16 de setembro de 2008

Quinta colheita, ou: cartas de uma bruxa

De tudo o que tenho publicado neste blog nos últimos meses, nada chamou a atenção mais que este post, no qual fiz pouco além de reproduzir um texto que não é meu. Eu mesmo seria o último a afirmar que isso é uma injustiça. Ainda assim, eu pretendia elaborar, num futuro não muito distante, alguns comentários relacionados ao tema do livro Os intelectuais. Ainda pretendo, aliás, mas vou adiar um pouco essa empreitada a fim de dar a atenção devida aos quatro comentários que aquela postagem recebeu. Talvez eu devesse dedicar a eles um texto escrito decentemente e que possuísse uma certa continuidade. Contudo, minha preguiça me leva a escolher outro caminho. Mantenho há tempos o hábito de responder por e-mail aos comentários que recebo. Posso ter deixado de fazer isso em uma ou outra ocasião, por puro esquecimento; e, não raras vezes, demoro para responder. Além disso, ocasionalmente recebo comentários de pessoas que não conheço e cujos endereços não tenho como descobrir. Mas nada disso aconteceu no caso em questão: tive o trabalho de enviar quatro e-mails, que expressam bem o que eu tinha a dizer sobre os comentários que recebi. Reproduzo abaixo três desses comentários e as respostas que enviei aos respectivos autores, acompanhadas de breves esclarecimentos. O outro caso, por ser mais extenso, será publicado à parte, dentro de alguns dias.

O primeiro comentário é justamente o que vou deixar para depois. Temos a seguir o do Otávio, que foi este:

"Então, eu não li o livro ainda mas pelo que entendi do post e do trecho o livro é justamente uma crítica a isso que se faz contra certos líderes, julgando seu carater ou seus 'péssimos' hábitos.

Algo que achei interessante é que ele faz uma crítica direcionada aqueles que criticam autoridades religiosas, por exemplo, por sua conduta dentro de seus preceitos e valores pregados pela instituição. Entretanto, apesar de não ter lido o livro e tomando somente base nos trechos transcritos aqui, ele faz exatamente a mesma coisa com esses intelectuais.

É só isso! Abração!"

A minha resposta foi esta:

"Olá, meu caro amigo! Em momento algum, no trecho do livro que transcrevi ou em qualquer outro, aparece qualquer reprovação ao ato de criticar alguém por não viver de acordo com os princípios que prega. Se foi isso o que você entendeu desculpe, mas você não leu direito. Johnson não critica os intelectuais por fazerem críticas aos líderes religiosos com base em suas condutas pessoais; ele os critica porque o que motiva essas críticas não é a repulsa pela hipocrisia, e sim o oportunismo político que se apóia sobre uma hipocrisia maior ainda. Isso tudo foi muito bem sintetizado pelo meu amigo Gustavo, que comentou logo depois de você. Sugiro que você dê uma lida no comentário dele, caso ainda não o tenha feito.

Abraços, e obrigado pela participação!"

O terceiro comentário foi feito pelo Gustavo Nagel. Ele transcreveu uma breve consideração escrita por ele mesmo e publicada no seu blog (que, para meu desgosto, ele deletou recentemente) em 22 de junho do ano passado, o qual dizia o seguinte:

"A impressão que me ficou da leitura de parte de Os Intelectuais, de Paul Johnson, é que só se conhece um pensador, um filósofo moderno, ou algo do tipo, através da leitura de sua correspondência. O sujeito se mostrava um anjo enquanto escrevia seus ensaios filosóficos, intencionando neles um desejo sublime de amar e salvar toda a humanidade, mas em carta dirigida a uma das dez mulheres que tinha, por exemplo, ele a mandava ao inferno umas trezentas vezes. Donde concluí que amar a 'humanidade', para alguns desses demagogos, era o modo mais fácil de odiar as pessoas; bem como aprendi que se é muito mais verdadeiro quando não se tem a pretensão de ser visto, lido, ouvido: eles eram o que eram não enquanto escreviam suas belas obras humanísticas, ou proferiam seus ardorosos discursos messiânicos, mas enquanto, longe dos olhos da multidão, sem toda aquela afetação, odiavam as pessoas mais próximas."

A isso o Gustavo acrescentou as seguintes palavras: "Paul Johnson se ocupa, é verdade, com a vida dos intelectuais em questão, mas apenas na medida em que elas notadamente contradizem seus apelos quase messiânicos etc.". E, em resposta, eu disse o seguinte:

"Olá, Gustavo! Apesar da demora, estou escrevendo para agradecer seu comentário ao meu post Uma dúzia de tiranos. Você sintetizou muito bem aquilo que meus dois amigos esquerdistas que comentaram antes de você não puderam ou não quiseram ver. Daqui a pouco vou responder a eles também, e desenvolver melhor alguns pontos pertinentes. Dentro de algumas semanas deverei publicar um novo post comentando os resultados dessas discussões. E aproveitarei para fazer menção a esse parágrafo que você publicou no seu blog a respeito do livro no ano passado. Eu havia até me esquecido disso, mas o fato é que foi através desse seu post que eu soube da existência desse livro (embora já conhecesse o autor), e resolvi que o leria se um dia tivesse a oportunidade.

Abraços, e obrigado mais uma vez!"

Os e-mails acima foram enviados em 16 de julho, e não recebi resposta a nenhum deles (no caso do Gustavo, obviamente, nem havia mesmo motivo para responder). Já a Ludmila, autora do quarto comentário, estabeleceu comigo uma interessante discussão, que se prolongou ainda por mais três e-mails de cada parte. Interessante para mim, é bom deixar claro, já que o ânimo da minha amiga diminuiu na proporção exata em que o meu ia crescendo, até que ela decidiu que não valia a pena discutir com um representante moderno da Idade das Trevas. Não transcreverei aqui o debate todo, que acabou se desviando consideravelmente rumo a várias outras questões, algumas das quais eu pretendo abordar em posts futuros. Além disso, ainda não parei para analisar quais das questões discutidas (e até que ponto) são diretamente pertinentes do ponto de vista do que expus no post. Talvez (e apenas talvez) algumas se relacionem ao tema, ou aos desenvolvimentos adicionais que pretendo fazer. De qualquer forma, mesmo que apenas para justificar o título que dei a este post, transcrevo abaixo minha resposta ao comentário da Ludmila.

O comentário foi a respeito de uma única frase de Johnson; aquela em que ele afirma que os intelecuais "não apenas devem ser mantidos bem afastados das engrenagens do poder como devem ser objeto de uma desconfiança particular quando procuram dar conselhos coletivos." Ela disse: "É a caça às bruxas do século XXI." E a minha resposta foi:

"Olá, Ludmila! Espero que esteja tudo bem com você. Fiquei surpreso e feliz ao ver seu comentário. Não esperava que você tivesse algum interesse em ler o que escrevo (no caso, transcrevo), nem sei o que a levou a isso. Mas, já que é o caso, creio que devo dizer o que penso sobre o seu comentário.

Apesar de ter sido feito em apenas uma frase, ele tece uma comparação equivocada num aspecto fundamental: por suas pretensões de poder e por seu papel social efetivo, os intelectuais não se assemelham às bruxas, e sim ao clero que as punha nas fogueiras. Paul Johnson foi muito perspicaz ao descrever os sacerdotes, escribas e profetas de antigamente como 'primeiras encarnações' dos intelectuais. É óbvio que todos eles têm em comum a pretensão de possuir a sabedoria necessária para guiar a sociedade, e é igualmente óbvio que os intelectuais seculares de fato orientam a sociedade atual, tanto quanto os religiosos orientaram as sociedades do passado. É claro que, insatisfeitos com a dose de poder de que já dispõem, eles se queixam constantemente de que são uma pobre minoria perseguida por contrariar os interesses dos donos do poder, numa tentativa de conquistar mais poder ainda. (E é um truque bastante eficaz, como se nota no fato de que você mesma considera a restrição dos poderes deles como algo comparável à carbonização de bruxas.) Isso tudo é papo furado. Eles não são as bruxas, e sim os inquisidores. A bruxa aqui sou eu.

Beijos."

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Aproveitarei este espaço para comentar outro fato. Dos quatro comentários à minha postagem mais recente, A amizade das leis, apenas um é de fato um comentário acerca do que diz o texto. Os outros dizem respeito a uma discussão que começou em outro lugar, e na qual me envolvi apenas de passagem. Trata-se de um curto post do Gustavo em um blog que ele mantém em conjunto com três amigos dele. Ali, depois de expor suas razões para preferir o voto nulo, e de ter mencionado que abriu mão desse preceito na última disputa presidencial apenas para impedir a reeleição do Lula, ele recebeu uma crítica estúpida (em ambos os sentidos: racionalmente idiota e desnecessariamente grosseira) de um tal B.M.. Fiz ali um comentário em apoio ao meu amigo, e então o B.M. voltou sua atenção para mim também. Tivemos uma breve discussão, num tom não muito amistoso, mas também sem novos insultos ou grosserias. Toda a minha participação nessa história resume-se aos três comentários do post que indiquei. Mas outras pessoas se envolveram, e o bate-boca prolongou-se por outros posts do mesmo blog. O tal B.M. deu continuidade a ela nos comentários deste post do João (post excelente, aliás, e sem qualquer relação com o problema). Depois o Igor, outro membro do blog, dedicou ao B.M. este post, e parte deste outro, ambos os quais renderam mais bate-boca nos comentários. Paralelamente, o B.M. também foi falar bobagens e proferir grosserias no agora extinto blog do Gustavo. Enfim, depois de ter cassado seu direito à manifestação em ambos os blogs, veio me procurar para se desculpar por possíveis ofensas proferidas contra mim, e para pedir certos esclarecimentos sobre as últimas coisas que eu havia dito. Tudo isso ficará claro para quem ler o que o B.M. escreveu aqui no meu blog à luz do post original do Gustavo e dos seus comentários publicados ali. O restante da discussão eu só recomendo a quem queira se divertir um pouco. Estou contando essa história aqui apenas para esclarecer, a leitores possivelmente perplexos, o que um comentário sobre os méritos relativos de Alckmin e Lula, a legitimidade do voto obrigatório e coisas do gênero está fazendo num post sobre um diálogo de Platão. No próximo post, embora eu não esteja certo de que realmente devo fazer isso, transcreverei o e-mail que enviei ao B.M. em resposta ao seu comentário.

Um comentário:

Gustavo Nagel disse...

Uma metralhadora giratória, como eu diria na minha infância, hehe.

Ótimo post. Aguardo ansioso pelo próximo.