9 de dezembro de 2016

Profecia e divindade - parte 7

2.3. Filipenses 2.5-11

Nesse trecho clássico de uma de suas cartas, Paulo faz uma bela exposição de uma doutrina bíblica importante, relacionada ao que aconteceu com Jesus quando se encarnou, morreu e ressuscitou. Farei alguns comentários em seguida.

"Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai."

Essa passagem afirma claramente a divindade de Jesus e sua igualdade de natureza com o Pai, mas sua importância vai além disso: ela expõe as doutrinas gêmeas de que a teologia sistemática trata sob os nomes de "doutrina da humilhação de Cristo" e "doutrina da exaltação de Cristo". A encarnação foi um ato de humildade e humilhação pelo qual Jesus voluntariamente abriu mão, em certo sentido, de sua dignidade como igual ao Pai. Mas, após sua morte, tendo cumprido com perfeição a obra que lhe fora confiada, Jesus foi novamente exaltado pelo Pai, não apenas por sua ressurreição, nem apenas por ter se tornado Senhor sobre tudo ("Toda autoridade me foi dada nos céus e na terra" foi uma das últimas palavras do Cristo ressurreto no evangelho segundo Mateus, como já mencionei), mas também porque seu nome seria proclamado como tal e assim reconhecido em todas as partes do mundo. A doutrina da humilhação, declarada nesse texto, também esclarece as várias passagens em que Jesus, durante sua vida terrena, se expressou de modo a sugerir algum tipo de inferioridade sua em relação ao Pai, e explica como isso pode ser conciliado com as claras afirmações da plena divindade de Cristo e sua igualdade com o Pai.

2.4. De volta ao vídeo

Depois de ter examinado brevemente esses três textos bíblicos, e outros relacionados que foram citados de passagem, podemos voltar aos argumentos que o preletor muçulmano levantou contra a ideia de que a Bíblia ensina a divindade de Jesus. Eu havia mencionado que os argumentos eram três, dos quais o segundo já havia sido refutado por pressupor equivocadamente que afirmar a divindade equivaleria a negar a humanidade de Cristo. Chamei também a atenção para o fato de que as três partes do primeiro argumento pressupõem que não pode haver subordinação de Cristo em relação ao Pai. Portanto, todas as três partes são refutadas pelo esclarecimento da doutrina da humilhação de Cristo, que acabo de expor e discutir brevemente com base no texto de Filipenses 2: a subordinação ocorrida durante o estado de humilhação é totalmente compatível com a plena divindade de Jesus e sua igualdade com o Pai, e ambas as doutrinas são claramente afirmadas no mesmo texto.

Sendo assim, resta apenas um argumento: o de que Jesus nunca declarou ser Deus. Antes de responder a isso, é interessante chamar a atenção para uma mudança sutil na estratégia argumentativa do preletor. Até aqui ele citou indiscriminadamente textos de diversas partes da Bíblia, não levando em consideração a identidade do autor. Como já apontei antes, em parte alguma ele se mostrou disposto a afirmar (embora muitos apologistas muçulmanos afirmem) que a Bíblia contém erros; ao contrário, sua estratégia argumentativa precisa pressupor a autenticidade e confiabilidade do que a Bíblia declara sobre Jesus. Ao chegar a este ponto, no entanto, ele põe de lado o que outras pessoas afirmaram na Bíblia sobre Jesus e dá a entender que só o que Jesus afirma sobre si mesmo tem validade. Essa mudança de procedimento não vem acompanhada de nenhuma justificativa, e creio que muitos espectadores nem sequer a notaram. Mas o preletor é enfático nesse ponto, chegando a mencionar que as traduções da Bíblia destacam em vermelho as falas do próprio Jesus, distinguindo-as do restante do texto (na verdade, até onde sei, apenas uma edição da Bíblia faz isso).

Acredito que essa mudança tem uma motivação importante: a evidência bíblica de que os apóstolos e a igreja primitiva em geral criam na divindade de Cristo é esmagadora. Nos próprios textos que citei (e muitos outros poderiam ser citados) isso transparece claramente. Um muçulmano não tem como ler a Bíblia sem ficar profundamente incomodado com essas declarações, que conflitam fortemente com a imagem de Jesus que o Alcorão apresenta. Creio que essa dificuldade está por trás da ampla adesão do mundo islâmico à ideia de que os ensinos de Jesus foram mal interpretados e distorcidos pelos discípulos, e de que Jesus, sendo profeta, não poderia concordar com esses desvios. Já mostrei que o Alcorão afirma isso expressamente. Porém, como também já expliquei, dizer claramente que a própria Bíblia contém distorções, embora não seja problemático para a doutrina islâmica, é problemático para esse preletor específico, pois ele tomou a decisão retórica de não questionar a autoridade bíblica ao tentar convencer a jovem católica que fez a pergunta. Nesse contexto, restringir a discussão às palavras ditas pelo próprio Jesus é um procedimento artificial, pois é um modo de eliminar logo no ponto de partida boa parte da evidência bíblica da divindade de Jesus. Mas isso não poderia ser declarado expressamente, pois a eficácia da estratégia de mudança de foco depende justamente da capacidade de ocultar esse contraste; uma vez vindo à consciência, o encanto se desfaz.

Por ser esse um procedimento ilegítimo e arbitrário, considero que a simples constatação de sua existência, somada à evidência que vim elencando nas seções anteriores, vinda de várias partes do Novo Testamento, bastam para mostrar que a Bíblia ensina claramente a divindade de Jesus. No entanto, darei um passo a mais e mostrarei que, mesmo que nos restrinjamos às palavras do próprio Jesus, como quer o preletor muçulmano, ainda encontraremos evidência da divindade de Jesus. Vários exemplos poderiam ser citados, como as referências de Jesus à sua capacidade de perdoar pecados ou sobre sua relação com o sábado. Mas me concentrarei em um único exemplo.


O momento em que a reivindicação de divindade de Jesus me parece mais nítida está registrado em João 8.56-59. Durante uma discussão com os fariseus, na qual eles questionavam a origem divina de seu trabalho, Jesus disse: "Abraão, pai de vocês, regozijou-se porque veria o meu dia; ele o viu e alegrou-se". Seus antagonistas responderam: "Você ainda não tem cinquenta anos, e viu Abraão?" O espanto deles é compreensível, pois Abraão vivera dois mil anos antes. Mas ficaram ainda mais espantados com a resposta de Jesus: "Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!" Há intérpretes que tentam diluir o significado dessa afirmação de Jesus dizendo que o que estava em discussão era apenas a idade de Jesus, de modo que ele estava, na verdade, apenas afirmando sua preexistência. Mas essa interpretação não se sustenta, por várias razões. Uma delas é que, se foi isso o que Jesus quis dizer, achou um jeito muito estranho de dizê-lo. Nesse caso, bastaria dizer "antes de Abraão nascer, eu já existia". Mas por que o uso do verbo no presente? A construção pode parecer estranha para nós, mas era familiar aos judeus da época, de modo que Jesus certamente sabia disso e, como bom professor que era, quis dizer exatamente o que sabia que as pessoas entenderiam. Mas o que seria?

A resposta está no Antigo Testamento, mais uma vez. Para ser mais exato, está em Êxodo 3.13-14, quando Deus aparece a Moisés (no famoso episódio da sarça ardente) e promete libertar o povo de Israel da escravidão no Egito. O texto diz: "Moisés perguntou: 'Quando eu chegar diante dos israelitas e lhes disser: O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: Qual é o nome dele? Que lhes direi?' Disse Deus a Moisés: 'Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês'." Desde então, a expressão "eu sou", sem objeto direto, tornou-se uma reivindicação de divindade. O que Jesus afirmou sobre si mesmo ia muito além de sua mera preexistência. Jesus sabia muito bem o impacto que sua afirmação causaria, e de fato causou, pois João narra o que aconteceu a seguir nos seguintes termos: "Então eles apanharam pedras para apedrejá-lo, mas Jesus escondeu-se e saiu do templo". Para aqueles judeus, Jesus havia acabado de cometer publicamente um ato de blasfêmia, de modo que só lhes restava executar a sentença prescrita na Lei: o apedrejamento do blasfemador. Eles não fariam isso se não lhes parecesse que Jesus havia afirmado ser Deus. E Jesus não teria se expressado mal, muito menos quanto a uma questão dessa importância.

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