Até aqui, creio que dei especial atenção a esse tipo que chamei de "ateu mais comum": o cientificista, que tende sobretudo ao racionalismo e ao determinismo. Mas existe também o ateu que tende ao irracionalismo, ao caos, ao subjetivismo; esse tipo é especialmente abundante em certos círculos das ciências humanas, em geral com matizes nietzscheanos, existencialistas e relativistas. Não é o tipo com que tenho mais familiaridade, devido ao meu temperamento natural e à minha formação na área de ciências exatas. Apesar disso, creio que devo dizer algo a respeito, pois algum desavisado poderá objetar que o que tenho afirmado sobre o ateísmo "mais comum" não se aplica a esse caso. Muitos ateus desse segundo tipo gostam de ver a si mesmos do modo precisamente oposto, isto é, como humanistas radicais que, em oposição tanto à "religião" quanto ao racionalismo de raiz iluminista, valorizam a pessoa humana e salvaguardam o terreno da pessoalidade e da subjetividade contra seus invasores. Jean-Paul Sartre é um exemplo perfeito dessa tendência, como se nota em seu texto O existencialismo é um humanismo. Desconsiderarei aqui as discussões no terreno da ontologia. O que me interessa no momento é demonstrar que também ele, quando aborda a questão de Deus, contradiz seus próprios princípios. Vejamos, por exemplo, o seguinte trecho, em que ele defende a inexistência de sinais divinos capazes de orientar as decisões de um ser humano:
"Nenhuma moral geral poderá indicar-lhe o caminho a seguir; não existem sinais no mundo. Os católicos arguirão: sim, existem sinais. Admitamos que sim; de qualquer modo, ainda sou eu mesmo que escolho o significado que têm. Quando estive preso, conheci um homem assaz notável, que era jesuíta, havia ingressado na ordem dos jesuítas da seguinte forma: tinha experimentado uma série de dolorosos fracassos; ainda criança, seu pai morrera deixando-o pobre; entrou como bolsista numa instituição religiosa onde faziam questão de lembrar-lhe a todo instante que ele era aceito por caridade; em seguida, perdera diversas distinções honoríficas que tanto agradam às crianças; mais tarde, por volta dos dezoito anos, fracassou numa aventura sentimental; finalmente, aos vinte e dois anos, falhou em sua preparação militar, fato bastante pueril que, no entanto, constituiu a gota que fez transbordar o jarro. Esse jovem podia, portanto, considerar que fracassara em tudo; era um sinal, mas um sinal de quê? Poderia refugiar-se na amargura ou no desespero. Porém, muito habilmente para si próprio, considerou que seus insucessos eram um sinal de que ele não nascera para os triunfos seculares, e que só os triunfos da religião, da santidade, da fé, estavam ao seu alcance. Viu, portanto, nesse sinal, a vontade de Deus e ingressou na Ordem. Quem poderia deixar de perceber que a decisão sobre o significado do sinal foi tomada por ele e só por ele? Seria possível deduzir outra coisa dessa série de insucessos: por exemplo, que seria melhor se ele fosse carpinteiro ou revolucionário. Ele carrega, portanto, a total responsabilidade da decifração. O desamparo implica que somos nós mesmos que escolhemos o nosso ser."
É assim que a avaliação de Sartre sobre o caso do jesuíta descarta sumariamente a possibilidade de o jovem ter de fato apreendido um sinal divino e sido obediente a ele, em vez de "decidir" de modo autônomo o que os fatos de sua vida significavam. Mas qual é o fundamento dessa conclusão? Apenas esta: Sartre não vê motivo pelo qual, falando em termos objetivos, o jovem não poderia ter virado carpinteiro ou revolucionário com base nos mesmos dados. Aqui, portanto, o grande defensor da subjetividade humana passa a exigir objetividade como requisito para crer na possibilidade de Deus mandar sinais a suas criaturas. Tal exigência é baseada na rejeição da personalidade, na medida em que recusa justamente aquilo que só ela pode oferecer: relações entre pessoas. Se, nesse ponto, Sartre tivesse levado em consideração a natureza das relações pessoais, teria visto como nada menos que natural que Deus manifeste sua vontade a um jovem por meio de sinais não discerníveis pelo próprio Sartre, pelo simples motivo de que não foram dirigidos a ele e não dizem respeito à sua vida.
Tentarei ilustrar isso com um exemplo. Um homem chega em casa cansado depois de um dia extenuante de trabalho. Ele sabe que sua esposa não está em casa, pois ela tinha uma viagem programada para aquele dia desde várias semanas antes. No entanto, ela deixou na geladeira um bolo de laranja, feito por ela mesma. O homem se comove ao ver o bolo: "É uma manifestação do amor de minha esposa por mim", pensa ele. Ele tem razões para pensar assim: ele adora laranja, mas ela detesta, de modo que o bolo foi feito apenas para agradá-lo; ela precisava resolver uma porção de problemas antes de viajar, e em um curto intervalo de tempo, de modo que provavelmente acordou mais cedo para isso; ela não gosta muito de cozinhar, de modo que o bolo não foi feito sem esforço; não havia em casa todos os ingredientes, e alguns não podem ser encontrados à venda nas proximidades; e ela não estava muito bem de saúde naqueles dias, o que aumenta a dose de esforço necessária para produzir aquela simples surpresa. Não é que o marido gaste tempo enumerando todos esses fatos e analisando-os para então concluir, silogisticamente: "portanto, ela me ama". Essa percepção vem num simples relance, e se enraiza no amor e na confiança mútuos que o casal vem se esforçando para cultivar nos últimos anos.
Mas Sartre não sabe de nada disso: não conhece a esposa, nem o marido, e tampouco os fatos mencionados no parágrafo anterior, e por isso não é capaz de discernir o sentido que aquele fato isolado possui na vida do casal. Se pudesse observar a cena e ler os pensamentos do marido, pensaria: "Ele é um tolo. O bolo pode ter sido comprado pronto em algum lugar, ou então ela pode tê-lo feito apenas para aplacar sua ira por algum deslize cometido. Não vejo base para ele concluir que é amado. Ele simplesmente decidiu interpretar a situação dessa forma, sem fundamento objetivo algum. Não existem sinais. Um bolo é apenas um bolo." Assim, a ignorância de Sartre sobre a subjetividade (ou intersubjetividade) alheia se constitui na autoridade com base na qual ele pontifica sobre a natureza de sinais que, em absoluto, não lhe dizem respeito.
Analogamente, Sartre só pode estabelecer sua subjetividade como poder legislador autônomo em relação a Deus impondo-a como norma objetiva acima da subjetividade alheia. Como nos casos anteriores, há uma contradição flagrante em prol da impessoalidade, só explicável pelo desejo de manter afastado o Deus pessoal do cristianismo. Essa atitude é semelhante à que descrevi no post anterior, a do ateu diante das não-regularidades do mundo criado. Quando o ônibus cai na ribanceira e mata quarenta passageiros, deixando apenas um sobrevivente, o ateu pergunta, em tom de desafio: "Por que Deus não trata todos de modo igual? Por que não matou todos, ou salvou todos, ou salvou apenas os melhores?" Ora, é mais que evidente que, para responder a essa pergunta, seria necessário conhecer os modos pelos quais Deus se relacionou com cada um dos envolvidos no acidente. O homem que diz "Se não vejo sentido nisso, não há sentido nisso", além de atribuir a si mesmo uma onisciência claramente fajuta, está ignorando, uma vez mais, que Deus é pessoal, de modo que tudo o que ele faz na vida de suas criaturas humanas é parte de um relacionamento pessoal - seja para salvação ou para condenação.
Assim, o ateísmo está necessariamente ligado a uma recusa fundamental da personalidade, pouco importando se é um ateísmo racionalista e determinista, interessado sobretudo nas regularidades e na objetividade, ou um ateísmo irracionalista, subjetivista, fiel sobretudo ao caos e à anarquia. Todos, por todos os modos, recusam-se a admitir a soberania do Deus pessoal das Escrituras, seja negando-lhe o direito de legislar sobre o mundo e impor padrões regulares à sua criação, seja negando-lhe o direito de se relacionar de modo pessoal com suas criaturas humanas e produzir na vida de cada um sentidos que escapam à visão "objetiva" dos demais - ou, dizendo isso de outro modo, recusando-lhe o direito de agir de diferentes modos com diferentes pessoas tendo em vista diferentes propósitos.
Com isso, dou por justificada e explicada, ainda que de modo apenas esboçado, o que posso considerar uma manifestação onipresente do problema fundamental do ateísmo. Mas não posso encerrar o presente texto sem um comentário sobre uma questão de natureza mais prática: como nós, que nos relacionamos pessoalmente com o Deus tripessoal, podemos desafiar o ateu em sua decisão fundamental, demovendo-o de sua insistência dogmática em tratar com Deus de modo abstrato, distante, "científico" - impessoal, enfim? Além de denunciar esse dogmatismo como irracional e gratuito, penso que devemos apontar para o modo como a doutrina cristã faz plena justiça às implicações da personalidade de Deus, revelada nas Escrituras e em toda a criação. Devemos mostrar ao ateu que seus questionamentos não fazem sentido à parte de uma tentativa persistente de despersonalizar o Criador.
Antes de tudo, convém reconhecer que nosso relacionamento pessoal com Deus não nos capacita a responder a todas as perguntas sobre seus desígnios. E é natural que seja assim, pois isso ocorre até em relações humanas, que se dão entre duas pessoas de mesmo nível ontológico, moral e intelectual. Não obstante, o ateu quer saber por que Deus fez o mundo com certas regularidades e não outras. E quer saber também por que Deus trata certas pessoas de um jeito e outras de outro. Que lhe diremos?
Ilustrarei isso com uma breve parábola dupla. Um homem passa de carro em frente à minha casa pontualmente às 9h nos dias ímpares e às 10h nos dias pares. O vizinho se volta para mim e pergunta: por que ele segue essa regularidade de modo tão estrito? Outro homem um dia me surpreende na rua, saca um revólver, sorri para mim, obriga-me a aceitar um monte de dinheiro. Depois dá um soco em um outro transeunte, e em seguida se rende à polícia, que se aproxima. Quando conto essa história ao mesmo vizinho, ele pergunta: por que aquele sujeito agiu de modo tão estranho? A resposta a ambas as questões é a mesma: "Não sei; não conheço os protagonistas dessas ações. A única possibilidade de entendê-los é conhecendo-os, relacionando-se pessoalmente com eles. Assim, ao menos algumas coisas deverão ficar claras." Aplicada a Deus, a resposta é a mesma: quem quiser entender a mente do Criador deve se relacionar com ele nos termos que ele estabeleceu de modo soberano. Só assim a arrogante presunção humana pode ser evitada.
Darei dois exemplos do que chamo de "arrogante presunção". Certa vez tive uma conversa com um colega para quem não poderia existir punição eterna para os ímpios, pois "Deus não faria uma coisa dessas". Um outro, com base em um argumento semelhante, negava a possibilidade da ocorrência de milagres. Contudo, nenhum dos dois afirmava ter algum tipo de conhecimento pessoal de Deus; e um deles, para suprema ironia da situação, defendia ser impossível saber se Deus existe ou não. Tem-se, então, essa situação tragicômica: pessoas que não têm qualquer conhecimento direto da personalidade de Deus, de seu caráter e de suas "opiniões", e que nem sabem se ele existe, julgam saber, não obstante, exatamente o que ele faria ou não. É como se eu, lendo no jornal que um milionário entregou todos os seus bens aos pobres, dissesse: "Isso é mentira; esse homem jamais faria isso". Quem me ouvisse provavelmente perguntaria: "Por que diz isso? Você o conhece? O que sabe sobre ele?" E eu responderia: "Nunca ouvi falar; não sei nem se esse homem existe mesmo. Mas tenho certeza de que ele não faria isso." Qualquer um me consideraria insensato por ser tão categórico. Mas muitos fazem isso com Deus, e se acham mais sábios que os demais por isso.
Isso nos mostra que só podemos fazer justiça ao conceito de "revelação" se enfatizarmos o caráter pessoal do Deus que se revela. Mas mostra também que é possível falar sobre Deus de modo pessoal e ao mesmo tempo tratá-lo como um princípio impessoal, como se faz usualmente com pessoas que se quer manter à distância.
A resposta de Deus é, porém, sempre pessoal, um autêntico ad hominem. O ateu não gosta dessa resposta, pois ela leva ao coração do Evangelho, desafiando sua pretensão de julgar com autonomia como Deus age (e se existe) analisando tudo friamente, a uma distância "segura". No momento em que se livrar dessa tola e triste presunção e se dispuser a "vir e ver", como sugeriu Filipe (João 1.46), então estará a um passo da salvação. Pois o "vem e vê" do então futuro apóstolo foi dirigido a uma pessoa humana a propósito de uma outra pessoa, ao mesmo tempo humana e divina. O que o Evangelho oferece aos homens não pode ser em nada inferior a uma relação pessoal.
"Nenhuma moral geral poderá indicar-lhe o caminho a seguir; não existem sinais no mundo. Os católicos arguirão: sim, existem sinais. Admitamos que sim; de qualquer modo, ainda sou eu mesmo que escolho o significado que têm. Quando estive preso, conheci um homem assaz notável, que era jesuíta, havia ingressado na ordem dos jesuítas da seguinte forma: tinha experimentado uma série de dolorosos fracassos; ainda criança, seu pai morrera deixando-o pobre; entrou como bolsista numa instituição religiosa onde faziam questão de lembrar-lhe a todo instante que ele era aceito por caridade; em seguida, perdera diversas distinções honoríficas que tanto agradam às crianças; mais tarde, por volta dos dezoito anos, fracassou numa aventura sentimental; finalmente, aos vinte e dois anos, falhou em sua preparação militar, fato bastante pueril que, no entanto, constituiu a gota que fez transbordar o jarro. Esse jovem podia, portanto, considerar que fracassara em tudo; era um sinal, mas um sinal de quê? Poderia refugiar-se na amargura ou no desespero. Porém, muito habilmente para si próprio, considerou que seus insucessos eram um sinal de que ele não nascera para os triunfos seculares, e que só os triunfos da religião, da santidade, da fé, estavam ao seu alcance. Viu, portanto, nesse sinal, a vontade de Deus e ingressou na Ordem. Quem poderia deixar de perceber que a decisão sobre o significado do sinal foi tomada por ele e só por ele? Seria possível deduzir outra coisa dessa série de insucessos: por exemplo, que seria melhor se ele fosse carpinteiro ou revolucionário. Ele carrega, portanto, a total responsabilidade da decifração. O desamparo implica que somos nós mesmos que escolhemos o nosso ser."
É assim que a avaliação de Sartre sobre o caso do jesuíta descarta sumariamente a possibilidade de o jovem ter de fato apreendido um sinal divino e sido obediente a ele, em vez de "decidir" de modo autônomo o que os fatos de sua vida significavam. Mas qual é o fundamento dessa conclusão? Apenas esta: Sartre não vê motivo pelo qual, falando em termos objetivos, o jovem não poderia ter virado carpinteiro ou revolucionário com base nos mesmos dados. Aqui, portanto, o grande defensor da subjetividade humana passa a exigir objetividade como requisito para crer na possibilidade de Deus mandar sinais a suas criaturas. Tal exigência é baseada na rejeição da personalidade, na medida em que recusa justamente aquilo que só ela pode oferecer: relações entre pessoas. Se, nesse ponto, Sartre tivesse levado em consideração a natureza das relações pessoais, teria visto como nada menos que natural que Deus manifeste sua vontade a um jovem por meio de sinais não discerníveis pelo próprio Sartre, pelo simples motivo de que não foram dirigidos a ele e não dizem respeito à sua vida.
Tentarei ilustrar isso com um exemplo. Um homem chega em casa cansado depois de um dia extenuante de trabalho. Ele sabe que sua esposa não está em casa, pois ela tinha uma viagem programada para aquele dia desde várias semanas antes. No entanto, ela deixou na geladeira um bolo de laranja, feito por ela mesma. O homem se comove ao ver o bolo: "É uma manifestação do amor de minha esposa por mim", pensa ele. Ele tem razões para pensar assim: ele adora laranja, mas ela detesta, de modo que o bolo foi feito apenas para agradá-lo; ela precisava resolver uma porção de problemas antes de viajar, e em um curto intervalo de tempo, de modo que provavelmente acordou mais cedo para isso; ela não gosta muito de cozinhar, de modo que o bolo não foi feito sem esforço; não havia em casa todos os ingredientes, e alguns não podem ser encontrados à venda nas proximidades; e ela não estava muito bem de saúde naqueles dias, o que aumenta a dose de esforço necessária para produzir aquela simples surpresa. Não é que o marido gaste tempo enumerando todos esses fatos e analisando-os para então concluir, silogisticamente: "portanto, ela me ama". Essa percepção vem num simples relance, e se enraiza no amor e na confiança mútuos que o casal vem se esforçando para cultivar nos últimos anos.
Mas Sartre não sabe de nada disso: não conhece a esposa, nem o marido, e tampouco os fatos mencionados no parágrafo anterior, e por isso não é capaz de discernir o sentido que aquele fato isolado possui na vida do casal. Se pudesse observar a cena e ler os pensamentos do marido, pensaria: "Ele é um tolo. O bolo pode ter sido comprado pronto em algum lugar, ou então ela pode tê-lo feito apenas para aplacar sua ira por algum deslize cometido. Não vejo base para ele concluir que é amado. Ele simplesmente decidiu interpretar a situação dessa forma, sem fundamento objetivo algum. Não existem sinais. Um bolo é apenas um bolo." Assim, a ignorância de Sartre sobre a subjetividade (ou intersubjetividade) alheia se constitui na autoridade com base na qual ele pontifica sobre a natureza de sinais que, em absoluto, não lhe dizem respeito.
Analogamente, Sartre só pode estabelecer sua subjetividade como poder legislador autônomo em relação a Deus impondo-a como norma objetiva acima da subjetividade alheia. Como nos casos anteriores, há uma contradição flagrante em prol da impessoalidade, só explicável pelo desejo de manter afastado o Deus pessoal do cristianismo. Essa atitude é semelhante à que descrevi no post anterior, a do ateu diante das não-regularidades do mundo criado. Quando o ônibus cai na ribanceira e mata quarenta passageiros, deixando apenas um sobrevivente, o ateu pergunta, em tom de desafio: "Por que Deus não trata todos de modo igual? Por que não matou todos, ou salvou todos, ou salvou apenas os melhores?" Ora, é mais que evidente que, para responder a essa pergunta, seria necessário conhecer os modos pelos quais Deus se relacionou com cada um dos envolvidos no acidente. O homem que diz "Se não vejo sentido nisso, não há sentido nisso", além de atribuir a si mesmo uma onisciência claramente fajuta, está ignorando, uma vez mais, que Deus é pessoal, de modo que tudo o que ele faz na vida de suas criaturas humanas é parte de um relacionamento pessoal - seja para salvação ou para condenação.
Assim, o ateísmo está necessariamente ligado a uma recusa fundamental da personalidade, pouco importando se é um ateísmo racionalista e determinista, interessado sobretudo nas regularidades e na objetividade, ou um ateísmo irracionalista, subjetivista, fiel sobretudo ao caos e à anarquia. Todos, por todos os modos, recusam-se a admitir a soberania do Deus pessoal das Escrituras, seja negando-lhe o direito de legislar sobre o mundo e impor padrões regulares à sua criação, seja negando-lhe o direito de se relacionar de modo pessoal com suas criaturas humanas e produzir na vida de cada um sentidos que escapam à visão "objetiva" dos demais - ou, dizendo isso de outro modo, recusando-lhe o direito de agir de diferentes modos com diferentes pessoas tendo em vista diferentes propósitos.
Com isso, dou por justificada e explicada, ainda que de modo apenas esboçado, o que posso considerar uma manifestação onipresente do problema fundamental do ateísmo. Mas não posso encerrar o presente texto sem um comentário sobre uma questão de natureza mais prática: como nós, que nos relacionamos pessoalmente com o Deus tripessoal, podemos desafiar o ateu em sua decisão fundamental, demovendo-o de sua insistência dogmática em tratar com Deus de modo abstrato, distante, "científico" - impessoal, enfim? Além de denunciar esse dogmatismo como irracional e gratuito, penso que devemos apontar para o modo como a doutrina cristã faz plena justiça às implicações da personalidade de Deus, revelada nas Escrituras e em toda a criação. Devemos mostrar ao ateu que seus questionamentos não fazem sentido à parte de uma tentativa persistente de despersonalizar o Criador.
Antes de tudo, convém reconhecer que nosso relacionamento pessoal com Deus não nos capacita a responder a todas as perguntas sobre seus desígnios. E é natural que seja assim, pois isso ocorre até em relações humanas, que se dão entre duas pessoas de mesmo nível ontológico, moral e intelectual. Não obstante, o ateu quer saber por que Deus fez o mundo com certas regularidades e não outras. E quer saber também por que Deus trata certas pessoas de um jeito e outras de outro. Que lhe diremos?
Ilustrarei isso com uma breve parábola dupla. Um homem passa de carro em frente à minha casa pontualmente às 9h nos dias ímpares e às 10h nos dias pares. O vizinho se volta para mim e pergunta: por que ele segue essa regularidade de modo tão estrito? Outro homem um dia me surpreende na rua, saca um revólver, sorri para mim, obriga-me a aceitar um monte de dinheiro. Depois dá um soco em um outro transeunte, e em seguida se rende à polícia, que se aproxima. Quando conto essa história ao mesmo vizinho, ele pergunta: por que aquele sujeito agiu de modo tão estranho? A resposta a ambas as questões é a mesma: "Não sei; não conheço os protagonistas dessas ações. A única possibilidade de entendê-los é conhecendo-os, relacionando-se pessoalmente com eles. Assim, ao menos algumas coisas deverão ficar claras." Aplicada a Deus, a resposta é a mesma: quem quiser entender a mente do Criador deve se relacionar com ele nos termos que ele estabeleceu de modo soberano. Só assim a arrogante presunção humana pode ser evitada.
Darei dois exemplos do que chamo de "arrogante presunção". Certa vez tive uma conversa com um colega para quem não poderia existir punição eterna para os ímpios, pois "Deus não faria uma coisa dessas". Um outro, com base em um argumento semelhante, negava a possibilidade da ocorrência de milagres. Contudo, nenhum dos dois afirmava ter algum tipo de conhecimento pessoal de Deus; e um deles, para suprema ironia da situação, defendia ser impossível saber se Deus existe ou não. Tem-se, então, essa situação tragicômica: pessoas que não têm qualquer conhecimento direto da personalidade de Deus, de seu caráter e de suas "opiniões", e que nem sabem se ele existe, julgam saber, não obstante, exatamente o que ele faria ou não. É como se eu, lendo no jornal que um milionário entregou todos os seus bens aos pobres, dissesse: "Isso é mentira; esse homem jamais faria isso". Quem me ouvisse provavelmente perguntaria: "Por que diz isso? Você o conhece? O que sabe sobre ele?" E eu responderia: "Nunca ouvi falar; não sei nem se esse homem existe mesmo. Mas tenho certeza de que ele não faria isso." Qualquer um me consideraria insensato por ser tão categórico. Mas muitos fazem isso com Deus, e se acham mais sábios que os demais por isso.
Isso nos mostra que só podemos fazer justiça ao conceito de "revelação" se enfatizarmos o caráter pessoal do Deus que se revela. Mas mostra também que é possível falar sobre Deus de modo pessoal e ao mesmo tempo tratá-lo como um princípio impessoal, como se faz usualmente com pessoas que se quer manter à distância.
A resposta de Deus é, porém, sempre pessoal, um autêntico ad hominem. O ateu não gosta dessa resposta, pois ela leva ao coração do Evangelho, desafiando sua pretensão de julgar com autonomia como Deus age (e se existe) analisando tudo friamente, a uma distância "segura". No momento em que se livrar dessa tola e triste presunção e se dispuser a "vir e ver", como sugeriu Filipe (João 1.46), então estará a um passo da salvação. Pois o "vem e vê" do então futuro apóstolo foi dirigido a uma pessoa humana a propósito de uma outra pessoa, ao mesmo tempo humana e divina. O que o Evangelho oferece aos homens não pode ser em nada inferior a uma relação pessoal.
Um comentário:
Excelente!
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