21 de junho de 2012

Fatos amargos

No último dia 14, minha esposa Norma publicou em seu blog um post intitulado A ceia acridoce, na qual comentou as implicações teológicas (e ideológicas) de uma notícia que recebeu através de Alex Fajardo: Em um culto realizado durante a última reunião da Fraternidade Teológica Latino-Americana, Setor Brasil (FTL-B), em Belo Horizonte, o oficiante da Ceia do Senhor, pastor Carlos Queiroz, só distribuiu o corpo e o sangue do Senhor depois de ter distribuído dois outros elementos: fatias de limão e pedaços de doce de leite, que, segundo explicou, representavam "o doce e o amargo da vida". Na verdade, num primeiro momento, pareceu à Norma (e a mim) que os dois elementos espúrios haviam substituído os autênticos, pois Fajardo, empolgado demais com a novidade, se esqueceu de mencionar a presença destes últimos, talvez por, em algum nível, julgá-los menos importantes que os primeiros. A Norma fez a devida correção no post, e acrescentou-lhe uma atualização na qual forneceu quatro argumentos para demonstrar que, a despeito do que pretendia o próprio Fajardo, essa diferença não melhora em nada a situação do oficiante, nem do próprio evento.

O assunto causou certa agitação no mundo virtual, especialmente no Facebook. Muitas pessoas perceberam de imediato a gravidade do problema discutido no post da Norma; outras, contudo, apressaram-se em levantar toda sorte de desculpas e atenuantes para o ato em si, ou para a reação (ou falta dela) de certas pessoas envolvidas. Houve quem tomasse as conclusões da Norma como um acinte intolerável, e houve até quem considerasse imoral e pecaminosa a natureza da denúncia, com base em diversos pretextos. Não pretendo dar aqui um relatório completo de toda essa confusão, mas sim apenas fazer uma breve análise de uma das respostas, dada pelo pastor Luiz Felipe Xavier, secretário da FTL-B, publicada em meio à discussão que se desenvolveu no Facebook do Guilherme de Carvalho - a quem, na verdade, se dirigiu o comentário. Não se trata de uma resposta oficial ("Deixo claro que falo em meu nome e não em nome da FTL-B", disse o autor), mas julgo-a relevante porque, além de vir de um membro da diretoria da instituição, ela sintetiza bem o tom geral das críticas que minha esposa recebeu. Além disso, decidi comentar o caso no lugar da Norma porque sei que ela detesta responder a críticas pessoais, e tanto mais quanto mais ridículas forem. Xavier começou dizendo:

"Primeiro, depois de toda a celeuma criada pelo post da Norma (se era essa a intenção, conseguiu), continuo achando que a publicação foi infeliz e deveria ser retirada, uma vez que não baseia-se no que, de fato, aconteceu na Ceia de encerramento da consulta anual da FTL-B, em Belo Horizonte. Falo porque estava lá e sei o que aconteceu. Não vi fotos nem li comentários que, por vezes, podem ser imprecisos na descrição. Infelizmente, faltou à Norma rigor metodológico."

O tom geral é claramente o de um "Ei, você fez muito barulho por nada, e isso foi muito feio", e já revela algo sobre o modo de pensar do autor da reclamação, à parte de qualquer comentário mais específico. Uma divergência profunda quanto à interpretação do significado do ocorrido é justamente o foco da discussão, desde seu início. Mas isso não é tudo o que diz Xavier. Sua afirmação de que o texto da Norma não se baseia "no que, de fato, aconteceu", a grande importância dada por ele ao fato de que ela não estava lá ("Falo porque estava lá e sei o que aconteceu") e a sugestão de que comentários "podem ser imprecisos na descrição" dão a entender que o erro não reside apenas na interpretação do fato, mas também, antes de tudo, na apreensão do próprio fato. É evidente que esse ponto deveria ser esclarecido em primeiro lugar, pois não se pode chegar a uma interpretação correta de um fato enquanto existem desacordos sobre sua natureza. Entretanto, é inútil procurar, nesse pronunciamento do pastor Xavier ou em qualquer outro, alguma tentativa de explicar o que realmente aconteceu. Xavier não tem nenhuma intenção de esclarecer as coisas, e sim apenas de, ostentando sua autoridade de testemunha direta, exigir dos demais um silêncio acrítico. Temos claramente um louvor à importância da clareza vindo de alguém que tem uma preferência notória pela obscuridade.

Outro ponto relevante é que Xavier inadvertidamente depõe contra sua própria autoridade suprema de testemunha ocular ao citar a suposta imprecisão dos "comentários" em que a Norma se baseou. Ora, Alex Fajardo também estava presente no evento. Se há, pois, uma divergência entre eles sobre o que de fato ocorreu, trata-se de uma divergência entre duas testemunhas oculares, e nada nos garante que a percepção de Xavier seja mais confiável que a de Fajardo - afinal, esta última nós ao menos sabemos qual é. Isso sugere, no mínimo, que nem todos os presentes entenderam o evento da mesma maneira. E se é assim no terreno dos fatos, fatalmente o será também no das interpretações. Foi justamente esse um dos pontos centrais da crítica da Norma, que apontou para a confusão que a inovação poderia produzir na mente dos fiéis e, por conseguinte, para o descuido pastoral do ministrante - e, por extensão, da liderança da instituição. Sem querer, Xavier reforçou nossa preocupação a esse respeito. De qualquer modo, não é na análise da Norma que faltou rigor metodológico. Esse rigor esteve claramente ausente, em primeiro lugar, na mente do pastor Queiroz e dos líderes da FTL-B e, em segundo, na argumentação de Xavier, evasiva na descrição e furada na epistemologia. Enquanto ele não disser exatamente qual foi o erro de Fajardo, seu primeiro parágrafo não valerá nada. Vejamos agora se ele se saiu melhor no parágrafo seguinte.

"Segundo, os primeiros comentários que fiz sobre esse post foram no próprio blog dela, mas, não sei por que razão, não passaram pelo crivo da moderação. Não os enviei novamente porque se a Norma quisesse, realmente, inseri-los lá, ela teria dado um ctrl c e ctrl v na menção que você fez. Ela não o fez porque é uma posição divergente da dela e tem todo direito de assim proceder."

A primeira coisa que me chama a atenção nessas palavras é a contradição flagrante entre a primeira sentença ("não sei por que razão") e a última ("Ela não o fez porque [...]"). Xavier diz que não sabe, mas na verdade julga saber, assim como diz que a Norma "tem todo direito de assim proceder", mas apresenta seu relato com o propósito evidente de levar os demais participantes da discussão a pensar mal dela. Não há outro motivo concebível para a existência desse segundo parágrafo. E, na verdade, essa história não começou aqui. Antes de Xavier entrar na conversa, um tal de Caio Marçal já vinha acusando a Norma de esconder a "verdade" ao não publicar um comentário postado por Xavier. Mas Marçal pelo menos teve a "decência" de abertamente chamar a Norma de mentirosa quando ela negou ter recebido o comentário; Xavier tentou fazer o mesmo de um modo mais disfarçado, porque ele precisava manter a conhecida pose de "tolerante e pluralista lidando com fundamentalistas raivosos". Infelizmente, no entanto, ele não tem o talento necessário para confeccionar um disfarce convincente.

Quanto ao comentário perdido propriamente dito, é intrigante, para começar, a certeza inabalável de Xavier quanto ao fato de a Norma tê-lo recebido. Nesses meus quase seis anos de vida blogueira, já presenciei várias dessas falhas do Blogger, tanto na condição de moderador quanto na de comentador. Junte-se a isso o fato de que, antes de Xavier dizer as palavras acima, a Norma já havia negado que recebera o referido comentário, e a má vontade do acusador se torna evidente. Tivesse a Norma uma má vontade equivalente, acusaria Xavier de não ter enviado nada. Se ela não agiu assim, é porque decidiu conceder-lhe o benefício da dúvida, mesmo antes de ele se pronunciar a respeito. Xavier, no entanto, não se dispôs a conceder à Norma o benefício da dúvida. Pressupondo de modo implícito (e racionalmente ridículo) a infalibilidade do Blogger, ele se recusou a considerar a simples possibilidade de o comentário não ter chegado, e isso quando ela já declarara expressamente não tê-lo recebido. E, não satisfeito, decidiu reprová-la (embora dizendo que aprovava) por não copiar e colar um comentário cuja autoria ele próprio não assumira até aquele momento, e que chegou à Norma apenas por intermédio de terceiros. Mais uma vez, ele condenou minha esposa por uma ambiguidade que só existe em si mesmo.

Antes de prosseguir analisando as palavras de Xavier no Facebook, convém dar alguma atenção ao seu comentário supostamente censurado no blog da Norma. Transcrevo-o integralmente:

"Em coro com Alex, lamento, profundamente, que esse texto tenha sido escrito e publicado.

Primeiro, como sou de tradição batista, não considero a ceia um sacramento e não encontro base bíblica para fazê-lo. Mas, isso é outra coisa.

Segundo, compartilhar os amargos e doces da vida é algo que pode e deve ser realizado no ambiente comunitário da fé cristã. Isso faz parte dos princípios de mutualidade ou mandamentos recíprocos presentes em todo o Novo Testamento. Não vejo na Bíblia nenhuma proibição à [sic] isso.

Terceiro, durante a celebração da ceia (que foi algo distinto da dinâmica anterior) o centro foi a cruz de Cristo. Em momento nenhum
'a cruz ficou em segundo plano', como foi dito. Embora não tenha nenhum problema com consagrar os elementos, não encontro na Bíblia uma orientação clara para fazê-lo. O que vejo é Jesus tomando o pão e o vinho e apenas dando graças.

Quarto, eu sou de esquerda sim, mas, teologicamente, identifico-me mais com o pensamento evangelical (ligado ao movimento de Lausanne). Minha teologia tem suas raízes nos pilares da Reforma. Prefiro ser assim do que ser de direita e fundamentalista.

Quinto, peço a Deus que nos abençoe nos ajude a ler as Escrituras tendo Jesus como nossa chave hermenêutica.

Abraço cordial,
Luiz Felipe."

Abstenho-me de fazer uma análise sobre o conteúdo teológico, político ou mesmo retórico das palavras acima. Para os propósitos da presente postagem, é suficiente observar algumas verdades óbvias. Xavier não citou um único fato que nos leve a suspeitar que há algum erro na descrição (ou mesmo na interpretação) de Fajardo, ou que a análise da Norma não se baseia "no que, de fato, aconteceu". No plano da interpretação, também não há nada em sua curta mensagem que refute algo do que a Norma disse, ou mesmo chegue a lidar de modo sério com as questões levantadas por ela. O que há é apenas uma desconversa feita sem "rigor metodológico" algum. Não há plausibilidade em supor que a Norma se recusaria a publicar tão evidente prova de que ela tinha razão. Dito isso, voltemos ao último trecho relevante do comentário publicado na discussão do Facebook, onde Xavier continuou, ainda se dirigindo ao Guilherme:

"Terceiro, fiquei convencido de que não vale a pena gastar energia em discussões como essa. Mesmo depois do seu próprio testemunho, que ouviu duas pessoas de sua confiança que estiveram lá, a Norma não mudou de idéia. A impressão que eu tenho é que poderíamos passar muito mais tempo discutindo e isso nunca iria acontecer."

Nesse ponto, o tom é de triunfo após a demonstração cabal de que suas razões são excelentes, restando apenas declarar que só a teimosia e a estreiteza mental explicam a insistência em contrariar fatos tão evidentes e argumentos tão razoáveis. Já mostrei acima que essa pretensão está a anos-luz da realidade. Resta dizer apenas algumas palavras acerca do argumento (o único, diga-se de passagem) com que Xavier busca fundamentar sua conclusão: a infalibilidade dos juízos de Guilherme de Carvalho, que ouviu duas pessoas de sua confiança. Caso encerrado, portanto. Depreende-se daí que a Norma tem uma obrigação moral incontornável de confiar em quem quer que o Guilherme aponte como digno de confiança, mesmo que a pessoa assim honrada se mostre capaz de escrever textos inteiros sem dizer coisa com coisa. Não é de admirar que, com incentivos tão ruins, a Norma não consiga mudar de ideia. Mas Xavier tem razão ao menos em um ponto: é verdade que, com esse malabarismo todo para não dizer as únicas coisas dignas de discussão, "poderíamos passar muito mais tempo discutindo" sem que nenhum dos lados mudasse de ideia.

Xavier disse mais algumas coisas, que consistem sobretudo de piadinhas bestas e comentários dirigidos a outras pessoas, e que não vale a pena analisar aqui. Para encerrar a presente postagem, observo apenas que o secretário da FTL-B se serviu amplamente do truque de confundir os fatos e interpretações: acusando a Norma de representar mal os fatos ocorridos, sem, no entanto, explicitar em que consistiu o erro, ele intentava indispor os leitores contra a interpretação da Norma como se ela tivesse distorcido os fatos. Para nossa decepção, alguns caíram nesse engodo um tanto infantil. Não hesito em afirmar que a atitude de Xavier foi desonesta. Só não sei se essa desonestidade é consciente ou inconsciente; mas ambas as alternativas são ruins. Apesar disso, não digo que seu comentário tenha sido inútil: ele serviu para nos dar indícios adicionais de que Alex Fajardo estava correto na descrição dos fatos, e que a Norma está igualmente correta na interpretação que lhes deu.

6 comentários:

Luiz Felipe Xavier disse...

Olá, André!
Fui informado por um amigo sobre esse post, li e, como fui citado, passo a fazer alguns esclarecimentos.
Você escreve muito bem. A meu ver, o único problema é que você concentrou-se na periferia do que disse.
Quero deixar claro que, em nenhum momento, escrevi para ofender ninguém, muito menos a Norma, sua esposa. Se eu o fiz, uso esse espaço público virtual para pedir perdão real a ela: Norma, se você sentiu-se ofendida por mim, me perdoe.
Vamos aos esclarecimentos:
Primeiro, o que eu disse é uma crítica ridícula, como você insinuou, se você toma apenas as partes que você tomou. Nos dois comentários que fiz, o centro do que eu disse está dividido em três partes: 1) O culto como espaço para compartilhar a vida (azedos e doces) e praticar os mandamentos recíprocos; 2) A distinção entre ceia sacramentalista e ceia não sacramentalista (note que aqui, como na celebração da FTL-B, o compartilhar a vida e a ceia estão separados); 3) A opção, que era dos autores do Novo Testamento, da Escola de Antioquia e também dos Reformadores, de ler a Bíblia tendo Jesus como chave hermenêutica. De tudo que eu disse, isso é que era importante. Infelizmente, você se concentrou na periferia e perdeu o centro.
Segundo, eu não sei o que você deseja quando pede que eu faça um comentário específico. Talvez seja uma descrição, mais detalhada, do que aconteceu naquele culto. Se for isso, o farei. Antes da ceia, houve uma dinâmica para que as pessoas compartilhassem seus motivos de oração. Motivos referentes à tristeza (com alusões às ervas do Antigo Testamento, representadas pelo limão), e motivos referentes à alegria (com alusões à maça com mel das tradições judaicas, representadas pelo doce). Já o momento da ceia, propriamente dito (mantendo os elementos do pão e do vinho), foi todo centrado na cruz de Cristo (ela não ficou em segundo plano). Isso fez-se notar pelas palavras, pelas músicas e pelas orações. Logo, o que vi na luz, descrevo na luz, sem obscuridade.
(Continua...)
Luiz Felipe Xavier.

Luiz Felipe Xavier disse...

Continuação...
Terceiro, eu não disse que tenho autoridade suprema como testemunha ocular. Você o disse. O que eu disse foi que estava lá, que vi o que aconteceu e que não estava escrevendo com base no testemunho de outros que estiveram lá. Apenas isso. Quem estava lá é testemunha do mesmo fato, embora possa descreve-lo de forma diferente. Essas descrições podem ser imprecisas (até a minha). O que eu tentei fazer foi precisar essas imprecisões.
Quarto, como ficou claro, não houve inovação nenhuma e, consequentemente, nenhuma confusão na mente dos fiéis que ali estavam. Você pode ficar tranquilo quanto a isso.
Quinto, não cometi nenhuma contradição. Você é que não leu as minhas palavras à luz do contexto. “(...) não sei por que razão (...)”, está no contexto da minha tentativa de postar no blog. “Ela não o fez porque (...)” está no contexto de copiar e colar o comentário que fiz no perfil do Guilherme de Carvalho no Facebook. Isso é apenas uma questão hermenêutica. Talvez, por seu desejo de concentrar-se em detalhes (e, por vezes, sem importância) você tenha perdido o todo do que disse. Esclarecido esse ponto, fica claro também que não chamei a Norma de mentirosa, como você, erroneamente, interpretou.
Sexto, você me acusa de ser tolerante e pluralista. Enquanto o inegociável do Evangelho não é tocado, sou tolerante sim. Agora, pluralista, jamais. A prova disso está no próprio comentário que fiz, na parte central, onde você não se concentrou. No contexto onde questionei o que é ortodoxia, afirmei meu absoluto: Jesus. Vou copiar e colar o que eu disse para você e para os seus leitores: “O que não ficou claro para mim até agora é o que é ortodoxia. Seria presbiterianismo? Batistismo? Ou algum outro ismo? Para mim, ortodoxo é o que foi encarnado por Jesus de Nazaré, que é o verbo de Deus que se fez carne. Tudo que Deus queria dizer de si mesmo, foi dito e encarnado por ele. Só ele é a Verdade absoluta.”. Note que escrevi: Verdade absoluta. Isso não cai bem a um pluralista, cai?
Sétimo, você disse que, em meu comentário, fiz piadinhas bestas. Isso não é verdade e você sabe muito bem. Você pode até discordar do que disse, mas dizer que o que eu disse são piadas bestas é uma ofensa. Como você escreve tão bem (embora sobre o que é periférico), essa e outras ofensas ficaram destoantes.
Cara, honestamente, não pretendo levar isso adiante. Eu não iria escrever mais sobre isso, como disse no comentário. Só o fiz porque fui citado. Oro e espero que tudo tenha tornado-se claro.
Cordialmente,
Luiz Felipe Xavier.

André disse...

Olá, Xavier! Responderei ao seu comentário palavra por palavra:

"Você escreve muito bem."

Obrigado.

"A meu ver, o único problema é que você concentrou-se na periferia do que disse."

Você disse isso três vezes ao longo de sua resposta, e tenho três esclarecimentos a fazer a respeito. O primeiro é que, como declarei expressamente no texto, o post tinha o propósito específico de responder às críticas que minha esposa recebeu no plano pessoal. Não era meu propósito acrescentar algo aos argumentos teológicos, políticos ou de qualquer outra espécie que ela tenha feito ou venha a fazer. Para isso ela não precisa da minha ajuda, até porque ninguém respondeu ainda aos argumentos dela. O melhor que fizeram - você incluído - foi murmurar umas desculpas teológicas rápidas, com o propósito evidente de desconversar, sem lidar de modo sério com a totalidade do que ela disse. O segundo é que, do ponto de vista argumentativo, a importância dos ataques pessoais que você empreendeu não é secundária, mas sim nula. Estou ciente disso desde o início, e escrevi justamente para denunciar esse fato. Portanto, a constatação que você acaba de fazer não chega a ser uma objeção. E isso nos leva ao terceiro esclarecimento: isso que você chama de "periferia" preencheu três dos quatro parágrafos que você dedicou à minha esposa em sua resposta do Facebook. Se há, portanto, algum demérito em dar grande importância a questões periféricas, e se há alguma dúvida no ar sobre qual é a parte periférica, o culpado disso só pode ser você mesmo. Mas fico satisfeito em constatar que você ao menos percebeu que três quartos do que você disse não têm importância nenhuma, e só servem mesmo para fugir da discussão.

"Quero deixar claro que, em nenhum momento, escrevi para ofender ninguém, muito menos a Norma, sua esposa. Se eu o fiz, uso esse espaço público virtual para pedir perdão real a ela: Norma, se você sentiu-se ofendida por mim, me perdoe."

Isso aí é com ela. Mas seu pedido soaria melhor se você tivesse consciência dos modos pelos quais você a ofendeu. Sem admissão de culpa, o pedido acaba ficando demasiado vago. E, de qualquer modo, nenhum de nós dois tem contra você qualquer ressentimento pessoal. O propósito do post não vai além de contornar a barreira de ataques pessoais que você levantou para encobrir a discussão do que realmente importa, como já acertamos aí no parágrafo de cima. Agora vamos aos seus esclarecimentos:

"Primeiro, o que eu disse é uma crítica ridícula, como você insinuou, se você toma apenas as partes que você tomou."

Eu não fiz uma análise de todas as partes do seu texto, e sim apenas das que contêm ataques pessoais. E essas partes, que incluem três quartos do total, são ridículas independentemente do que você tenha dito na parte restante, ou em qualquer outro lugar.

"Nos dois comentários que fiz, o centro do que eu disse está dividido em três partes: 1) O culto como espaço para compartilhar a vida (azedos e doces) e praticar os mandamentos recíprocos;"

Confusão elementar: o culto não é lugar para nada disso. Existem momentos mais apropriados na vida e na comunhão dos crentes.

"2) A distinção entre ceia sacramentalista e ceia não sacramentalista (note que aqui, como na celebração da FTL-B, o compartilhar a vida e a ceia estão separados);"

Como já foi apontado, essa separação não ficou clara para todos, e a culpa disso é de vocês. Além disso, o ministrante deixou claro que só não consagraria os elementos para não chocar ninguém, não por ver algum problema nisso. Finalmente, a distinção apontada é irrelevante. Do fato (supondo que fosse um fato) de que a Ceia do Senhor não é sacramento não se segue que qualquer um pode inventar paródias com os elementos e significados que quiser. É esse salto lógico que você precisaria defender melhor.

"3) A opção, que era dos autores do Novo Testamento, da Escola de Antioquia e também dos Reformadores, de ler a Bíblia tendo Jesus como chave hermenêutica."

André disse...

Os autores do Novo Testamento eram inspirados pelo Espírito Santo, enquanto a Escola de Antioquia e os reformadores usavam o método gramático-histórico de interpretação da Bíblia, e não apenas um vago "Jesus como chave hermenêutica". Nenhum dos dois grupos apoiaria as inovações que vocês introduziram no culto. Seu argumento talvez valha alguma coisa depois que você me explicar como é que "Jesus como chave hermenêutica" autoriza o uso de limões e doces no culto. Pelo que vi até o momento, seu "Jesus como chave hermenêutica" é distinto de (ou mesmo oposto a) "Jesus como centro do culto". É isso que a nós parece sinal claro de uma espiritualidade esquizofrênica, e é essa a questão sobre a qual você deveria ter argumentado.

"De tudo que eu disse, isso é que era importante. Infelizmente, você se concentrou na periferia e perdeu o centro."

Sobre a questão da periferia eu já discorri acima. Resta apenas reforçar que, em matéria de rigor e profundidade, suas respostas não fazem justiça às análises da Norma. Sua pretensão de estar respondendo às críticas dela é, portanto, descabida. E é por isso mesmo que não me estendo por aqui em análises mais profundas. Eu estaria chovendo em um molhado que você ainda não conseguiu enxugar.

"Segundo, eu não sei o que você deseja quando pede que eu faça um comentário específico. Talvez seja uma descrição, mais detalhada, do que aconteceu naquele culto. Se for isso, o farei."

A rigor, eu não lhe pedi nada. Apenas indiquei que você não fez e que deveria ter feito sem que ninguém o pedisse. Não precisava ser uma "descrição mais detalhada". Era só dizer com clareza em que ponto(s) a Norma se equivocou na descrição dos fatos - coisa que você afirmou de maneira apenas vaga, como convinha a uma estratégia de desconversa.

"Antes da ceia, houve uma dinâmica para que as pessoas compartilhassem seus motivos de oração. Motivos referentes à tristeza (com alusões às ervas do Antigo Testamento, representadas pelo limão), e motivos referentes à alegria (com alusões à maça com mel das tradições judaicas, representadas pelo doce)."

E, uma vez mais, você não explicou onde é que a descrição da Norma (ou, melhor dizendo, do Alex Fajardo) estava equivocada.

"Já o momento da ceia, propriamente dito (mantendo os elementos do pão e do vinho), foi todo centrado na cruz de Cristo (ela não ficou em segundo plano). Isso fez-se notar pelas palavras, pelas músicas e pelas orações."

Interessante: esse "já" sugere uma oposição. Percebendo-o ou não, você está admitindo que a "dinâmica" anterior não foi centrada na cruz de Cristo, embora tenha ocorrido dentro do culto. Ora, é isso mesmo o que a Norma vinha denunciando desde o princípio.

"Logo, o que vi na luz, descrevo na luz, sem obscuridade."

A obscuridade, que estava na sua descrição até eu publicar o post, agora mudou de lugar e está na sua tentativa de ignorar que havia acusado a Norma de ter apreendido mal os fatos.

"Terceiro, eu não disse que tenho autoridade suprema como testemunha ocular. Você o disse."

Eu não disse que você o disse. Você não poderia tê-lo dito, porque, nesse caso, o absurdo da declaração ficaria patente. O que você fez foi pressupor isso tacitamente, sem o que a tremenda ênfase que você colocou sobre sua condição de testemunha ocular não teria efeito retórico algum.

"O que eu disse foi que estava lá, que vi o que aconteceu e que não estava escrevendo com base no testemunho de outros que estiveram lá. Apenas isso."

Você não teria perdido tempo dizendo isso se não achasse que isso lhe daria alguma vantagem na discussão.

"Quem estava lá é testemunha do mesmo fato, embora possa descreve-lo [sic] de forma diferente. Essas descrições podem ser imprecisas (até a minha). O que eu tentei fazer foi precisar essas imprecisões."

André disse...

Você não tentou isso em momento algum. Apenas sugeriu a existência de imprecisões no relato de Fajardo, sem dizer quais são e sem dar sua própria descrição dos fatos. No lugar desta, você deu uma interpretação teológica. Além do mais, sua tão alardeada condição de testemunha ocular não combina bem com a admissão de que sua própria descrição poderia ser imprecisa. Aqui, mais uma vez, você procura ignorar o efeito retórico pretendido inicialmente.

"Quarto, como ficou claro, não houve inovação nenhuma e, consequentemente, nenhuma confusão na mente dos fiéis que ali estavam. Você pode ficar tranquilo quanto a isso."

Não ficarei, por quatro razões. 1. Fazer paródias da Ceia do Senhor com elementos e significados inventados pelo próprio oficiante é, sim, uma inovação, e nada do que você disse prova o contrário. 2. Você não tem acesso à mente de todos os fiéis que ali estavam, e portanto não pode dar garantias do que está garantindo. 3. Como já apontei, o próprio comentário do Alex Fajardo dá claras demonstrações dessa confusão que você garante que jamais aconteceu. E 4. você já deu claras mostras de que sua própria mente não é suficientemente isenta de confusão para que você mereça crédito quando pontifica sobre a confusão alheia.

"Quinto, não cometi nenhuma contradição. Você é que não leu as minhas palavras à luz do contexto. '(...) não sei por que razão (...)', está no contexto da minha tentativa de postar no blog. 'Ela não o fez porque (...)' está no contexto de copiar e colar o comentário que fiz no perfil do Guilherme de Carvalho no Facebook. Isso é apenas uma questão hermenêutica. Talvez, por seu desejo de concentrar-se em detalhes (e, por vezes, sem importância) você tenha perdido o todo do que disse."

Na verdade, essa distinção que você apontou não foi citada por mim no texto justamente porque eu não queria me delongar analisando detalhes sem importância. Você criticou a Norma por não ter publicado seu comentário (pois tinha uma certeza sobrenatural de que ela o recebeu) e também por não copiar e colar espontaneamente do Facebook esse mesmo comentário (cuja autoria você não havia admitido até então). Porém, mesmo supondo que suas duas reclamações tivessem fundamento, resta a pergunta: se o comentário em questão é o mesmo em ambos os casos, como é que as motivações da Norma para não publicá-lo poderiam ser diferentes - tão diferentes que você saberia identificar uma delas e não a outra? Isso não faz o menor sentido, e eu não tive o trabalho explicar tal obviedade porque isso seria um insulto à inteligência dos leitores. Você se contradisse, e sua tentativa de negar isso é ainda mais risível que a própria contradição. E a situação se torna pior ainda quando você diz que eu é que me apego demais a detalhes. Talvez, por seu desejo de concentrar-se em detalhes (e, por vezes, sem importância) você tenha perdido o todo do que você mesmo disse.

"Esclarecido esse ponto, fica claro também que não chamei a Norma de mentirosa, como você, erroneamente, interpretou."

O ponto acima não tem nada a ver com sua acusação de que a Norma mentiu ao dizer que não recebeu seu comentário. Com essa acusação velada eu lidei no parágrafo seguinte ao que você cita. E tratei das duas questões em dois parágrafos separados justamente porque não têm nenhuma relação entre si. Você está tentando confundir os dois assuntos para não assumir as implicações do que disse. E isso só piora sua situação, na medida em que você perde a oportunidade de dizer onde está meu erro de interpretação - exatamente como fez com o post original da Norma.

André disse...

"Sexto, você me acusa de ser tolerante e pluralista. Enquanto o inegociável do Evangelho não é tocado, sou tolerante sim. Agora, pluralista, jamais. A prova disso está no próprio comentário que fiz, na parte central, onde você não se concentrou. No contexto onde questionei o que é ortodoxia, afirmei meu absoluto: Jesus. Vou copiar e colar o que eu disse para você e para os seus leitores: 'O que não ficou claro para mim até agora é o que é ortodoxia. Seria presbiterianismo? Batistismo? Ou algum outro ismo? Para mim, ortodoxo é o que foi encarnado por Jesus de Nazaré, que é o verbo de Deus que se fez carne. Tudo que Deus queria dizer de si mesmo, foi dito e encarnado por ele. Só ele é a Verdade absoluta.' Note que escrevi: Verdade absoluta. Isso não cai bem a um pluralista, cai?"

Depende do seu grau de pluralismo, sobre o qual nada afirmei. Conheço pluralistas que endossariam tudo o que você disse. Pluralismo não é o mesmo que relativismo. E, além do mais, eu não acusei você de ser tolerante e pluralista, e sim de manter uma pose de tolerante e pluralista, o que é totalmente diferente.

"Sétimo, você disse que, em meu comentário, fiz piadinhas bestas. Isso não é verdade e você sabe muito bem."

Dizer algo que se sabe não ser verdade é sinônimo de mentir. Note que você está, portanto, me chamando de mentiroso também.

"Você pode até discordar do que disse, mas dizer que o que eu disse são piadas bestas é uma ofensa."

Eu não afirmei que você só fez piadas bestas. Eu afirmei: "Xavier disse mais algumas coisas, que consistem sobretudo de piadinhas bestas e comentários dirigidos a outras pessoas, e que não vale a pena analisar aqui." Note que eu enquadrei o que você disse em duas categorias de coisas ("piadinhas bestas e comentários dirigidos a outras pessoas"), e também que eu deixei claro, mediante o uso da palavra "sobretudo", que essas duas categorias não descrevem tudo o que você disse. Portanto, não há aí nada que você possa aproveitar para fazer o papel de vítima. De qualquer modo, a fim de evitar qualquer mal-entendido, direi exatamente a que me referi como "piadinhas bestas". Primeiro, sua despedida do Guilherme: "Abraço, amigão (agora não falei camarada, viu? Não seria 'ortodoxo')." Mas, antes disso, a própria frase que você transcreveu: "O que não ficou claro para mim até agora é o que é ortodoxia. Seria presbiterianismo? Batistismo? Ou algum outro ismo?" Achei que você estava fazendo uma piada, pois julguei inconcebível que você não conhecesse os critérios de ortodoxia bíblica defendidos pelos conservadores. Mas, se você estava falando sério, tanto pior.

"Cara, honestamente, não pretendo levar isso adiante. Eu não iria escrever mais sobre isso, como disse no comentário. Só o fiz porque fui citado. Oro e espero que tudo tenha tornado-se claro."

Espero que você não leve mesmo isso adiante, porque me é muito desagradável a tarefa de demonstrar a desonestidade presente no texto de um irmão, sobretudo quando se trata de um pastor. À parte disso, acho que você faz bem em não levar isso adiante, já que você não tem se mostrado capaz de manter nenhum diálogo sério e honesto. Por outro lado, as coisas ficam cada vez mais claras cada vez que você se pronuncia. No caso presente, como no anterior, isso se mostra tanto no que você comentou quanto no que preferiu ignorar do conteúdo do meu post. Tudo está claro, de fato, mas até agora você não extraiu nenhum proveito disso. Tomara que isso mude, e que você possa se arrepender de fato.

Sinceramente,
André.