Na penúltima postagem da presente série fiz uma descrição da metodologia secularista de investigação da moral que David O. Brink propõe na seção Variedades de naturalismo de seu artigo A autonomia da ética. E na última, indo do geral para o específico, descrevi e critiquei separadamente as três abordagens seculares que o autor apresenta ali. É importante não ser injusto com o Dr. Brink. Depois de expor as três alternativas, ele deixa claro em [9.2] que "O nosso compromisso com a autonomia da ética exige apenas que algumas delas pareçam intelectualmente promissoras". Ele tem razão. Pode-se optar por apenas uma das três, ou mesmo por alguma outra versão não citada do naturalismo ético. Contudo, é razoável supor que, se Brink citou especificamente essas três, deve ser porque as considera mais promissoras que outras possíveis candidatas. E o que tentei fazer na postagem anterior foi justamente mostrar que nenhuma delas é de fato promissora. Lembremos que a pergunta fundamental da seção, enunciada em [6.2], é: "Mas em que consistem as exigências ou qualidades morais se não consistem na atitude ou vontade de Deus?" Guiado por essa questão, em [6.3] ele afirmou: "É relevante para a nossa investigação sobre se a moralidade exige uma fundação religiosa na medida em que a plausibilidade da autonomia da ética depende de haver algumas explicações promissoras do que são as exigências e distinções morais." Nesse caso, formalmente falando, todo o seu esforço é nada mais que um reductio ad absurdum, ou seja, seu fracasso leva necessariamente à conclusão oposta da que pretendia provar.
Dito isso, encerrarei meus comentários a essa seção voltando do específico para o geral, a começar por duas breves observações sobre os esforços de Brink e suas consequências. Ambas são aplicações diretas de ideias levantadas e discutidas por dois pensadores cristãos do século XX.
O primeiro é Francis Schaeffer. No livreto A igreja do final do século XX há um trecho curioso em que ele enuncia as "únicas três possibilidades" de uma moral social sem Deus. A pergunta que Schaeffer busca responder é basicamente a mesma que Brink enuncia nesta seção, mas com foco sociológico e político em vez de epistemológico. A primeira das três opções é o que ele chama de "hedonismo": a consciência individual é absoluta, e toda coerção social ou política é moralmente errada. A máxima "é proibido proibir" resume bem essa opção, inclusive em sua autocontradição flagrante. A segunda é a "ditadura dos 51 por cento", pela qual a verdade moral é a convenção apoiada pela maioria, à qual os restantes têm o dever de se sujeitar. A única imoralidade seria, então, fazer algo que a maioria não deseja que seja feito. E a terceira opção é o "totalitarismo", pelo qual decidirá o certo e o errado quem tiver poder político para impor sua vontade; ser imoral, nesse caso, é sinônimo de contrariar quem porventura estiver no poder. Essas são as únicas opções humanistas possíveis; são mutuamente incompatíveis, de modo que mesmo uma tentativa de combinar duas delas, ou as três, terá de hierarquizá-las e escolher uma delas como fundamental. Mas a moralidade, como já defendi na quinta parte, é necessariamente pessoal. Uma vez que Deus tenha sido retirado da conversa, o único legislador possível é o próprio homem, seja o indivíduo ou a coletividade, exercendo sua função diretamente ou por delegação. As opções epistemológicas aventadas por Brink (vantagem mútua, imparcialidade e responsabilidade) são todas abstratas o bastante para serem incapazes de escapar a esse "trilema" no plano prático - assim como no teórico, como já mostrei. É necessária uma teoria moral que torna imorais simultaneamente o egoísmo individual, a opressão das minorias e a dos que não têm poder político. Nenhuma das três abordagens de Brink oferece isso.
O segundo intelectual cristão é o já citado C. S. Lewis. Em Cristianismo puro e simples há um capítulo chamado As três partes da moralidade (esta discussão está cheia de tríades!) em que ele ilustra nossa relação com a moral mediante uma analogia com uma frota de embarcações. As três dimensões da moral seriam análogas, respectivamente, ao bom funcionamento interno de cada embarcação, à manutenção de sua trajetória em relação ao restante da frota e à execução do percurso correto rumo ao destino. Assim, a moral tem uma dimensão individual, uma social e uma teleológica (e, por implicação, teológica). Em outras palavras, ela depende de como lidamos com nós mesmos, com os outros seres humanos e com Deus. Pretendo aqui apenas chamar a atenção para o fato de que só a segunda dessas três categorias de relações é abarcada pelo conjunto das elucubrações éticas do Dr. Brink. Isso sem dúvida é psicologicamente compreensível, mas não se justifica filosoficamente. O silêncio sobre as outras duas partes da moralidade apenas pressupõe dogmaticamente que não temos nenhum dever moral que não seja em relação a outros seres humanos; em particular, que Deus não tem o direito ou o interesse de exigir nada de suas criaturas morais. Em matéria de direitos, portanto, o Deus do Dr. Brink não está sequer em pé de igualdade com suas criaturas; está abaixo delas. Repito que isso é psicologicamente compreensível, e espiritualmente mais ainda. Mas essa característica onipresente na argumentação de Brink refuta, uma vez mais, sua pretensão de estar estabelecendo uma ética mais compatível com o "teísmo". Não obstante, insisto que o Dr. Brink não estava sendo desonesto quando declarou, em [5.3], que sua autonomia da ética é compatível com o teísmo; ele "apenas" não sabia do que estava falando.
Os problemas, porém, ainda não acabaram. Terminei a oitava parte dizendo que, para Brink, "O 'ajuste dialético', ou seja, a coerência interna de juízos e intuições estabelecida pela razão, é o critério epistemológico final da 'teoria moral secular'." Mas há vários problemas com esse critério final. O maior deles é o fato de não ser um critério final. Nada impede, por exemplo, que existam vários esquemas internamente coerentes e compatíveis com as intuições morais usadas como ponto de partida e que, no entanto, sejam incompatíveis entre si. Havendo tal coisa, o critério de Brink não ajudará a descobrir qual desses esquemas é o verdadeiro.
Da mesma forma, nada em sua argumentação garante que as próprias intuições das quais se parte são corretas, nem que são as únicas relevantes. Consequentemente, a proposta de Brink não diz (e não pode dizer) como se resolverão eventuais desacordos nesse campo. Brink está dizendo apenas que tudo será resolvido por meio da argumentação; mas isso está longe de ser uma metodologia. Ele não chega sequer a propor como ponto de partida o exame das convicções morais comuns a todas as culturas humanas, como fez Lewis. Nenhum método de tratamento de questões antropológicas relevantes, do tipo que ele exaltou em [4.4] ao falar em "propriedades naturais", aparece neste ponto. Na verdade, não há aqui sequer a consciência mais genérica de que a ética e a epistemologia não podem se sustentar à parte da ontologia.
Em resumo, o método consiste em algo assim: pensemos e argumentemos para ver aonde conseguimos chegar. Ora, isso não é um método, e sim a própria definição de falta de método. O autor não tem critérios concretos para determinar o ponto de partida, nem o caminho a ser percorrido. Só lhe resta fazer o papel do Deus que nega, estabelecendo dogmaticamente como premissas fundamentais os princípios preferidos por ele, por sua cultura ou por qualquer outro grupo com o qual ele porventura se identifique. No fim das contas, resta apenas uma grande confusão e arbitrariedade. Esse é o abismo inescapável em que caiu a intelectualidade moderna. E é desse abismo que brotou o relativismo moral que, abolindo toda autoridade moral objetiva, permitiu a politização de toda a realidade e a transformação de todos os desacordos em simples lutas pelo poder. Brink, naturalmente, não apóia isso, mas apenas porque é um homem à moda antiga (isto é, um iluminista tardio, um moderno inconformado com a pós-modernidade), incapaz de levar a sério a ideia de uma moralidade inventada pelo homem. Contudo, ele não tem um método que lhe permita evitar o abismo.
Esse fim lamentável ocorre a despeito do bom começo a que aludi na penúltima postagem, quando o Dr. Brink sensatamente criticou o racionalismo de caráter puramente dedutivo de algumas abordagens. Pretendo agora fazer algumas considerações sobre o que o Dr. Brink disse até aqui, relacionando-o com o cristianismo. Faço isso com dois objetivos: o primeiro, mais apologético, é explicar por que a visão cristã da objetividade moral não escoa pelo mesmo ralo que tragou o esforço do Dr. Brink; o outro é mostrar o que os cristãos devem aprender com o que esse mesmo esforço produziu de verdadeiro.
Afirmei na oitava parte desta série que a abordagem não-racionalista, adotada em [7.3] e ausente em vários outros pontos do artigo, é compatível com a visão bíblica da ética. Eu disse isso porque a Bíblia não nos apresenta o aspecto moral da criação (ou do Criador) como um conjunto de afirmações, regras e princípios morais a serem descobertos primariamente pela via da razão analítica, deduzindo casos particulares a partir de um princípio abstrato último e auto-evidente. Isso talvez até possa ser feito, mas apenas a posteriori e, acredito, de modo incontornavelmente imperfeito. Deus não concedeu autonomia ou auto-evidência a princípio algum; o fundamento último da moral é Ele próprio, e ninguém menos. Por conseguinte, o esforço de descobrir a verdade moral se assemelha muito menos a uma investigação filosófica que ao processo de conhecer o caráter de uma outra pessoa. Dentro da perspectiva cristã, a abordagem de Brink faz todo o sentido: visto que a fonte da moralidade não é um princípio, e sim uma pessoa, nenhuma proposição moral, seja qual for seu lugar na hierarquia dos valores, tem primazia na "justificação das nossas crenças morais". Esse fato permite evitar absolutizações indevidas levadas a efeito por quaisquer indivíduos, culturas ou subculturas, ao mesmo tempo em que permite a salvaguarda da objetividade, na medida em que o caráter do qual ela depende é o da Personalidade Absoluta, como diria John Frame.
Naturalmente, o que acabo de afirmar indica o caminho para a solução do problema, mas ainda não o resolve. É certo que, se estamos falando de conhecer o caráter do Deus que serve como padrão para todo juízo moral, a revelação que Deus faz de seu caráter nas Escrituras - e na criação em geral, devidamente interpretada pelas lentes das Escrituras - deverá ser a autoridade final. Mas como faremos para identificar a correta interpretação das Escrituras? Afinal, todos sabemos que os cristãos discordam entre si quase tanto quanto quaisquer outros correligionários. Nesse ponto, a discussão quase sempre se volta para o estabelecimento dos princípios corretos de exegese bíblica e suas aplicações. Mas pretendo enfatizar aqui um aspecto mais fundamental, embora muitas vezes ignorado, seja por negligência, seja apenas por jamais vir à consciência.
É lugar-comum dizer que os pressupostos pré-exegéticos influenciam nossa compreensão do texto, seja este bíblico ou não. Mas o que isso significa? Creio que, antes de qualquer outra coisa, significa o seguinte: sejam quais forem as questões hermenêuticas, linguísticas, culturais e existenciais que possam influenciar a compreensão do sentido do texto bíblico, o fato é que, em última análise, todo desacordo entre dois cristãos sobre as implicações morais de um texto decorre de diferentes compreensões sobre o caráter de Deus. Afinal, dizer que uma pessoa aprova ou não determinada conduta é dizer algo sobre quem essa pessoa é. Se erramos em nossa compreensão do que Deus deseja, ou se sua vontade nos parece obscura em certos pontos, é porque, em última análise, não o conhecemos devidamente. E aqui me refiro ao conhecimento mais pessoal possível.
Também nesse sentido o cristão pode e deve concordar com Brink sobre a extensão de nossa falibilidade. A diferença é que não só temos um texto inspirado com autoridade divina, nem só isso e um método exegético, mas temos também a habitação do Espírito Santo em nossos corações, abrindo nossa mente para o entendimento das Escrituras. Não estou dizendo, é claro, que essa presença torna nossos juízos infalíveis. O que estou tentando mostrar é a qualidade distintiva da epistemologia cristã: a obra do Espírito Santo faz com que o método epistemológico moral do cristão seja algo mais que a combinação do raciocínio analítico abstrato com um conjunto de premissas exegeticamente extraídas de um texto inspirado. Representamos mal o cristianismo quando descrevemos a epistemologia cristã nesses termos. Além da revelação verbal nas Escrituras e da capacidade de pensar, dispomos também de uma relação pessoal direta pela qual aprendemos a conhecer a Pessoa que escreveu o Livro e nos ensinou a pensar. Conhecemos a moral objetiva conhecendo a vontade de Deus, e conhecemos a vontade de Deus conhecendo pessoalmente o Dono dessa vontade. Decorre daí a importância epistemológica da oração. "Se alguém necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente". A única solução possível para os conflitos de interpretação moral dentro do cristianismo consiste, em última análise, em conhecer melhor o caráter de Deus. Sem dúvida isso não satisfaz os critérios da filosofia analítica, na medida em que nenhuma relação pessoal admite tal redução. Mas o cristianismo pode renunciar à filosofia analítica no nível último - ou, melhor dizendo, recusar-se a absolutizá-la - justamente porque oferece a vida de comunhão pessoal com Deus. Brink não tem isso a oferecer, e por isso seu fracasso na via analítica resulta em um fracasso total.
Encerro aqui meus comentários sobre a seção Variedades de naturalismo. Mas estas últimas considerações já começam a entrar no tema da próxima seção do artigo, em que Brink fala do papel epistemológico de Deus na moralidade. Entrarei esse assunto a partir do próximo post.
Dito isso, encerrarei meus comentários a essa seção voltando do específico para o geral, a começar por duas breves observações sobre os esforços de Brink e suas consequências. Ambas são aplicações diretas de ideias levantadas e discutidas por dois pensadores cristãos do século XX.
O primeiro é Francis Schaeffer. No livreto A igreja do final do século XX há um trecho curioso em que ele enuncia as "únicas três possibilidades" de uma moral social sem Deus. A pergunta que Schaeffer busca responder é basicamente a mesma que Brink enuncia nesta seção, mas com foco sociológico e político em vez de epistemológico. A primeira das três opções é o que ele chama de "hedonismo": a consciência individual é absoluta, e toda coerção social ou política é moralmente errada. A máxima "é proibido proibir" resume bem essa opção, inclusive em sua autocontradição flagrante. A segunda é a "ditadura dos 51 por cento", pela qual a verdade moral é a convenção apoiada pela maioria, à qual os restantes têm o dever de se sujeitar. A única imoralidade seria, então, fazer algo que a maioria não deseja que seja feito. E a terceira opção é o "totalitarismo", pelo qual decidirá o certo e o errado quem tiver poder político para impor sua vontade; ser imoral, nesse caso, é sinônimo de contrariar quem porventura estiver no poder. Essas são as únicas opções humanistas possíveis; são mutuamente incompatíveis, de modo que mesmo uma tentativa de combinar duas delas, ou as três, terá de hierarquizá-las e escolher uma delas como fundamental. Mas a moralidade, como já defendi na quinta parte, é necessariamente pessoal. Uma vez que Deus tenha sido retirado da conversa, o único legislador possível é o próprio homem, seja o indivíduo ou a coletividade, exercendo sua função diretamente ou por delegação. As opções epistemológicas aventadas por Brink (vantagem mútua, imparcialidade e responsabilidade) são todas abstratas o bastante para serem incapazes de escapar a esse "trilema" no plano prático - assim como no teórico, como já mostrei. É necessária uma teoria moral que torna imorais simultaneamente o egoísmo individual, a opressão das minorias e a dos que não têm poder político. Nenhuma das três abordagens de Brink oferece isso.
O segundo intelectual cristão é o já citado C. S. Lewis. Em Cristianismo puro e simples há um capítulo chamado As três partes da moralidade (esta discussão está cheia de tríades!) em que ele ilustra nossa relação com a moral mediante uma analogia com uma frota de embarcações. As três dimensões da moral seriam análogas, respectivamente, ao bom funcionamento interno de cada embarcação, à manutenção de sua trajetória em relação ao restante da frota e à execução do percurso correto rumo ao destino. Assim, a moral tem uma dimensão individual, uma social e uma teleológica (e, por implicação, teológica). Em outras palavras, ela depende de como lidamos com nós mesmos, com os outros seres humanos e com Deus. Pretendo aqui apenas chamar a atenção para o fato de que só a segunda dessas três categorias de relações é abarcada pelo conjunto das elucubrações éticas do Dr. Brink. Isso sem dúvida é psicologicamente compreensível, mas não se justifica filosoficamente. O silêncio sobre as outras duas partes da moralidade apenas pressupõe dogmaticamente que não temos nenhum dever moral que não seja em relação a outros seres humanos; em particular, que Deus não tem o direito ou o interesse de exigir nada de suas criaturas morais. Em matéria de direitos, portanto, o Deus do Dr. Brink não está sequer em pé de igualdade com suas criaturas; está abaixo delas. Repito que isso é psicologicamente compreensível, e espiritualmente mais ainda. Mas essa característica onipresente na argumentação de Brink refuta, uma vez mais, sua pretensão de estar estabelecendo uma ética mais compatível com o "teísmo". Não obstante, insisto que o Dr. Brink não estava sendo desonesto quando declarou, em [5.3], que sua autonomia da ética é compatível com o teísmo; ele "apenas" não sabia do que estava falando.
Os problemas, porém, ainda não acabaram. Terminei a oitava parte dizendo que, para Brink, "O 'ajuste dialético', ou seja, a coerência interna de juízos e intuições estabelecida pela razão, é o critério epistemológico final da 'teoria moral secular'." Mas há vários problemas com esse critério final. O maior deles é o fato de não ser um critério final. Nada impede, por exemplo, que existam vários esquemas internamente coerentes e compatíveis com as intuições morais usadas como ponto de partida e que, no entanto, sejam incompatíveis entre si. Havendo tal coisa, o critério de Brink não ajudará a descobrir qual desses esquemas é o verdadeiro.
Da mesma forma, nada em sua argumentação garante que as próprias intuições das quais se parte são corretas, nem que são as únicas relevantes. Consequentemente, a proposta de Brink não diz (e não pode dizer) como se resolverão eventuais desacordos nesse campo. Brink está dizendo apenas que tudo será resolvido por meio da argumentação; mas isso está longe de ser uma metodologia. Ele não chega sequer a propor como ponto de partida o exame das convicções morais comuns a todas as culturas humanas, como fez Lewis. Nenhum método de tratamento de questões antropológicas relevantes, do tipo que ele exaltou em [4.4] ao falar em "propriedades naturais", aparece neste ponto. Na verdade, não há aqui sequer a consciência mais genérica de que a ética e a epistemologia não podem se sustentar à parte da ontologia.
Em resumo, o método consiste em algo assim: pensemos e argumentemos para ver aonde conseguimos chegar. Ora, isso não é um método, e sim a própria definição de falta de método. O autor não tem critérios concretos para determinar o ponto de partida, nem o caminho a ser percorrido. Só lhe resta fazer o papel do Deus que nega, estabelecendo dogmaticamente como premissas fundamentais os princípios preferidos por ele, por sua cultura ou por qualquer outro grupo com o qual ele porventura se identifique. No fim das contas, resta apenas uma grande confusão e arbitrariedade. Esse é o abismo inescapável em que caiu a intelectualidade moderna. E é desse abismo que brotou o relativismo moral que, abolindo toda autoridade moral objetiva, permitiu a politização de toda a realidade e a transformação de todos os desacordos em simples lutas pelo poder. Brink, naturalmente, não apóia isso, mas apenas porque é um homem à moda antiga (isto é, um iluminista tardio, um moderno inconformado com a pós-modernidade), incapaz de levar a sério a ideia de uma moralidade inventada pelo homem. Contudo, ele não tem um método que lhe permita evitar o abismo.
Esse fim lamentável ocorre a despeito do bom começo a que aludi na penúltima postagem, quando o Dr. Brink sensatamente criticou o racionalismo de caráter puramente dedutivo de algumas abordagens. Pretendo agora fazer algumas considerações sobre o que o Dr. Brink disse até aqui, relacionando-o com o cristianismo. Faço isso com dois objetivos: o primeiro, mais apologético, é explicar por que a visão cristã da objetividade moral não escoa pelo mesmo ralo que tragou o esforço do Dr. Brink; o outro é mostrar o que os cristãos devem aprender com o que esse mesmo esforço produziu de verdadeiro.
Afirmei na oitava parte desta série que a abordagem não-racionalista, adotada em [7.3] e ausente em vários outros pontos do artigo, é compatível com a visão bíblica da ética. Eu disse isso porque a Bíblia não nos apresenta o aspecto moral da criação (ou do Criador) como um conjunto de afirmações, regras e princípios morais a serem descobertos primariamente pela via da razão analítica, deduzindo casos particulares a partir de um princípio abstrato último e auto-evidente. Isso talvez até possa ser feito, mas apenas a posteriori e, acredito, de modo incontornavelmente imperfeito. Deus não concedeu autonomia ou auto-evidência a princípio algum; o fundamento último da moral é Ele próprio, e ninguém menos. Por conseguinte, o esforço de descobrir a verdade moral se assemelha muito menos a uma investigação filosófica que ao processo de conhecer o caráter de uma outra pessoa. Dentro da perspectiva cristã, a abordagem de Brink faz todo o sentido: visto que a fonte da moralidade não é um princípio, e sim uma pessoa, nenhuma proposição moral, seja qual for seu lugar na hierarquia dos valores, tem primazia na "justificação das nossas crenças morais". Esse fato permite evitar absolutizações indevidas levadas a efeito por quaisquer indivíduos, culturas ou subculturas, ao mesmo tempo em que permite a salvaguarda da objetividade, na medida em que o caráter do qual ela depende é o da Personalidade Absoluta, como diria John Frame.
Naturalmente, o que acabo de afirmar indica o caminho para a solução do problema, mas ainda não o resolve. É certo que, se estamos falando de conhecer o caráter do Deus que serve como padrão para todo juízo moral, a revelação que Deus faz de seu caráter nas Escrituras - e na criação em geral, devidamente interpretada pelas lentes das Escrituras - deverá ser a autoridade final. Mas como faremos para identificar a correta interpretação das Escrituras? Afinal, todos sabemos que os cristãos discordam entre si quase tanto quanto quaisquer outros correligionários. Nesse ponto, a discussão quase sempre se volta para o estabelecimento dos princípios corretos de exegese bíblica e suas aplicações. Mas pretendo enfatizar aqui um aspecto mais fundamental, embora muitas vezes ignorado, seja por negligência, seja apenas por jamais vir à consciência.
É lugar-comum dizer que os pressupostos pré-exegéticos influenciam nossa compreensão do texto, seja este bíblico ou não. Mas o que isso significa? Creio que, antes de qualquer outra coisa, significa o seguinte: sejam quais forem as questões hermenêuticas, linguísticas, culturais e existenciais que possam influenciar a compreensão do sentido do texto bíblico, o fato é que, em última análise, todo desacordo entre dois cristãos sobre as implicações morais de um texto decorre de diferentes compreensões sobre o caráter de Deus. Afinal, dizer que uma pessoa aprova ou não determinada conduta é dizer algo sobre quem essa pessoa é. Se erramos em nossa compreensão do que Deus deseja, ou se sua vontade nos parece obscura em certos pontos, é porque, em última análise, não o conhecemos devidamente. E aqui me refiro ao conhecimento mais pessoal possível.
Também nesse sentido o cristão pode e deve concordar com Brink sobre a extensão de nossa falibilidade. A diferença é que não só temos um texto inspirado com autoridade divina, nem só isso e um método exegético, mas temos também a habitação do Espírito Santo em nossos corações, abrindo nossa mente para o entendimento das Escrituras. Não estou dizendo, é claro, que essa presença torna nossos juízos infalíveis. O que estou tentando mostrar é a qualidade distintiva da epistemologia cristã: a obra do Espírito Santo faz com que o método epistemológico moral do cristão seja algo mais que a combinação do raciocínio analítico abstrato com um conjunto de premissas exegeticamente extraídas de um texto inspirado. Representamos mal o cristianismo quando descrevemos a epistemologia cristã nesses termos. Além da revelação verbal nas Escrituras e da capacidade de pensar, dispomos também de uma relação pessoal direta pela qual aprendemos a conhecer a Pessoa que escreveu o Livro e nos ensinou a pensar. Conhecemos a moral objetiva conhecendo a vontade de Deus, e conhecemos a vontade de Deus conhecendo pessoalmente o Dono dessa vontade. Decorre daí a importância epistemológica da oração. "Se alguém necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente". A única solução possível para os conflitos de interpretação moral dentro do cristianismo consiste, em última análise, em conhecer melhor o caráter de Deus. Sem dúvida isso não satisfaz os critérios da filosofia analítica, na medida em que nenhuma relação pessoal admite tal redução. Mas o cristianismo pode renunciar à filosofia analítica no nível último - ou, melhor dizendo, recusar-se a absolutizá-la - justamente porque oferece a vida de comunhão pessoal com Deus. Brink não tem isso a oferecer, e por isso seu fracasso na via analítica resulta em um fracasso total.
Encerro aqui meus comentários sobre a seção Variedades de naturalismo. Mas estas últimas considerações já começam a entrar no tema da próxima seção do artigo, em que Brink fala do papel epistemológico de Deus na moralidade. Entrarei esse assunto a partir do próximo post.
Um comentário:
André, você sabe, sou seu fã, acho fantástica a forma como escreve.
Depois faço algum comentário sobre o texto.
Grande abraço, é uma penas que ainda não tenhamos nos conhecido pessoalmente.
Fique com Deus que Ele continue abençoando seu intelecto.
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