ele faria de si mesmo. Portanto, vamos lá.

Alguns esclarecimentos iniciais podem ser úteis. Sobre minhas considerações acerca da mente de Wright, o sr. começou dizendo que "este tipo de acusação não ajuda nada". E mais tarde afirmou que usei contra ele um "argumento ad hominem". Permita-me, diante disso, começar explicando que não fiz nada parecido. Um argumento ad hominem consiste em desqualificar as posições de alguém com base em considerações sobre sua pessoa. O que eu fiz foi "desqualificar" a pessoa com base em considerações sobre suas posições, o que é precisamente o contrário. E eu não fiz isso tendo em vista atingir o autor em si, e sim o autor enquanto exemplo de uma cosmovisão que considero deficiente. E, na medida em que denuncio disposições mentais que julgo incorretas, isso ajuda em alguma coisa - se eu tiver razão, é claro. Isso que digo tem relação direta com minha afirmação de que Wright é um racionalista (voltarei a esse ponto adiante), e também com seu testemunho de que não conhece ninguém com uma mente mais disciplinada que a dele. Apesar da proximidade pessoal que o sr. tem mantido com Wright ao longo de trinta anos, não posso nem devo simplesmente substituir por seu testemunho a forte impressão contrária que extraí diretamente do livro. Apesar disso, não pretendo desqualificar sua afirmação. Na verdade, as duas coisas não me parecem contraditórias. Tenho conhecimento e experiência suficiente da estrutura mental racionalista para saber que mentes assim podem ser muito disciplinadas, e também que essa disciplina se manifesta pouco ou nada com relação a certa categoria de assuntos.

Quanto à sua resposta às minhas acusações de inconsistência na descrição que Wright faz do arminianismo, tenho várias coisas a dizer. A primeira é algo que já foi dito pelo Roberto: o sr. mencionou Clark Pinnock como uma das fontes arminianas nas quais se podem encontrar afirmações como essa. Sei que ele foi mencionado apenas como um exemplo - e um ótimo exemplo, pois Pinnock é provavelmente o autor mais discutido em A soberania banida. Contudo, ele não é um arminiano no sentido estrito, e tanto o sr. quanto Wright sabem disso. De modo que nem tudo o que é dito em resposta a Pinnock pode ser considerado uma refutação ao arminianismo em si.

Isso me leva à segunda coisa que tenho a dizer, e que também já foi dita pelo Roberto: se Wright pretendia refutar todo e qualquer arminianismo, no sentido amplo do termo, tinha a obrigação de refutar também o melhor arminianismo concebível; tinha a obrigação de apresentá-lo da melhor maneira possível e de buscar fortalecê-lo ao máximo antes de empreender sua demolição. Reconheço que houve um esforço nesse sentido no livro, e considero-o bem-sucedido do ponto de vista exegético. Quanto à questão filosófica, porém, tenho opinião diversa. Basta dizer que, se eu mesmo quisesse defender filosoficamente o arminianismo (o que não me interessa, como declarei expressamente no post), poderia apresentar argumentos que não foram discutidos em parte alguma do livro. É claro que, no fim das contas, não considero válidos esses argumentos. Mas minhas críticas não se destinam a defender posições arminianas, e sim apenas a mostrar que Wright não argumentou tão bem quanto deveria. Alguns desses argumentos que eu poderia levantar não requerem que a descrição que Wright faz da posição arminiana seja de todo correta. A visão de C. S. Lewis, por exemplo, não comporta uma "escolha com a mesma facilidade entre alternativas". Pessoas que pensam como ele achariam, com razão, que a exposição que Wright faz da "posição arminiana" é superficial, imprecisa e insuficiente para possibilitar uma boa refutação.

Tudo isso basta para introduzir ao menos uma forte impressão de falta de rigor. Se Wright não foi capaz de fazer uma formulação justa de seu melhor adversário, isso já basta para justificar minha queixa. Porém, a questão não é só essa. De fato ficaria muito fácil refutar uma tese descrevendo-a desde o princípio por duas sentenças contraditórias. Contudo, é estranho que o próprio autor tenha se utilizado desse expediente para revelar suas contradições sem, contudo, revelá-las de maneira explícita logo em seguida. A menos que minha memória tenha me traído (hipótese que sem dúvida é possível, mas exige prova), em parte alguma do capítulo Wright explorou essa contradição entre a "escolha com a mesma facilidade entre alternativas" e as "influências que possam afetar a vontade". Ele explorou outras questões, mas não essa. E a ausência de uma indicação explícita dessa contradição como tal foi o que me levou a concluir que o próprio Wright não se deu conta devidamente das implicações da descrição que fez.

Considerações semelhantes se aplicam ao que o sr. disse em relação ao advérbio "normalmente". Noto que o sr. não contestou minha observação de que Wright descreve a posição arminiana de dois modos conflitantes: no corpo do texto, admitindo exceções à capacidade da vontade de vencer as influências; e, no glossário, ignorando essas exceções. O sr. apenas disse que essas contradições são inerentes ao arminianismo. Não acho que sejam. Mas, ainda que fossem, isso não justificaria o procedimento de Wright. Afinal, eu não reclamei da apresentação contraditória em si, e sim da falta de explicação para ela. Wright não apontou, nem discutiu (e muito menos documentou) a presença dessa contradição nos sistemas arminianos, e sim apenas as transcreveu, sem dar sinais de ter percebido que a descrição dada no texto contradiz a do glossário. Ele deveria não só ter percebido isso, mas também levantado uma discussão sobre em que sentido os arminianos costumam entender esse "normalmente", e depois mostrar que esse entendimento é inconsistente. Nada disso foi feito.

Em suma: o sr. disse que Wright "não está fazendo um argumento aqui, mas sim descrevendo o que os arminianos defendem". Sei disso, e não afirmei o contrário. Mas há dois problemas: primeiro, ele descreveu mal; e, segundo, o argumento que não está aqui também não está em nenhuma outra parte do livro.

Continuemos. A partir da definição de "indeterminismo" encontrada no glossário do fim do livro, eu afirmei que "o autor tem consciência de que negar o determinismo não é necessariamente o mesmo que invocar o acaso como explicação válida para os eventos". Pensando discordar de mim, o sr., na verdade, afirmou a mesma coisa: "Alguns que acreditam em livre-arbítrio tentam negar a dependência do acaso". O que eu disse foi que quem nega o determinismo não está necessariamente invocando o acaso. A ênfase da minha frase está posta na intenção de quem nega o determinismo, e não na opinião de Wright sobre as reais implicações dessa negação. Sei que ele "afirma que tal postura é uma contradição", mas os argumentos apresentados não são suficientes para provar isso. Como o sr. viu, lidei com a questão mais para o final do texto. No momento, meu único propósito era o de reclamar, mais uma vez, do uso não discutido da palavra "normalmente". Por isso eu disse: "nada mais na argumentação desenvolvida pelo autor ao longo do segundo capítulo é compatível com a distinção feita de modo implícito no glossário". Por que eu disse isso? Apenas porque Wright não explicou como pensam os "indeterministas" que negam que os atos livres da vontade sejam guiados pelo acaso. Não há sinais de que o autor tenha entendido as razões deles. E, se não as entendeu, como pode tê-las refutado?

É por não ter feito um bom trabalho nesse sentido que ele acabou por transmitir essas impressões que descrevi no restante do parágrafo, cujas razões o sr. afirmou não ter entendido. Resta esclarecer apenas que, quando eu disse "fiquei com a impressão de que", isso inclui tudo o que é dito até o final do parágrafo. Portanto, nada do que eu disse ali, exceção feita à denúncia da mente indisciplinada, pretende ser uma afirmação categórica. Peço desculpas por ter transmitido a impressão de que pretendia algo mais que descrever a impressão transmitida por Wright.

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